Escrito por: RBA
Estudo da USP identificou pelo menos 96 óbitos de pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo, entre abril de 2020 e maio de 2021, mais que o dobro do número oficial da prefeitura
Um estudo do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (Labcidade), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), mostra que o número de mortes por covid-19 entre a população em situação de rua na cidade de São Paulo é maior que o total divulgado pela prefeitura.
Os pesquisadores constataram pelo menos 96 mortes de sem-teto por covid, mais que o dobro dos 38 óbitos identificados pelo Consultório na Rua, equipe da prefeitura que atua com base em política nacional de atenção básica, criada em 2011. Para os cientistas do Labcidade, mesmo que desatualizado, o total apurado demonstra que o impacto da pandemia foi maior do que o apresentado pelos dados oficiais.
Em parceria com a Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama, da Faculdade de Direito da USP, os pesquisadores analisaram uma base de dados inédita sobre os óbitos em decorrência da doença do novo coronavírus, organizada pelo Projeto Recovida, também da USP, responsável por uma reavaliação da mortalidade por causas naturais durante a crise sanitária no período de março de 2020 a maio de 2021.
Reportagem da RBA, em setembro de 2020, já havia antecipado o problema da subnotificação nessa população nacionalmente. À época, as estatísticas de casos e mortes divulgadas eram referentes apenas aos que estavam abrigados em acolhimentos e centros temporários. Sem dimensão real da pandemia nessa população, especialistas e movimentos advertiam que o poder público estaria deixando escapar da conta quem vive e dorme nas calçadas das cidades. Ou aqueles que acessavam os equipamentos de saúde sem a mediação das equipes do Consultório na Rua.
“Nós tivemos acesso a alguns dados inéditos da pandemia, em que conseguimos extrair os endereços da pessoas que foram a óbito. Mas com os endereços a gente conseguiu encontrar em fichas médicas profissionais da saúde que preenchiam uma observação como ‘morador de rua’, ‘em situação de rua’, e com isso localizamos 35 óbitos pelo menos. E também fizemos um cruzamento desses endereços com os endereços de centros de acolhida, albergues, repúblicas e demais serviços de acolhida da população em situação de rua que a prefeitura disponibiliza. Então, a partir desse cruzamento, a gente encontrou mais 61 óbitos”, explica o pesquisador do LabCidade Aluízio Marino ao repórter Kaique Santos do Seu Jornal, da TVT.
Homens negros, adultos, de idade mais avançada, baixa escolaridade e com alguma comorbidade compõem o perfil dos óbitos. O número, segundo o especialista, é subestimado. No estudo aparecem mais de 200 mortes sem indicação de nenhum endereço e outras 179 que constam em instituição de longa permanência para idosos, pensão e abrigo que poderiam representar também pessoas em situação de rua. Uma população que aumentou com a crise agravada pela covid-19, conforma adverte o secretário do Movimento Nacional da População de Rua, Darcy da Costa.
“Houve um aumento considerável entre 2020 e 2021 no número de pessoas que foram para situação de rua por questões econômicas. Veio aí uma avalanche de pessoas que estavam em um limbo, já com dificuldades econômicas e sobrevivendo com trabalhos precários. E uma vez perdendo seus empregos, eles vieram em massa para a situação de rua”, observa.
Os dados existentes sobre a quantidade de pessoas sem-teto em São Paulo são do censo de 2019. De acordo com a pesquisa, existiam mais de 24 mil pessoas morando nas ruas. No ano passado, um novo censo foi realizado, mas os dados ainda não foram divulgados pela gestão de Ricardo Nunes (MDB). Diante da pandemia, ações foram feitas pelo poder público também junto à sociedade civil, como a distribuição de comida. Mas as medidas não foram suficientes, de acordo com Costa. “O que eles mais precisam nesse momento é acesso à moradia social”.
O pesquisador do LabCidade concorda e ressalta que, com o aumento de casos de covid-19 e gripe recentes, medidas emergenciais devem ser tomadas pelo município para o real monitoramento desse público mais vulnerável. “A gente tem aí um censo em 2021 que já foi feito e não foi divulgado. Então, isso é mais uma camada da invisibilidade dessa população. Não sabemos quantos vieram morar na rua, quantos morreram por infecção da covid, porque também não testamos. O Brasil foi um país que investiu em cloroquina, mas não em teste. É tudo muito na base de pesquisas como a nossa que foi um esforço. Estamos realmente no escuro e é muito difícil atuar e pensar políticas, possibilidades e iniciativas para pensar os problemas”, critica Marino.