Escrito por: Vanessa Ramos, CUT São Paulo
Nas ruas da capital paulista, movimentos falam sobre feminicídio e responsabilizam o poder público
“A minha sobrinha foi estuprada, torturada, asfixiada e assassinada aos 24 anos. A minha família e o movimento feminista exigem Justiça que, para nós, significa identificar o assassino, encaminhar o responsável para julgamento e tipificar o crime como feminicídio. Até agora a morte dela está caracterizada como desconhecida.”
O relato é da militante do Movimento Negro Unificado (MNU), Dulce Pereira, durante o 9º Abraço Solidário às Mulheres em Situação de Violência, realizado nesta terça (7), no centro da capital paulista.
Dulce é tia de Isadora Mariá, mulher negra assassinada no dia 4 de maio. O corpo da jovem foi encontrado em um terreno atrás do Extra Hipermercado, na Estrada Itaquera Guaianazes, altura do número 2.500, na cidade de São Paulo, com marcas de violência e de enfrentamento, mas, até o momento, não houve resolução dos órgãos públicos responsáveis.
“Sabemos que a violência contra nós mulheres existe, mas quando acontece na família nos traz várias reflexões, ainda mais quando chega ao seu extremo, que é a morte. Temos que repensar a nossa sociedade diante de tanta opressão que se dá de forma ainda mais cruel com as mulheres negras. Seja a violência praticada pelos maridos ou parceiros, seja a da sociedade na hora de fazer uma entrevista de emprego ou em outros espaços. Temos que construir uma cultura diferente e toda a sociedade deve ser formada neste sentido”, diz Maria Cecília, tia de Isadora, ao lado de sua filha Cainã Naira, de 33 anos.
Casos como o de Isadora não são isolados. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que a taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior do mundo. São 4,8 assassinatos a cada 100 mil mulheres.
Ao lado dos familiares de Isadora, mulheres feministas de diferentes movimentos debateram a violência e os assassinatos que atingem as mulheres no país. E destacaram a importância da Lei Maria da Penha que neste dia 7 de agosto completa 12 anos.
CUT/SP“Desde que a lei foi sancionada no governo Lula, a violência contra as mulheres deixou de ser um assunto tratado com descaso para se transformar numa das legislações mais importantes do país e uma referência mundial. Mas é preciso que o Estado cumpra o seu papel na aplicação da lei para o combate à violência contra a mulher, já que o número de feminicídio ainda é altíssimo”, afirmou a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT São Paulo, Márcia Viana, que, ao lado de sindicalistas de diferentes categorias e entidades, apontou o governo golpista de Michel Temer (MDB) como um dos principais responsáveis pelo desmonte das políticas públicas na área.
Pelas Promotoras Legais Populares (PLP), a militante Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha, avalia que a Lei Maria da Penha de fato representou um avanço já que protege e previne contra a violência às mulheres. “A lei exige que todos os poderes em nível federal, estadual e municipal façam esforços no sentido de construir serviços e políticas adequadas que possam acolher, atender e orientar as mulheres em situação de violência. Mas o que ocorre no Brasil hoje é um retrocesso político que eu nunca vi na história deste país”, disse.
Os serviços estão pouco a pouco sendo sucateados e desmontados, avaliou Sônia Coelho, da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) que, no ato, citou o Centro de Referência da Mulher Lourdes Rodrigues, no Capão Redondo, zona sul da cidade de São Paulo. “As políticas públicas devem ser ampliadas. Os poucos serviços que temos não funcionam”, criticou.
Diante dos problemas apresentados para a efetivação da Lei Maria da Penha, é preciso que os governos garantam orçamento e profissionais, analisa Dulce Xavier, da Frente Regional do ABC de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher.
“O mato, por exemplo, tomou conta da Casa da Mulher Brasileira e nada ainda foi feito. Estamos sem resposta de quando a casa voltará a funcionar. Serão atendimentos muito importantes (delegacia, assistência social, justiça, psicólogo, abrigo, entre outros serviços) porque evitará toda uma peregrinação das mulheres. Será uma rede de apoio”, explicou Dulce ao Chefe de Gabinete da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, José Antonio de Almeida Castro, no momento em que ele protocolava documento elaborado pelas mulheres.
A Casa da Mulher Brasileira citada por Dulce, que é também ex-secretária adjunta da Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres de São Paulo, contou com milhões investidos, retirados do orçamento da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM). Em outubro de 2017, os movimentos de mulheres realizaram um protesto pela abertura da casa. A Prefeitura de São Paulo se comprometeu a dar encaminhamento aos serviços, mas não fez nada até o momento.
Para pressionar os órgãos públicos, as mulheres protocolaram manifesto reivindicatório (clique aqui para ler) não apenas na Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, mas também na Prefeitura de São Paulo e no Ministério Público do Estado de São Paulo.
Entre os pontos citados, elas exigem a retomada de políticas públicas de combate à violência, criticam o sucateamento e o fechamento de Centros de Referência da Mulher, bem como combatem as ações do Executivo municipal para extinguir de vez as secretarias de Políticas para as Mulheres e de Igualdade Racial na capital. Atualmente o PL 337, de 2018, tramita na Câmara Municipal com este objetivo.
Neste 9º Abraço Solidário às Mulheres em Situação de Violência, participaram ativistas, entre outras regiões, da cidade de São Paulo, de Jundiaí, Praia Grande, Sorocaba, São Bernardo do Campo, Santo André e Diadema. O vereador da capital paulista, Eduardo Suplicy (PT), também acompanhou o ato. Os movimentos de mulheres saíram em marcha da Rua Líbero Badaró até a Rua Riachuelo, onde encerraram a atividade.
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