MENU

No Vale do Jordão, existir é resistir pelo Estado Palestino

Trabalhadores, voluntários e sindicalista falam sobre o processo de resistência pacífica na região ocupada por Israel

Publicado: 01 Abril, 2015 - 22h04 | Última modificação: 02 Abril, 2015 - 15h14

Escrito por: Luiz Carvalho

Luiz Carvalho
notice
Sireen Khudairi: relação entre Israel e Palestina é de senhor e escravo


No caminho entre Ramallah e o Vale do Jordão é fácil identificar em qual lado da estrada estão as residências palestinas. Basta procurar pelas construções rudimentares especialmente quando comparadas à sofisticação das colônias israelenses no território ocupado pelos sionistas.

Reservatórios sobre as casas palestinas; escassez de recursos não afeta israelensesReservatórios sobre as casas palestinas; escassez de recursos não afeta israelenses
Outro ponto de referência é a existência de uma mesquita sempre por perto e reservatórios pretos sobre prédios e casas para guardar a água presente nas torneiras dos israelenses, mas em falta para o povo palestino.

Nos casos em que palestinos apelam para caminhões-tanque, eles devem ser adquiridos de uma empresa israelense pelo dobro do preço e pagos fora das fronteiras da Cisjordânia, num exemplo de como o apartheid se estende até mesmo para a área comercial.

A Palestina é o lugar da negação dos direitos humanos e da dignidade aos não israelenses. Sob o olhar conivente das grandes nações, inclusive do Brasil, quinto maior exportador de armas de Israel, segundo dados de 2014.

Rota sinuosa

Para chegar ao Vale do Jordão, quem tem placa amarela, aquela que identifica os carros da população israelense, segue por uma malha viária de ótima qualidade, afinal, foi construída por Israel para servir suas colônias.

Quem tem a placa branca, a palestina, e quiser se arriscar corre o risco de ser preso por seis meses, o que não é tão difícil assim, afinal, um terço da população masculina palestina, o equivalente a 800 mil pessoas, já passou pela prisão de Israel, onde há crianças de até 12 anos.

Pontos de verificação não faltam, os chamados checkpoints. Há cerca de 520 deles por todo o território sob ocupação israelense para tornar mais difícil a vida dos palestinos e fazer com que deixem a terra.

Perigo, gente resistindo

A resistência, porém, continua. No Vale do Jordão, onde os sionistas mantêm 37 colônias, apenas 30% da região ainda é Palestina. Como fica na chamada Área C, administrada e vigiada exclusivamente por Israel, nem mesmo a estrada que dá acesso a vilas é consertada.

Logo na entrada de uma delas, a Fasayel, uma placa vermelha adverte: “Esta estrada leva a uma vila palestina. A entrada é perigosa para cidadãos israelenses.”

Mas o que se vê lá são famílias que resistem pacificamente, reconstruindo as casas destruídas pelo governo de Israel. Mais de 1.700 pessoas vivem no local onde as crianças aparecem aos poucos.

Voluntários ajudaram a construir a escola que atende 180 meninos e meninas, instalar uma estrutura para trazer energia elétrica e reconstruir as casas que vão ao chão. Tudo com tijolos ecológicos feitos de água, pedra e palha.

De acordo com a organização de palestinos Solidariedade ao Vale do Jordão, mais de mil famílias palestinas perderam suas casas na região entre 2011 e 2014.

Boicote – Daniel Murph é um francês que vivia em Nanterre, perto de Paris, e mudou-se há um mês para a vila por conta do projeto de construir casas com tijolo ecológicos. Apesar de se preparar para um cenário difícil, o que viu na região ao chegar o assustou.

“A Palestina é muito pior do que tinha noticia e imaginava. Tem minas nas montanhas, o exército israelense destrói as vilas o tempo e o mais chocante é como o povo israelense sofre lavagem cerebral e compra essa ideia sempre com a desculpa da segurança”, criticou.

“Nós ganhamos sete vezes menos do que os israelenses para fazer o mesmo trabalho”
Saleh Ali, jovem trabalhador palestino



Para o ativista Rashed Swaftay, que também atua pela causa do Vale do Jordão, a assistência em forma de doações é importante, mas muito mais é a pressão para que a União Europeia, o Brasil e os EUA não apoiem o imperialismo israelense.

“A melhor forma de ajudar é aderir ao BDS (Boicote, Desinvestimento e sanções contra Israel). Queremos o fim da ocupação, o direito ao retorno de quem está fora da Palestina e direitos iguais para aqueles que estão dentro. Para isso, tem que ficar de olho no governo de vocês para que não tenham relação comercial”, alertou.

Jovens e mulheres

Sem carteira assinada, proteção social e direitos básicos, jovens e mulheres do campo, os segmentos mais frágeis da pirâmide no mercado de trabalho, são submetidos a condições degradantes, como é o caso de Saleh Ali.

Aos 23 anos, ele ganha 18 shekels (o equivalente a menos de cinco dólares) ao dia para colher uvas em uma colônia israelense. Quando não trabalha, não tem salário. Para cada sete horas de trabalho, meia hora de descanso, uma rotina que já dura seis anos e manterá até o corpo não aguentar mais. Aí será o momento de contar com os filhos vindouros, já que não está incluso na Previdência Social Palestina.   

“Nós ganhamos sete vezes menos do que os israelenses para fazer o mesmo trabalho”, explica ele que, aos 15 anos, teve de parar de estudar para trabalhar.

Dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Têxtil do Vale do Jordão Sireen Khudairi conta que as mulheres trabalham, em média, 13 horas em troca de 13 shekels.

“Os direitos internacionais garantem que tenhamos acesso à educação, a água, ao serviço médico, mas Israel impede isso. Não há correlação de forças e, por isso, fazem o que bem entendem. Escutamos falar de direitos das mulheres, mas isso é coisa da cidade, no campo não temos nada”, falou.

Também ativista na vila, Niveen Brahme diz que muitas famílias não têm outra solução a não ser permitir que o filho trabalhe porque não há escolas nos espaços e nem tem com quem contar.

Por isso, muitas delas têm de acordar às três para passar pelas barreiras dos checkpoints e depois realizar uma jornada que vai das seis da manhã à uma da tarde.

“A relação com Israel é de dono e escravo. E o mais doloroso é que muitos trabalhadores estão na terra dos antepassados que foram ocupadas por colonos e ainda numa relação praticamente escravocrata”, define.