Número de crianças brasileiras trabalhando pode ser 7 vezes maior do que o oficial
Pesquisa internacional mostra que no Brasil o percentual de crianças de 7 a 14 anos trabalhando, em 2015, seria de 5,66 milhões (19,15%) e não de 738,6 milhões (2,5%)
Publicado: 14 Abril, 2022 - 08h30 | Última modificação: 14 Abril, 2022 - 08h43
Escrito por: Redação CUT
Uma pesquisa com nova metodologia do World Development Indicators (WDI), que compila estatísticas internacionais do Banco Mundial, estima que o trabalho infantil estava sendo exercido por quase 5,7 milhões de crianças (19,15%) de 7 a 14 anos no Brasil, em 2015. Este número é sete vezes maior do que os dados oficiais da época cuja estimativa era de que 738,6 mil crianças (2,5%) estavam nessa situação.
Os estudos feitos pelo pesquisador brasileiro Guilherme Lichand, da Universidade de Zurique (Suíça), e de Sharon Wolf, da Universidade da Pensilvânia (EUA), seguem os parâmetros de trabalho infantil, de acordo com as definições de organismos internacionais, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), e foi feito com crianças matriculadas em escolas. O modelo considera pontos, como o percentual de crianças trabalhando em atividades de risco em cada país e o número de horas trabalhadas.
Eles se basearam em dados compilados pelo Banco Mundial para 97 países para elaborar uma relação entre os relatos dos pais e o resultado mais próximo da realidade.
Segundo os pesquisadores, as crianças tendem a responder positivamente quando perguntadas se exercem algum trabalho remunerado, enquanto os adultos tendem a negar esse tipo de situação. O exemplo usado pelos pesquisadores é o das plantações de cacau na Costa do Marfim, que apontou que 45,5% das crianças questionadas disseram que trabalhavam, enquanto apenas 16,2% dos adultos relataram que as crianças trabalhavam.
Como no Brasil essa pergunta é feita diretamente às crianças pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), foi possível comparar os resultados obtidos por meio do banco de dados do Banco Mundial com os do levantamento nacional.
A pesquisa do Saeb feita em 2019, entre crianças de 10 e 11 anos, mostrou que 15% delas tinham trabalhado por pelo menos uma hora. Considerando-se as crianças fora da escola, esse percentual pode chegar a 17%, coincidindo com o resultado do estudo.
Setores que mais usam mão de obra infantil no Brasil
No mundo, o setor agrícola é responsável por 70% das crianças e dos adolescentes em situação de trabalho infantil, seguido pelo de serviços (20%) e pela indústria (10%).
No Brasil, a maior parte delas trabalha na agricultura familiar (76%), sobretudo na pecuária e em lavouras temporárias, segundo Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil.
São cerca de 7.000 crianças e adolescentes trabalhando na cadeia do cacau, principalmente na Bahia e no Pará. O mesmo ocorre nas plantações de óleo de palma e fumo, além da produção de gesso. Já nas grandes cidades, o trabalho infantil está em atividades domésticas, no comércio ambulante ou em confecções.
Segundo um relatório de 2021 da Organização Mundial do Trabalho (OIT) e do Unicef, a pandemia deve agravar esse cenário e 8,9 milhões de crianças e adolescentes no mundo correm risco de cair na situação de trabalho infantil até o fim deste ano.
O que configura o trabalho infantil
Se a criança tem menos de 12 anos, qualquer que seja o número de horas trabalhadas, e recebe algum tipo de remuneração por isso, já se configura trabalho infantil. Se ela tem entre 12 e 14 anos, é configurado a partir de 14 horas semanais, desde que não sejam ocupações perigosas. A partir de 15 anos, acima de 41 horas, disse ao jornal Folha de São Paulo o pesquisador brasileiro.
Sucateamento da fiscalização no Brasil
De 2013 a 2018, a verba para as fiscalizações trabalhistas e combate ao trabalho escravo foi, em média, de R$ 55,6 milhões por ano. A partir de 2019, essa média recuou para R$ 29,3 milhões.
No ano passado, uma reportagem da Folha apontou que o governo Bolsonaro passou a recusar recursos arrecadados em decorrência de infrações trabalhistas, usados para equipar grupos de fiscalização do próprio governo, e determinou que esses valores e bens fossem destinados ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD) ou ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
A decisão resultava em um esvaziamento da fiscalização trabalhista, ao alterar o uso de recursos e equipamentos —como caminhonetes usadas por auditores-fiscais do trabalho.
*Com informações da Folha de SP