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“Neutralidade deve ser uma opção e não uma imposição ao atleta”, diz Carol Solberg

Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, a jogadora de vôlei comenta polêmica e repercussão após “Fora, Bolsonaro”

Publicado: 10 Novembro, 2020 - 17h43

Escrito por: Mariana Pitasse Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ)

Fernando Young
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O noticiário envolvendo o nome da jogadora Carol Solberg, de 33 anos, fervilhou durante o último mês. As notícias, no entanto, não tratavam sobre o rendimento ou as vitórias e derrotas da atleta, ao lado de sua companheira de time Talita, nas areias do vôlei de praia, modalidade que compete desde os 15 anos. Carol se tornou figura carimbada nos portais e páginas de jornais com a repercussão de uma manifestação, considerada por ela, despretensiosa.

O episódio aconteceu logo depois da conquista do bronze, na primeira etapa do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia deste ano, após a pausa imposta pela pandemia do novo coronavírus. Na beira da quadra, em entrevista ao canal SporTV, Carol não se conteve aos esperados comentários da partida e aos agradecimentos a familiares. No final de sua fala, segurou o microfone e gritou: “Fora, Bolsonaro”.

Minutos depois, as redes sociais estavam abarrotadas de compartilhamentos do vídeo que reproduz esse trecho da fala. Uma enxurrada de opiniões não pararam de surgir sobre o posicionamento da atleta. Em poucos dias, Carol vira símbolo de resistência, referência progressista no esporte, mas também alvo de inúmeros ataques - não só de haters e apoiadores declarados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

No mesmo dia da manifestação, a própria Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) se pronunciou dizendo que o torneio "não poderia ser manchado por um ato totalmente impensado praticado pela atleta" e que tomaria as medidas cabíveis para que "fatos como esse não voltessem a ser praticados".

Em menos de uma semana, após a nota da CBV, Carol se tornou protagonista de uma denúncia apresentada ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) do vôlei movida pela procuradoria do órgão. O texto pedia que a jogadora recebesse penalidade máxima: uma multa de R$ 100 mil e suspensão por seis torneios.

“Em nenhum momento achei que uma manifestação legítima tomaria essa proporção. Mas hoje olho para o tamanho disso tudo e vejo como tem sido importante. Estamos levantando debates mais que necessários por conta da repercussão. A liberdade de expressão é um deles. Sabemos que estamos em tempo de censuras. Às vezes sutis e às vezes escancaradas. Precisamos estar atentos para combater isso”, diz em entrevista ao Brasil de Fato.

O julgamento, transmitido online com audiência recorde para o canal do STJD, foi considerado como um divisor de águas na discussão sobre liberdade de expressão no esporte brasileiro: tanto pela repercussão, quanto pelo tratamento diferenciado que a atleta recebeu. Carol foi punida com multa convertida em advertência. No final da audiência, os auditores ainda deixaram claro que ela não pode voltar a se manifestar politicamente na quadra.

“Acho que fui censurada e estou recorrendo a essa decisão. O objetivo é lutar pela liberdade de expressão. Temos esse direito”, complementa.

Leia mais: Jogadora Carol Solberg recebe advertência e é proibida de repetir “Fora, Bolsonaro"

A discussão sobre assunto, no entanto, não se encerrou com a primeira decisão judicial, como esperavam os auditores do caso no STJD. O episódio virou tema de uma audiência pública para debater a liberdade de expressão e isonomia no esporte proposta pelo Ministério Público Federal (MPF). O evento está marcado para esta terça-feira (10) no canal do órgão no YouTube.

O caso também inspirou um projeto que inclui um artigo na Lei 9.615, conhecida como "Lei Pelé", com o objetivo de garantir liberdade de expressão para os atletas se manifestarem durante as competições. O projeto é do senador e ex-jogador de futebol, Romário (Podemos), e já foi apelidado de "Lei Carol Solberg".

“Na minha opinião, o que não faz bem ao esporte é o atleta estar sempre nesse lugar de neutralidade. Isso tem que ser uma opção e não um lugar imposto. O atleta é um cidadão como outro qualquer e deve poder se manifestar quando quiser e achar necessário”, afirma a jogadora.

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato: Por que acredita que a sua manifestação de “Fora, Bolsonaro” teve tanta repercussão nas redes sociais e nas comissões representativas de atletas do vôlei? 

Carol Solberg: Penso que são alguns fatores no plural. Alguns deles certamente têm relação com o fato de me posicionar contra o atual governo e também por tão poucos atletas se posicionarem politicamente. O que estamos vivendo atualmente no Brasil é muito sério e essa repercussão reforça isso. Quem apoiou está consciente e se solidariza com toda a censura que houve. 

Você esperava que sua declaração tomaria essa proporção, ainda mais se comparada a outras manifestações políticas de outros atletas?

Não, não imaginava. Em nenhum momento achei que essa manifestação legítima tomaria essa proporção. Mas hoje olho para o tamanho disso tudo e vejo como tem sido importante. Estamos levantando debates mais que necessários por conta da repercussão. A liberdade de expressão é um deles.

Como foram as última semanas para você, com esse turbilhão de acontecimentos? 

Essas últimas semanas foram entre o equilíbrio e o turbilhão. Tentei manter o foco nos meus treinamentos, em cuidar dos meus filhos e de mim mesma. Ao mesmo tempo fui vivenciando e absorvendo toda essa história. Entendendo cada dia mais a importância dela para o esporte e para a sociedade. 

Li uma declaração sua sobre ter recebido algumas mensagens ameaçadoras. Você sentiu medo por elas?

Sim, foi bem estranho sentir isso. Não é legal ser ameaçada, né? E a gente não sabe até onde fica no virtual. Mas estamos atentos por aqui com relação a isso. 

Ao mesmo tempo você também tem recebido muito apoio. Acredita que sua manifestação representou o grito de muitos brasileiros?

Recebi muito apoio, isso foi incrível! Acho que grande parte dos brasileiros é contra tudo que esse governo representa, então acho que meu grito foi de muitos, sim. Quando estou dando uma entrevista após um jogo é o momento que tenho voz, muita gente não tem a chance de ter uma plataforma para poder manifestar sua indignação por esse horror que estamos vivendo, então, acredito que muitos se sentiram representados, sim.

Como avalia a decisão do julgamento a que foi submetida? Está se sentindo silenciada com a advertência?

Acho que fui censurada e estou recorrendo a essa decisão. O objetivo é lutar pela liberdade de expressão. Temos esse direito.

No julgamento, um dos auditores justificou seu voto pela punição por entender que a sua fala “não faz bem ao esporte”. Por que se tem essa ideia, no senso comum, de que a manifestação política tem que estar dissociada do esporte?

Acho isso uma grande hipocrisia. A mordaça está somente nos atletas, quando políticos querem usar o esporte para benefício próprio e se promoverem, aí tudo bem. Ninguém fala nada sobre o assunto.

Na minha opinião, o que não faz bem ao esporte é o atleta estar sempre nesse lugar de neutralidade. Isso tem que ser uma opção e não um lugar imposto. O atleta é um cidadão como outro qualquer e deve poder se manifestar quando quiser e achar necessário.

Toda essa polêmica prejudicou o seu desempenho no último torneio que disputou?

Não, jogamos bem e perdemos nas quartas de final [na segunda etapa do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia] para o time que está em primeiro no ranking, perdemos na bola mesmo. Elas jogaram melhor que a gente no finalzinho do jogo.

O que o episódio te fez pensar sobre o país?

Me fez pensar que estamos vivendo tempos sombrios. E que cada vez mais é necessário alertarmos a sociedade sobre isso. Sobre o perigo do momento. As consequências dele. Mas tenho esperança que vamos passar por essa mais fortes.