Escrito por: Lilian Campelo, Brasil de Fato
A tendência é piorar: até agora foram registradas 42 mortes violentas
Rondônia, Pará e Maranhão concentram 90% dos assassinatos de defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil ocorridos em 2016. A informação é do dossiê "Vidas em Lutas: criminalização e violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil", que será lançado nesta terça-feira (4) em Marabá, no sudeste do Pará, na Universidade Federal Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA).
Na ocasião, também haverá o lançamento do site do Comitê, que pode ser acessado aqui, e do Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2016 da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Segundo o documento, que foi elaborado pelo Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), a maior parte das 66 mortes de ativistas registradas no ano passado ocorreram em decorrência de conflitos no campo.
Além dos assassinatos, o levantamento aponta casos de espionagens, ameaças, desqualificação moral e prisões arbitrárias cometidos por empresas, agentes de segurança privada e pelo Estado contra ativistas e lideranças de movimentos sociais do campo e da cidade em 2016.
Layza Queiroz, advogada popular na organização Terra de Direitos, analisa que o crescimento da violência contra militantes dos direitos humanos começou a se intensificar em 2015, se agravou no ano seguinte e, em 2017, ficou ainda mais sofisticada com o aumento das "torturas, chacinas, massacres, uso intensivo da força, tanto de policiais quanto de ações de milícias”.
Segundo Luciana Pivato, do CBDDH, antes do fim do primeiro semestre de 2017, foram registrados 42 assassinatos. “Você vê que esse gráfico aumenta exponencialmente”, avalia.
A pesquisa aponta que, a partir do golpe de estado liderado pelo presidente Michel Temer (PMDB) e sua base aliada, as violações contra as pessoas que lutam por direitos humanos se aprofundaram: foram 64 casos de criminalização só no ano passado.
Alice de Marchi, pesquisadora da Justiça Global, argumenta que, nesse contexto, o fortalecimento do modelo de desenvolvimento voltado para a exportação de commodities também contribuiu para o aprofundamento e agravamento das violações.
“O que mais tem chamado atenção são as causas estruturais desse aprofundamento. Tudo começa com a escolha de um modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio e nos grandes empreendimentos”, avalia.
No contexto urbano, o CBDDH identificou que as violações e criminalizações foram cometidas contra pessoas que lutam pelo direito à moradia, ativistas LGBT e profissionais do sexo.
Entre os casos citados estão o de Luana Barbosa dos Reis, lésbica militante que foi assassinada durante abordagem policial em 2016 e de Mirella de Carlo, travesti, prostituta e ativista, assassinada em casa. Somam ao grupo pessoas que defendem o direito da juventude negra, lideranças comunitárias, midiativistas de favelas e periferia assim como estudantes.
O Comitê destaca que o encarceramento é uma das táticas de repressão mais comum no cenário urbano, e a repressão policial vem crescendo nas manifestações populares ocorridas nas ruas.
Dos grupos urbanos apontados no dossiê, o CBDDH chama atenção à perseguição de estudantes secundaristas e universitários das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo pela polícia. Em São Paulo, a Policia Militar elaborou um catálogo de fotos dos estudantes e os espionou por meio das redes sociais e de grampos telefônicos.
Outro exemplo de espionagem citado no dossiê é o da empresa Vale que, com o apoio da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), espionou e monitorou lideranças de movimentos sociais que faziam resistência à empresa.
Marchi, da Justiça Global, afirma que é preocupante casos que envolvem a vigilância e o monitoramento de defensores e defensoras de direitos humanos:
“Isso só é possível por conta dessa associação de forças privadas com forças públicas. No caso no cenário urbano, isso é declarado, principalmente no Rio de janeiro e em São Paulo, onde tem sido feito um monitoramento sistemático, legitimado e institucionalizado dos movimentos socais e dos grupos que estão nas manifestações de rua”.
Dos 66 defensores e defensoras assassinados, seis eram mulheres, muitas vezes são acompanhadas de violência sexual. Queiroz diz que a criminalização e a violência contra as defensoras são as “mais apuradas”. Ele cita o caso de Francisca das Chagas Silva, dirigente do Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Miranda do Norte, no Maranhão.
O corpo da quilombola da comunidade de Joaquim Maria foi encontrado nu em uma poça de lama e apresentava sinais de estupro, estrangulamento e perfurações.
Ela ainda afirma que as mulheres são as mais vulneráveis e as que mais sofrem com os retrocessos sociais e dependendo da cor e etnia a vulnerabilidade aumenta consideravelmente.
“Têm muitas mulheres que, por estarem na luta, são acusadas de largarem a casa, de largarem o filho, e sofrem ameaças de perder a guarda de suas crianças. Então, as mulheres são as mais vulneráveis em geral. Evidentemente, as mulheres negras e indígenas são as que sofrem de forma mais intensa esse processo de retirada de direitos e recrudescimento de violência”.
Ao final do dossiê, o CBDDH apresenta medidas que visam garantir a atuação das pessoas que defendem os direitos humanos, entre elas a implementação e o fortalecimento do Programa de Proteção dos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos (PPDDH) assim como o fortalecimento do próprio Comitê.
Pivato, do CBDDH, diz que, entre as medidas, está a adoção de ações emergenciais, cujo objetivo é investigar a origem das ameaças.
“Nós não temos um mecanismo que garanta uma articulação para receber essas denúncias e agir preventivamente de forma rápida”.
O documento será encaminhado aos órgãos públicos do Sistema de Justiça e dos Poderes Executivo e Legislativo, além de organismos do Sistema Regional e Internacional de Direitos Humanos.
Edição: Camila Rodrigues da Silva