Novos vazamentos mostram que Lava Jato planejou investigar Gilmar Mendes
O artigo 102 da Constituição determina que os ministros do Supremo só podem ser investigados com autorização de seus pares
Publicado: 06 Agosto, 2019 - 15h01 | Última modificação: 06 Agosto, 2019 - 15h51
Escrito por: Redação CUT
Procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato de Curitiba, liderados pelo coordenador Deltan Dallagnol, queriam pedir a suspeição e até o impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, um crítico dos métodos usados pela turma do Paraná.
De acordo com os novos vazamentos de conversas, divulgados nesta terça-feira (6), desta vez em parceria entre o El País e o site The Intercept Brasil, os procuradores chegaram a acionar investigadores na Suíça para tentar reunir munição contra o ministro. Uma aposta era que Gilmar estivesse diretamente ligado ao tucano Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, preso em Curitiba num desdobramento da Lava Jato e apontado como operador financeiro do PSDB.
Eles também foram atrás de decisões e acórdãos de Gilmar para embasar a ofensiva. A estratégia contra o magistrado foi discutida ao longo de meses em conversas de membros da força-tarefa por meio do aplicativo Telegram enviadas ao The Intercept por uma fonte anônima e analisadas em conjunto com o El País.
Pelo que diz Dallagnol nas mensagens, a ideia de investigar Gilmar veio de um boato da força-tarefa de São Paulo, segundo o qual o ministro poderia ter ligação com o dinheiro apreendido com Paulo Preto.
Como o magistrado já havia concedido dois habeas corpus em favor de Preto, a linha dos procuradores era que Gilmar aparecesse como beneficiário de contas e cartões que o operador mantinha na Suíça, um material que já estava sob escrutínio dos investigadores do país europeu.
Na troca de mensagens, os procuradores se excitam com a possibilidade de encontrar algum cartão em nome do ministro e ironizam o artigo 102 da Constituição, que determina que os ministros do Supremo só podem ser investigados com autorização de seus pares.
Confira:
“Vai que tem um para o Gilmar…hehehe”, diz o procurador Roberson Pozzobon no grupo, em referência aos cartões do investigado ligado aos tucanos.
“Você estará investigando ministro do Supremo, Robinho.. não pode”, responde o procurador Athayde Ribeiro da Costa.
“Ahhhaha”, escreve Pozzobon. “Não que estejamos procurando”, ironiza ele. “Mas vaaaai que.”
Dallagnol sabia dos riscos e tentou se precaver dizendo aos colegas do grupo do Telegram:
“E nós não podemos dar a entender que investigamos GM”, diz em referência a Gilmar Mendes.
Mas, na sequência, afirma:
“Caso se confirme essa unha e carne, será um escândalo”, diz sobre a relação próxima entre o ministro e o operador.
E sugere: “Vale ver ligações de PP pra telefones do STF”, ressalta, referindo-se a Paulo Preto.
Mais uma vez, Dallagnol recebe um alerta de um colega.
“Mas cuidado pq o stf é corporativista, se transparecer que vcs estão indo atrás eles se fecham p se proteger”, diz Paulo Galvão.
Dias depois, a força-tarefa descobriria que o ex-senador tucano Aloysio Nunes ligou para o gabinete de Mendes no dia da prisão de Paulo Preto, reforçando a tese dos procuradores para ligar Mendes ao operador tucano.
Nas mensagens eles lembram que Paulo Preto era subordinado a Aloysio no governo FHC e que Gilmar Mendes trabalhava “do ladinho” —disse Roberson Pozzobon— de ambos.
Depois de discutirem os cargos que Mendes teve durante o governo tucano, Dallagnol fala em criar uma estratégia para direcionar a pauta e fazer a história aparecer na imprensa.
"Tem q botar no papel. Mostrar suspeição. Pegar quem trabalhava nessa época no mesmo local. Imprensa é o ideal", ressalta ele na mensagem.
Mais uma vez, o procurador Paulo Galvão tenta puxar o freio de mão do entusiasmo do coordenador da força-tarefa.
“Mas não é novidade que Gilmar veio do psdb e de dentro do governo fhc!!! Cuidado com isso”.
Mas Dallagnol insiste:
“agora é diferente" (...) "Não é uma crença ou partido em comum" (...) "É trabalhar lado a lado, unha e carme”.
Pozzobon também pondera e diz que é preciso ter informações mais fundamentadas antes de passá-las para a imprensa. “Mas acho que temos que confirmar minimamente isso antes de passar pra alguém investigar mais a fundo, Delta”.
Dallagnol sonhava com Toffoli e Gilmar fora do STF
Em outros momentos das conversas, Dallagnol chegou a dizer que seu sonho era que o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e Gilmar acabassem fora da Corte Suprema.
No grupo dos integrantes da Operação, ele escreveu: “rsrsrs”.
O procurador chegou a mobilizar assistentes para produzir um documento com “o propósito de mostrar eventuais incongruências [de Mendes] com os casos da Lava Jato”.