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No Brasil, bala perdida, fome e desemprego têm alvo: a população negra

Morte, desemprego, fome e violência atingem mais a população negra, vítima de uma estrutura racista da sociedade, que privilegia os não negros

Publicado: 20 Novembro, 2021 - 11h45 | Última modificação: 20 Novembro, 2021 - 16h58

Escrito por: Marize Muniz e André Acarini

Fotos: Marcello Casal/AgBr - Montagem: Edson Rimonatto
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A violência policial é uma das muitas facetas da violência racial no Brasil e, assim como a fome o desemprego, atinge mais a população negra do que a não negra.

Essa tragédia brasileira é consequência do racismo estrutural, que nada mais é do que a maneira como são estruturadas todas as instituições da sociedade, explica sempre o professor de direito Silvio Almeida.

Em resumo, racismo estrutural é um conjunto de práticas discriminatórias, institucionais, históricas, culturais dentro de uma sociedade que frequentemente privilegia algumas raças em detrimento de outras. O termo é usado para reforçar o fato de que há sociedades estruturadas com base no racismo, que favorecem pessoas brancas e desfavorecem negros e indígenas.

Essas estruturas são as principais bases da desigualdade no Brasil.

“Quando a gente fala que o racismo estrutura a nossa sociedade é porque ele está no cerne das relações, sejam institucionais ou sociais. Ações que geralmente não conseguimos identificar acabam sendo normalizadas”, diz a secretária de Combate ao Racismo da CUT, Anatalina Lourenço.

Um dos muitos exemplos, diz a dirigente, é a própria mídia. “Propagandas em sua grande maioria, são feitas por pessoas não negras e a gente vive em um país, em que 54% da população é negra. Seria muito natural que nos víssemos mais na televisão”, ela diz.

O racismo estrutural está presente em todos os espaços da sociedade e é preciso identificá-lo e combatê-lo, afirma a secretária, complementando: “Todos aqueles que acreditam que a sociedade deve mais justa e igualitária têm esse papel, principalmente os não negros”. 

Violência mata mais negros do que não negros

Esse combate ao racismo, pode, por exemplo acabar ou pelo menos reduzir consideravelmente as tragédias que são rotineiras na vida da população negra, as maiores vítimas de balas perdidas, como costuma definir a mídia as mortes nos chamados conflitos policiais entre homens fardados e armados e pessoas desarmadas e indefesas. 

“Não existe bala perdida no Brasil, existe bala encontrada nos corpos negros”, diz a secretaria-Adjunta de Combate ao Racismo da CUT, Rosana Sousa Fernandes.

E as estatísticas comprovam: 78,9% das mortes nos chamados “conflitos” com policiais atingem pessoas negras e pobres, moradoras das periferias do país.

Entre 2009 e 2019 o número absoluto de mortes violentas de pessoas negras subiu 1,6% no país, ao passo que o do restante da população caiu 33%.

Desemprego afeta mais pessoas negras

Menos favorecidas, com menos acesso à educação e à qualificação profissional, as pessoas negras, que começam a trabalhar mais cedo para ajudar a pagar as despesas da familia, têm menos chances às melhores vagas no mercado de trabalho, ou seja, ao trabalho decente e bem remunerado.

Além de o racismo estrutural fazer com que oportunidades de ascensão na carreira privilegiem as pessoas não negras, elas são também as primeiras a serem demitidas nas crises econômicas e as últimas a se recolocarem quando as economias voltam a crescer.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-Contínua), do IBGE, 2,5 milhões de trabalhadores e trabalhadoras negros ficam mais de dois anos desempregados. Entre os não negros, o número é de 1,4 milhão.

Boletim Especial do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), divulgado nesta sexta-feira (19), mostra que aumentou a  desigualdade entre negros e não negros no mercado de trabalho durante a pandemia.

Os dados mostram que 71,4% dos 8,9 milhões que perderam emprego na pandemia eram negros, concluiu o Dieese

Para os não negros, os impactos da crise sanitária foram menores: dos 2,5 milhões que perderam as ocupações entre o 1º e o 2º trimestre de 2020, 59% voltaram a trabalhar em 2021”, diz o boletim.

Além de rosto, a fome tem cor, gênero e endereço, disse Maitê Gauto, gerente de Programas e Incidência da Oxfam Brasil, a Folha de S. Paulo.

“As mulheres negras representam 27% da população e ocupam metade dos empregos informais, sobretudo no trabalho doméstico. Elas formam um grupo de alta vulnerabilidade, sem garantia trabalhista e de proteção social", afirmou.

Fome também atinge mais população negra

Enquanto 59,2% dos negros apresentam algum grau de insegurança alimentar (de leve a grave), esse percentual é de 51% entre os não negros.

Os números constam do relatório "Insegurança Alimentar e Covid-19 no Brasil", publicado no começo do ano pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).

De acordo com a pesquisa, 43,4 milhões de pessoas não tinham alimentos em quantidade suficiente e 19 milhões de brasileiros enfrentavam a fome.