Escrito por: CUT Nacional
Resistir aos retrocessos e construir um mundo com inclusão!
Em 1992, a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) instituiu o dia 3 de dezembro como o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. A data tem por objetivo promover os direitos e o bem-estar das pessoas com deficiência (PcD) em todas as esferas da sociedade e do desenvolvimento e aumentar a conscientização sobre a situação das pessoas com deficiência em todos os aspectos da vida: político, social, econômico e cultural.
Tendo à frente o Coletivo Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras com Deficiência, a Central única dos Trabalhadores (CUT) tem atuado cotidianamente em defesa dos direitos deste amplo setor da sociedade brasileira, que reúne cerca de 45 milhões de pessoas e representa quase um quarto da população do país. No âmbito do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), temos lutado para impedir retrocessos, combater uma visão assistencialista da questão e garantir conquistas no sentido da inclusão, não da segregação.
Neste dia 3 de dezembro, a CUT se soma às organizações do movimento das pessoas com deficiência para promover a reflexão, manifestação, esclarecimento e mobilização para diversas ações na luta para garantir direitos, assim como reafirma as lutas que deram origem a avanços já conquistados, como a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil com quórum qualificado – conferindo a ela status de emenda constitucional, que foi promulgada pelo Presidente Lula por meio do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Os princípios internacionais definidos nessa Convenção foram a base para a elaboração da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), por meio da Lei nº 13.146, sancionada pela Presidenta Dilma Rousseff em 6 de julho de 2015.
Até 2015, estávamos em um processo de lutas e conquistas, em nível internacional e nacional, para o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência. Entretanto, a partir do golpe jurídico, parlamentar, midiático e empresarial que instituiu um governo ilegítimo e pavimentou o caminho para a prisão ilegal de Lula e a eleição de Bolsonaro, os direitos do povo passaram a ser duramente atacados, sendo as mulheres, negros e negras, jovens, LGBT, povos indígenas, comunidades tradicionais e pessoas com deficiência os segmentos da classe trabalhadora mais prejudicados pelas medidas implementadas e anunciadas.
Neste sentido, combatemos o ataque ao direito à aposentadoria por idade das pessoas com deficiência, que estende o tempo de contribuição de 15 para 20 anos, pois se a comprovação de 15 anos contribuindo ao INSS na condição de pessoa com deficiência já é extremamente difícil, com os 20 anos seria praticamente impossível; combatemos a alteração na concessão do Benefício de Prestação Continuada, com sua desvinculação do salário mínimo e a consequente redução do valor do benefício, bem como a restrição do acesso ao benefício pelos idosos, por meio do aumentando da idade mínima de 65 para 68 anos; lutamos pela revogação da antirreforma trabalhista e da lei de terceirização, que estão inviabilizando a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
Depois da aprovação da antirreforma trabalhista, da lei de terceirização ampla e irrestrita e da antirreforma da previdência e depois da tentativa de inviabilizar o funcionamento do CONADE no início de 2019, o governo federal apresentou duas medidas que atingem diretamente este segmento: a Medida Provisória nº 905/19 e o projeto de lei nº 6159/19.
Além de precarizar ainda mais as relações de trabalho de jovens sob o pretexto de gerar empregos, a MP 905 cria o Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes de Trabalho e cria um Conselho com a atribuição de estabelecer diretrizes para aplicação dos recursos e implementação do Programa. Para além do fato antidemocrático e avesso à participação social de que os dois representantes da sociedade civil seriam indicados pelo ministro da economia e não pelas organizações representativas do setor, a competência de estabelecer tais diretrizes seria balizada pelos dispositivos do PL 6159/19, que dispõe sobre o auxílio-inclusão, a reabilitação profissional e a reserva de vagas no mercado de trabalho para a habilitação e a reabilitação profissional.
A lei nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos e Benefícios da Previdência Social e dá outras providências –também conhecida como Lei de Cotas – estabelece que, se a empresa tem entre 100 e 200 funcionários, deve destinar 2% das vagas a beneficiários reabilitados e pessoas com deficiência, percentual que pode chegar a um máximo de 5% caso haja mais de 1.001 funcionários. Entretanto, muitas empresas descumprem a lei, alegando a falta de PcD no mercado de trabalho. Na verdade, em grande parte dos casos, os trabalhadores e as trabalhadoras com deficiência e reabilitados, quando chegam aos processos seletivos, são cortados antes de serem avaliados, pois a condição destes trabalhadores é vista por muitos empresários como falta de capacidade por puro preconceito. Além da dificuldade que uma PcD tem para ser selecionada para uma vaga de trabalho, a falta de acessibilidade e condições de trabalho também prejudicam o cumprimento da lei: as empresas ainda não oferecem ambientes acessíveis, as cidades ainda não oferecem serviços de transporte acessível de qualidade, a oferta de ensino profissionalizante inclusivo ainda é praticamente inexistente. Com isso, as pessoas com deficiência incluídas no mercado formal de trabalho não representam atualmente sequer 1% dos empregos formais.
Ao invés de contribuir para reverter esse quadro, o PL 6.159/19 o aprofunda, caracterizando-se, assim, como uma das mais perversas ações desse governo. Tramitando no Congresso Nacional em caráter de urgência, o projeto terá diversas consequências nefastas caso seja aprovado, como a redução da concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC-LOAS) e a flexibilização a aplicação das cotas prevista na Lei 8213/91 (Lei de Cotas das pessoas com deficiência), praticamente extinguindo a reserva de vagas, uma vez que: permite à empresa compensar descumprimento de cotas mediante pagamento de valor para um fundo de reabilitação no lugar de empregar um profissional com deficiência; exime empresas de prestação de serviços terceirizados e temporários contratadas por órgãos públicos de cumprir a cota; obriga as pessoas com deficiência a solicitar a suspensão do BPC para poder requerer o auxílio-inclusão, ou seja, sem ter garantia se o auxílio será concedido ou quando será concedido; passa a computar a vaga de aprendiz na cota de PcD; revoga dispositivo legal (lei nº 8213/91, art. 93, § 1º) que exige a contratação de outro trabalhador com deficiência ou beneficiário reabilitado da Previdência Social antes da dispensa de um funcionário nesta condição; exclui da aplicação das cotas os cargos com jornada que não exceda a 26 horas semanais, que são justamente as mais adequadas às PcD; permite que as pessoas com deficiência com contratos temporários ou contratadas por empresas terceirizada sejam contabilizadas para o cumprimento da cota; entre outras medidas que esvaziam a lei de cotas.
Além disso, alinhada à concepção que orientou a elaboração da PEC 188 (pacto federativo) – que, entre outras medidas, condiciona a promoção dos direitos sociais inscritos na Constituição Federal ao equilíbrio fiscal – o PL 6159/19 estabelece que o pagamento do auxílio-inclusão será efetivado somente quando o governo considerá-lo compatível com as metas de resultados fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias – cujo projeto é elaborado pelo próprio governo.
Por sua vez, o projeto de lei nº 22/2019-CN, que institui a Lei Orçamentária Anual para o exercício de 2020, propõe a redução de 63% do orçamento destinado à fiscalização de obrigações trabalhistas e inspeção em segurança e saúde no trabalho, favorecendo a impunidade de empresas que violam a lei de cotas e aumentando as chances de trabalhadores e trabalhadoras adquirirem deficiência por acidente ou adoecimento.
Sob o pretexto de regulamentar o auxílio-inclusão previsto na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), o que se observa é justamente o oposto da luta histórica do movimento das pessoas com deficiência pela inclusão do segmento no mercado de trabalho com o combate à precarização das relações de trabalho e a promoção do trabalho decente.
Mas esses ataques brutais não afetam só as pessoas com deficiência, mas toda a classe trabalhadora, na medida em que determina novas regras para o processo de habilitação ou reabilitação, tornando-o obrigatório a todos os trabalhadores e trabalhadoras que estiverem recebendo benefício por incapacidade temporária para o trabalho, sob pena de perda do benefício.
Neste Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, a Central única dos Trabalhadores reitera sua luta pela construção de um mundo justo, igualitário e inclusivo onde as PcD tenham garantidos os direitos em sua plenitude e sejam incluídos em todas as esferas da existência em sociedade; manifesta seu veemente repúdio ao PL 6.159/19 e à MP 905 e reivindica aos parlamentares o voto contrário a tais medidas de destruição de direitos; e conclama toda a sociedade a resistir ativamente a mais este conjunto de retrocessos e derrotar o governo Bolsonaro.
Nenhum direito a menos!
Executiva Nacional da CUT