Nordeste e mulheres são destaque em campanha histórica do Brasil nos Jogos Olímpicos
Quatro das sete medalhas de ouro vieram da região, sendo três da Bahia. Mulheres foram responsáveis por nove dos 21 pódios, número que a delegação olímpica brasileira jamais alcançou
Publicado: 09 Agosto, 2021 - 09h08
Escrito por: André Rossi | Para a RBA
Pela primeira vez na história dos Jogos Olímpicos, a delegação brasileira conseguiu subir ao pódio mais de vinte vezes em uma única edição. Foram 21 no evento realizado em Tóquio e encerrado no domingo (8). São sete ouros, igualando recorde da Rio-2016, seis pratas e oito bronzes, que colocaram o país no inédito 12º lugar no quadro geral de medalhas. As mulheres e os atletas do Nordeste foram destaque tanto na frieza dos números, quando na subjetividade que o esporte permite explorar. E ano olímpico ainda não acabou. No dia 24 de setembro as competições voltam na capital japonesa para os 13 dias da Paralimpíadas.
O primeiro grande momento da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos de Tóquio foi com a ainda menina Rayssa Leal, de Imperatiz, Maranhão. Aos 13 anos, ela conquistou uma prata do skate street. Não foi a primeira medalha do Brasil, é verdade, mas a prata de Kelvin Hoefler, no mesmo skate street, e o bronze de Daniel Cargnin, no judô, não chacoalharam o Brasil da mesma forma como a “Fadinha”. Por falar em judô, o segundo dos dois bronzes da modalidade foi de Mayra Aguiar. E não foi uma medalha “qualquer”. Foi a terceira conquista olímpica seguida dela, algo inédito para uma mulher em esportes individuais.
Potiguar na história
Ítalo Ferreira, potiguar de Baía Formosa, colocou no peito o primeiro ouro brasileiro em Tóquio. Também não foi uma medalha qualquer. Como o surfe estreou este ano no programa e a final masculina foi antes da feminina, o nordestino entra para a história como o primeiro campeão olímpico da modalidade. Aliás, dos sete ouros que o Brasil conquistou, contando o de Ítalo, quatro vieram de representantes do Nordeste sendo os outros três da Bahia: Ana Marcela Cunha, soteropolitana e campeã da maratona aquática, Hebert Conceição, soteropolitano do boxe, e Isaquias Queiroz, de Ubaitaba.
Isaquias, por sinal, chegou à quarta medalha olímpica da carreira, somente uma a menos que os recordistas Robert Scheidt e Torbem Grael, ambos da vela. Como pretende competir em mais duas provas nos Jogos de Paris-2024, pode, ao menos, igualar o feito dos velejadores. Já o ouro de Hebert Conceição, para muitos, foi o mais espetacular dos sete brasileiros. Ele vinha perdendo a decisão do boxe para o ucraniano Oleksandr Khyzhniak por pontos até que, no final do combate, o filho de Salvador acertou em cheio um cruzado de esquerda e levou o rival à lona. Para se ter uma ideia do feito, uma final olímpica não era decidida por nocaute há cerca de 40 anos.
Gostinho especial
O ouro de Ana Marcela foi outro bem marcante, pois além de ser o primeiro da natação brasileira na história desta modalidade, era a medalha que faltava para a baiana, uma das atletas mais vencedoras na maratona aquática. Ela havia ficado em quinto em Pequim-2008, não conseguiu classificação em Londres-2012 e foi apenas a décima da Rio-2016. “Mulher pode ser o que ela quiser, onde ela quiser, a hora que quiser”, disse, logo após a prova. “As mulheres estão vindo com aquele gostinho especial.”
(Wander Roberto/COB)
As mulheres também brilharam na ginástica artística em Tóquio, modalidade que até então sempre teve os homens como protagonistas do Brasil. Até o Japão, todas as medalhas eram no masculino, mas Rebeca Andrade mudou o rumo dessa história. Primeiro conquistou uma prata no individual geral, disputa que consagra as atletas mais completas. Foi o primeiro pódio olímpico brasileiro feminino em todos os tempos. Não satisfeita, subiu um degrau e abocanhou o ouro no salto, sagrando-se, por consequência, a primeira brasileira campeã olímpica deste torneio.
Além disso, mesmo considerando que a ginástica permite que uma atleta compita em mais de uma prova, ela foi a única de toda delegação com mais de uma medalha. Já as velejadoras Martine Grael e Kahena Kunze também têm duas medalhas olímpicas, mas uma conquistada na Rio-2016 e a outra em Tóquio.
(Jonne Roriz/COB)
‘No susto’
Se o ouro de Hebert Conceição no boxe foi o mais espetacular dentre os sete brasileiros, o bronze de Laura Pigossi e Luisa Stefani, no tênis, não ficou para trás. As paulistas chegaram aos Jogos Olímpicos quase que ‘no susto’, pois estavam em uma lista de espera e só conseguiram a vaga por conta da desistência de outras equipes.
A participação era tão improvável, que rendeu até histórias pitorescas. “Eu soube antes (da vaga) e fiquei sem chão, mas a Luisa estava dormindo – e eu tentando ligar, mas ela não acordava. E eu tinha que jogar a semifinal (de um torneio no Cazaquistão). Não sabia que ia dar chance da gente entrar”, contou Laura Pigossi. “Eu estava em casa, já tinha deixado para lá os Jogos Olímpicos. Queria muito ir, mas era o último dia para ter alguma desistência e a gente estava fora na lista. Uma das primeiras pessoas que eu falei foi a Laura e a gente estava gritando no telefone”, lembrou Luisa Stefani. O bronze delas foi a primeira medalha da história do tênis brasileiro, em ambos os gêneros.
(Miriam Jeske/COB)
Postura campeã
Por fim, destaque para a boxeadora Bia Ferreira, medalha de prata na categoria leve, até 60 quilos. A brasileira era uma das maiores favoritas ao título, vista por todos os jornalistas como o ouro mais certo do Brasil nesta Olimpíada.
Parou na final, perdendo para a irlandesa Kellie Harrington. Em meio a tresloucadas acusações de ‘roubo’ por parte dos fanáticos de plantão, Bia, mesmo entristecida, mostrou que a verdadeira postura campeã está na derrota. “Ela foi superior, eu tenho de admitir. Tem de ter o respeito. Somos mulheres, somos guerreiras, todo mundo quer ganhar, mas quem ganhou foi a melhor. Temos de aceitar. Um dia a gente ganha, um dia a gente perde. Tenho todo o meu respeito por todas”, disse, arrancando aplausos da campeã e de todos presentes na sala onde a entrevista estava sendo concedida.