Escrito por: Isaías Dalle
No segundo texto da série sobre reforma política, saiba porquê o voto em lista pode ser um avanço e o distrital, um retrocesso
O movimento por uma reforma política popular está crescendo e isso é cada vez mais visível, como demonstrado pela manifestação de ontem (13) em São Paulo, que reuniu mais de 20 mil pessoas. No prazo exato de 10 dias entre uma manifestação e outra – a primeira após o segundo turno das eleições aconteceu no dia 3 –, a militância nas ruas da cidade cresceu 20 vezes. O objetivo das entidades envolvidas na organização é que essas mobilizações de rua aconteçam em outras capitais, com agenda permanente, até que a maioria da população compreenda o que está em jogo, e os setores conservadores não possam mais fingir ignorá-las.
A luta é pela convocação de um plebiscito oficial que deixe a população escolher se quer ou não eleger uma assembleia constituinte exclusiva para elaborar a reforma do sistema político. O atual Congresso, e mesmo aquele que tomará posse em janeiro, não são apropriados para fazer a verdadeira mudança, pois isso exigirá o fim de privilégios de que os congressistas usufruem. Portanto, será necessário, na visão das entidades organizadoras do ato da última quinta-feira, a eleição de um outro grupo de parlamentares voltados apenas a essa tarefa.
Referendo não vale
Já a proposta de referendo, defendida pelos partidos conservadores, permitirá que o Congresso tradicional, com todos os seus defeitos e limitações, elabore uma reforma e só depois disso a população será consultada: concorda ou não com a proposta que fizemos? “Se sim, a reforma será no mínimo tímida. Se a resposta for não, tudo fica como está. Seria a velha história do ficar ou correr”, comenta o presidente da CUT, Vagner Freitas.
Uma das principais bandeiras da reforma política popular é o fim das doações em dinheiro de empresas e bancos para candidatos e candidatas .. Com a redução drástica do volume de dinheiro de campanhas eleitorais que essa mudança provocará, o número de candidatos também terá de ser reduzido, o que exigirá alterações no próprio sistema eleitoral.
Voto em lista
A CUT defende o voto em lista, previamente elaborada pelos partidos políticos. Neste caso, a definição de quem será ou não candidato se dará no interior das legendas, o que limitará o espaço para os aventureiros, os sem-propostas e congêneres. Além de restringir a quantidade de candidaturas, o processo faria avançar a consciência de que política é ação coletiva, não individual.
Mas isso não daria poder extremo às cúpulas partidárias? O eleitor, habituado a escolher suas preferências muitas vezes sem considerar a agremiação de cada candidato, não teria sua liberdade tolhida?
Para o advogado Aldo Arantes, responsável pelo tema reforma política na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), não. Para ele, isso fortalecerá as candidaturas que têm propostas claras e linha ideológica mais definida, e a possibilidade de iludir o eleitor vai diminuir, o que seria um ganho de liberdade.
Dois turnos para o parlamento?
No intuito de não permitir que as cúpulas partidárias tenham poder absoluto, um grupo de entidades, entre as quais a OAB, propõe eleição para deputados e senadores em dois turnos. No primeiro turno, os eleitores vão votar no partido, suas propostas previamente divulgadas e na lista pré-ordenada de candidatos. Os resultados desse primeiro turno definirão o número de cadeiras a que cada partido terá direito no Parlamento. As chamadas legendas de aluguel perderão espaço.
No segundo turno, o eleitor votaria nos candidatos. Cada partido, pela proposta da OAB, poderia apresentar uma lista em que o total de candidatos seria o dobro do número de cadeiras que a legenda conquistou no primeiro turno. Assim, se o partido conquistou 10 vagas no parlamento, teria o direito a apresentar uma lista de 20 candidatos.
Para garantir a representação feminina e corrigir uma das distorções do sistema atual, essa lista de candidatos seria paritária, alternando homem e mulher. Recorrendo ao exemplo anterior, o partido apresentaria, então, 10 candidatos homens e 10 candidatas mulheres, intercalados na lista. Atualmente, as mulheres são minoria no Congresso. Embora representem mais da metade (51,3%) do eleitorado, as mulheres ocupam apenas 9% da Câmara dos Deputados e 10% do Senado. A alternância de gênero tende a diminuir essa discrepância.
Lula propõe uma mistura
O ex-presidente Lula manifesta simpatia por um sistema misto. “Eu acho que o ideal é que a gente tenha uma lista primeiro, para que o partido tenha responsabilidade sobre as pessoas que indicar. Você poderia ter dois votos. Um voto na lista e um voto numa personalidade, ou seja, para dar uma opção ao eleitor”, comentou, em breve entrevista ao final da reunião da Executiva Nacional Ampliada da CUT, na última terça-feira (11).
Para Bruno Elias, secretário nacional dos Movimentos Sociais do PT, a elaboração da lista, caso a proposta se concretize, deverá, “por óbvio, ser absolutamente democrática e respeitar a diversidade. Os filiados ao partido votariam para a elaboração da lista”. Sobre a questão da paridade, Elias vai além, defendendo-a também no critério étnico-racial. “Mas tudo vai depender da luta política concreta, das condições objetivas”, diz o dirigente, que informa ainda não haver posição totalmente definida no partido.
Proposta que não tem consenso entre as forças progressistas é o chamado voto distrital. Nesse sistema, o País seria dividido em distritos e, para cada um deles, candidatos diferentes. Do ponto de vista eleitoral, hoje o Brasil está dividido em 27 “centros coletores” de voto, que são os estados. Com a proposta do voto distrital, essa divisão aumentaria, pois os estados seriam repartidos de acordo com critérios ainda não explicitados por quem defende o distrital.
Vereadores federais
Esse modelo beneficiaria caciques locais e reduziria a ação dos eleitos a questões geograficamente restritas, afirmam seus críticos. Isso aprofundaria uma deficiência do sistema atual, em que os deputados e senadores priorizam suas regiões de origem, têm vínculos muito bem definidos e personalistas com apoiadores e deixam em segundo plano questões nacionais.
O voto distrital tende a diminuir o já escasso espaço de candidaturas associadas a minorias. O deputado federal (reeleito) Jean Wyllys (PSOL-RJ) é contra. “Isso fortaleceria os currais eleitorais”, sintetiza. “Um deputado ou senador seria, na verdade, um vereador federal, porque se quisesse ser reeleito, deveria cuidar dos assuntos da cidade que o elegeu”, diz. Wyllys argumenta que a plataforma política do candidato e depois do eleito perderia o alcance nacional, pois até mesmo a campanha seria veiculada localmente. No caso do deputado, que se define como um “deputado de ideias”, a perda seria grande.
Eleitos com menos votos
O voto distrital traz outra armadilha, segundo seus críticos. Para explicar, recorremos a uma hipótese: um partido que obtivesse 30% do total de votos do País, mas que não vencesse em nenhum distrito, não teria cadeira alguma no Parlamento. Por outro lado, um partido que tivesse menos que 30%, porém vencesse em, digamos, cinco distritos, elegeria cinco parlamentares.
Há variações nas propostas de voto distrital ventiladas até agora, como o modelo misto (que mescla voto proporcional, tal como é hoje, com o voto distrital), mas todas enfrentam as mesmas críticas. O distrital é defendido por setores do PSDB e pelo DEM, embora essas legendas, como as demais, não tenham definido formalmente suas propostas.
“Em contraponto, o voto em lista romperia em grande parte com os vínculos predominantemente regionais dos candidatos e dos eleitos e consolidaria o acesso da diversidade de opiniões e bandeiras, notadamente nos partidos que praticam democracia interna”, argumenta Vagner, da CUT.
No debate sobre o sistema eleitoral, há ainda propostas sobre o fim das coligações e a criação de um instrumento chamado cláusula de barreira, ambas avaliadas como conservadoras por seus críticos. Mas isso fica para uma próxima reportagem.
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