Repúdio ao veto da Política de Participação Social
REBRIP, ABIA, ABONG e Comitê Brasileiro de Política Externa e Direito Humanos assinam nota de repúdio
Publicado: 03 Novembro, 2014 - 17h44
Escrito por: REBRIP, ABIA, ABONG e Comitê Brasileiro de Política Externa e Direito Humanos
No dia 29 de outubro, a Câmara dos Deputados vetou o Decreto nº 8243, que busca regulamentar a participação social. Tais deputados acreditaram impor uma derrota ao governo, mas na verdade atacaram a própria população brasileira. Nós, os signatários desta nota, repudiamos veementemente a postura de diversos congressistas ao derrubar o decreto nº 8.243 obstaculizar o aumento da participação social na democracia brasileira.
O decreto Nº 8.243, de 23 de maio de 2014, institui a chamada Política Nacional de Participação Social (PNPS), cujo objetivo, em linhas gerais, é organizar uma série de mecanismos de participação social na política - consultas públicas, ouvidorias, 0800, conselhos, conferências, diálogos sociais, entre outros – no sentido de garantir que a população possa acompanhar a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de programas e políticas públicas, assim como o aprimoramento da gestão pública.
Na verdade, o decreto não traz nada novo. Pelo contrário, busca reforçar o espírito da Constituição de 1988, que colocou as bases para uma democracia participativa. Portanto, é importante que existam instrumentos que estimulem a participação social de maneira sistemática e que aprimorem a relação do governo federal com a sociedade civil. Embora houvesse diversas críticas ao decreto, até mesmo por parte da sociedade civil, acreditamos que a atitude de diversos congressistas de se orgulharem de derrubar a tentativa de o Governo tornar a democracia mais participativa, leva o debate para outros termos, indo além do decreto n° 8243: quem teme a participação popular? Qual é o medo de aprofundar a democracia?
É possível apontar inúmeros exemplos bem-sucedidos e heranças da participação popular por meio de conselhos na história recente brasileira. Uma dessas heranças é o Sistema Único de Saúde, que com todos os problemas e limitações, salva diariamente milhares de vida em todo país. O SUS nasceu no âmago dos movimentos sociais – o Movimento Sanitarista –, e o entendimento de que “Saúde é um direito de todos e dever do Estado” foi incorporado na Constituição após a 8ª Conferência Nacional de Saúde.
Do campo da Segurança Alimentar e Nutricional vem outra experiência importante. Vieram de inúmeros fóruns, das Conferências Nacionais de Alimentação e Nutrição, as propostas consolidadas na II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutrição que culminaram na promulgação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e na concepção do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Esses dois instrumentos tinham como intuito garantir e proteger o direito humano à alimentação adequada. É importante ressaltar que a LOSAN coloca a dignidade do ser humano no centro das discussões sobre políticas públicas e, importante para o atual debate, reforça as relações entre governos e sociedade civil. Em 2014, como resultado de muitos desses esforços, o Brasil saiu do mapa da fome, segundo relatório da FAO.
Esses são apenas dois exemplos históricos que demonstram como é vital a participação social e como a existência de conselhos e conferências é condição sine qua non para que seja manifesto o espírito democrático da Constituição de 1988. A necessidade de valorizar a participação social ficou ainda mais evidente a partir de junho de 2013, quando as ruas do Brasil foram tomadas por manifestações com as mais diversas bandeiras, ficou claro que o modelo de democracia defendido pelos parlamentares que vetaram o decreto n° 8243 está esgotado é insuficiente.
É ilusório e autoritário imaginar que a população brasileira, após 25 anos da redemocratização do país, estaria satisfeita em participar da política apenas em épocas eleitorais. Está evidente o desejo de levar a política para além das urnas e criar mecanismos mais diretos de participação na política.
Por isso, a derrota que está sendo classificada como uma derrota do Governo, é na verdade uma derrota da sociedade brasileira. O que a Câmara dos Deputados está fazendo é menosprezar do passado, do presente e ameaçar o futuro da democracia brasileira. Acreditamos que estão escancaradas as diferenças de entendimento da palavra democracia: o que os congressistas acreditam ser democracia não é mais suficiente e sua oposição ao decreto n° 8243 com argumentos inconsistentes demonstram desconhecimento dos foros de interlocução entre Estado e sociedade e das amplas conquistas alcançadas por essa via. Não damos carta branca; participação é um direito e apenas no diálogo e na disputa democrática de ideais que a democracia será aperfeiçoada e aprofundada.
Solicitamos aos parlamentares brasileiros que não se furtem ao debate sobre uma política de participação social, nem desvirtuem o mérito deste importante princípio da nossa democracia.
Assinam a carta:
REBRIP- Rede Brasileira pela Integração dos Povos
ABIA - Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS
ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais
Comitê Brasileiro de Política Externa e Direito Humanos.