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New York Times: democracia no Brasil empurrada para o abismo

Em artigo veiculado na edição desta terça (23), o colunista Mark Weisbrot critica politização da Justiça e lembra que as denúncias contra Lula não seriam levadas a sério no sistema judicial dos EUA

Publicado: 23 Janeiro, 2018 - 11h58 | Última modificação: 23 Janeiro, 2018 - 19h10

Escrito por: Solange do Espírito Santo, especial para a CUT

Divulgação
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O economista Mark Weisbrot, em sua coluna semanal publicada nesta terça-feira (23) no The New York Times, escancara para o mundo a politização que cerca o Judiciário no Brasil e o que está em jogo no julgamento, nesta quarta-feira (24), do recurso da defesa do ex-presidente Lula no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre.

Sob o título “Democracia no Brasil empurrada para o abismo”, Weisbort assegura que as evidências apontadas no processo que condenou Lula não seriam aceitas no sistema judicial dos Estados Unidos. Diz ainda que a democracia brasileira “pode ser ainda mais corroída” dependendo da decisão dos três juízes do TRF-4 que julgarão a apelação contra a condenação imposta a Lula pelo juiz Sério Moro, no caso do tríplex do Guarujá.

O colunista cita os principais exemplos da politização no Judiciário e aponta, como consequência, que “a democracia brasileira agora é a mais fraca desde que o governo militar acabou”.

Ele questiona ainda a legitimidade das eleições de outubro caso Lula seja impedido de se candidatar: “Se o Sr. da Silva for impedido de concorrer na eleição presidencial, o resultado poderia ter pouca legitimidade, como nas eleições hondurenhas de novembro, que eram amplamente vistas como roubadas. Uma pesquisa no ano passado descobriu que 42,7% dos brasileiros acreditavam que o Sr. da Silva estava sendo perseguido pelos meios de comunicação e pelo judiciário. Uma eleição não-crível pode ser politicamente desestabilizadora”.

Mark Weisbrot é diretor do Centro de Pesquisas Econômicas e de Políticas Públicas, em Washington, e presidente da Just Foreign Policy, organização norte-americana especializada em política externa. Confira a seguir a íntegra do artigo:

Democracia no Brasil empurrada para o abismo

Mark Weisbrot

WASHINGTON - A regra da lei e a independência do judiciário são realizações frágeis em muitos países - e susceptíveis a reversões bruscas.

O Brasil, o último país do mundo ocidental a abolir a escravidão, é uma democracia bastante jovem, tendo saído da ditadura há apenas três décadas. Nos últimos dois anos, o que poderia ter sido um avanço histórico – quando o governo do Partido dos Trabalhadores concedeu autonomia ao Judiciário para investigar e processar a corrupção oficial - tornou-se o contrário. Como resultado, a democracia brasileira agora é a mais fraca desde que o governo militar acabou.

Esta semana, a democracia pode ser mais corroída quando um tribunal de apelação, composta por três juízes, decidir se a figura política mais popular do país, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, será impedido de competir nas eleições presidenciais de 2018, ou mesmo ser preso.

Não há muita expectativa de que o Tribunal seja imparcial. O presidente da Corte de apelação já elogiou a decisão do juiz de primeira instância, de condenar o Sr. da Silva por corrupção, considerando-a como "tecnicamente irrepreensível", e a chefe de gabinete desse mesmo juiz divulgou em sua página no Facebook um post pedindo a prisão do Sr. Silva.

O juiz de primeira instância que o condenou, Sérgio Moro, demonstrou seu próprio partidarismo em numerosas ocasiões. Ele já teve que pedir desculpas ao Supremo Tribunal em 2016 por divulgar conversas telefônicas entre o Sr. da Silva e a presidenta Dilma Rousseff, seu advogado e sua esposa e filhos. O juiz Moro organizou um espetáculo para a imprensa quando que a polícia apareceu na casa do Sr. da Silva e levou-o para interrogatório - apesar de o Sr. da Silva ter dito que iria denunciar voluntariamente para interrogatório.

As evidências contra o Sr. da Silva estão muito abaixo dos padrões que seriam levados a sério, por exemplo, no sistema judicial dos Estados Unidos.

Ele é acusado de ter aceitado um suborno de uma grande empresa de construção, chamada OAS, que foi processada na operação de combate à corrupção chamada Lava Jato. Esse escândalo de vários bilhões de dólares envolveu empresas que pagam grandes subornos a funcionários da Petrobras, empresa estatal de petróleo, para obter contratos a preços grosseiramente inflacionados.

O suborno alegadamente recebido pelo Sr. da Silva é um apartamento de propriedade da OAS. Mas não há provas documentais de que o Sr. da Silva ou sua esposa já tenham recebido títulos, aluguéis ou mesmo ficaram no apartamento, nem que tentaram aceitar esse presente.

A evidência contra o Sr. da Silva baseia-se no testemunho de um executivo da OAS condenado, José Aldemário Pinheiro Filho, que teve sua pena de prisão reduzida em troca de uma delação premiada, sem provas. Segundo o relato do importante jornal brasileiro Folha de S. Paulo, originalmente o Sr. Pinheiro foi impedido de negociar a delação quando ele contou a mesma história que o Sr. da Silva sobre o apartamento. Ele também passou cerca de seis meses em prisão preventiva. (Esta evidência é discutida no documento de sentença de 238 páginas).

Mas essa escassa evidência foi suficiente para o juiz Moro. Em algo que os americanos poderiam considerar como um processo de canguru, condenou o Sr. da Silva a nove anos e meio de prisão.

O estado de direito no Brasil já havia sido atingido por um golpe devastador em 2016, quando a indicada do Sr. Silva, Sra. Rousseff, eleita em 2010 e reeleita em 2014, foi acusada e demitida do cargo. A maior parte do mundo (e talvez a maioria do Brasil) pode acreditar que ela foi acusada de corrupção. Na verdade, ela foi acusada de uma manobra contábil que temporariamente fez com que o déficit orçamentário federal fosse menor do que seria de outra forma. Era algo que outros presidentes e governadores faziam sem problemas. E o próprio promotor federal do governo concluiu que não era um crime.

Embora houvesse corrupção de dirigentes de partidos de todo o espectro político, incluindo o Partido dos Trabalhadores, não houve acusações de corrupção contra a Sra. Rousseff no processo de impeachment.

O Sr. da Silva continua a liderar as pesquisas para as eleições de outubro, por causa do sucesso dele e do partido em reverter um longo declínio econômico. De 1980 a 2003, a economia brasileira mal cresceu cerca de 0,2% per capita anualmente. O Sr. da Silva assumiu o cargo em 2003 e a Sra. Rousseff em 2011. Em 2014, a pobreza foi reduzida em 55% e a pobreza extrema em 65%. O salário mínimo real aumentou 76%, o salário real geral aumentou 35%, o emprego atingiu níveis recordes e a infame desigualdade do Brasil finalmente caiu.

Mas em 2014, a profunda recessão começou, e a direita brasileira conseguiu aproveitar a desaceleração para executar o que muitos brasileiros consideram um golpe parlamentar.

Se o Sr. da Silva for impedido de concorrer na eleição presidencial, o resultado poderá ter pouca legitimidade, como nas eleições hondurenhas de novembro, que foram vistas como roubadas. Uma pesquisa no ano passado descobriu que 42,7% dos brasileiros acreditavam que o Sr. da Silva estava sendo perseguido pelos meios de comunicação e pelo judiciário. Uma eleição não-crível pode ser politicamente desestabilizadora.

Talvez o mais importante, o Brasil se reconstituirá como uma forma de democracia eleitoral muito mais limitada, em que um Judiciário politizado pode excluir um líder político popular de se candidatar a cargos. Isso seria uma calamidade para os brasileiros, a região e o mundo.

Clique aqui e acesse a versão original do artigo em The New York Times