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O drama dos motoristas de aplicativo com a renda de R$ 600 que mal dá para comer

Com doenças pré-existentes e na família, motoristas deixam de trabalhar e outros continuam nas ruas, sob o risco de se contaminar com o novo coronavírus. Sem saída, o auxílio R$ 600 é bem vindo,mas insuficiente

Publicado: 05 Maio, 2020 - 14h52 | Última modificação: 05 Maio, 2020 - 16h16

Escrito por: Rosely Rocha

Roberto Parizotti
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Passageiro entra em veículo chamado por aplicativo

O drama pela sobrevivência dos motoristas de aplicativos que vivem com  medo de serem contaminados pelo novo coronavírus (Covid 19), só aumenta.  Somente a Uber tem um milhão de motoristas, segundo a própria empresa. Muitos são pais de família e fazem parte do grupo de risco com doenças pré-existentes, outros se preocupam em contaminar seus familiares que também fazem parte de grupos de risco.

Para sobreviver, eles continuam se arriscando nas ruas das cidades, mesmo com o movimento mais baixo por causa da quarentena decretada por vários governadores e prefeitos para conter a disseminação do vírus. Outros simplesmente desistiram de trabalhar e contam somente com o auxílio emergencial de R$ 600,00, cujo valor, dizem, mal dá para a alimentação, muito menos para pagar aluguel e outras despesas do dia a dia.

Roberto ParizottiRoberto Parizotti
Aumenta o número de veículos e pessoas, em São Paulo, apesar da quarentena

Um dos que se arriscam todos os dias é o Douglas, 31 anos, que prefere não ter o sobrenome divulgado. Ele pertence ao grupo de risco, porque tem problemas respiratórios e já contraiu três pneumonias, antes da pandemia.

Douglas paga a pensão da filha de 10 anos, o aluguel, as despesas do veículo, as taxas do Uber e ainda tem de suprir seus gastos pessoais com cerca de R$ 1.500,00 por mês. O rendimento mensal é menos da metade do que retirava antes da pandemia da Covid 19.  

“Antes da crise, há três anos quando fui trabalhar como motorista de aplicativo,  eu fazia bruto R$ 300,00 ao dia, mas como as despesas do Uber são muito altas, ficava com cerca de R$ 3 mil ao mês. Como não consigo mais emprego como designer, que é minha profissão, tenho de trabalhar nas ruas correndo risco de contaminação”, diz Douglas.

Apesar do movimento de passageiros ter aumentando na capital de São Paulo nos últimos dias, o que comprova que o índice de adesão à quarentena tem caído perigosamente, tanto que a prefeitura está fazendo bloqueios nas grandes avenidas, Douglas prefere arriscar a própria vida, já que, com ou sem medo, o Auxílio Emergencial de R$ 600,00 que conseguiu receber dez dias depois do pedido, é insuficiente para pagar as contas.

“Eu me sentiria mais seguro, se o auxílio fosse ao menos de um salário mínimo (R$ 1.045,00) e por mais tempo. A economia não vai melhorar de uma hora para outra, nem eu pagaria todas as contas, com mil reais, mas eu poderia  trabalhar menos horas”, diz o motorista, que roda de 12 a 14 horas por dia.

O governo de Jair Bolsonaro queria pagar R$ 200,00 de auxílio aos trabalhadores informais e microempreendedores individuais, categoria mais prejudica com a restrição da circulação nas principais cidades do país, durante três meses. O PT propôs um salário mínimo. Foi preciso muita pressão da CUT, demais centrais e dos movimentos sociais para o Congresso Nacional aprovar o pagamento de R$ 600.

Mesmo assim, o valor não é suficiente como confirmam Douglas e seus colegas. Alguns se arriscam nas ruas, outros têm doenças mais graves e não podem correr esse risco, apesar de precisarem muito da renda.

A opção de arriscar a própria vida não existe para Pedro Pita, casado e pai de um casal, de 11 e 4 anos. Preocupado com a saúde do filho mais velho que nasceu com uma série de síndromes raras e tem falta de células no pulmão, Pedro desistiu de trabalhar e está sobrevivendo com os R$ 600,00 e a ajuda de amigos e familiares. A situação que já não estava boa, conforme relatou ao Portal CUT, há 40 dias, em reportagem sobre a queda de rendimentos dos motoristas de aplicativo, só piorou.

De lá para cá, sua vida virou de cabeça para baixo. Com a pandemia, a mulher perdeu o emprego de R$ 1.600,00 ao mês, numa startup de imóveis junto com outros 100 trabalhadores e trabalhadoras. No início, ela saiu da área de visitas para a de cobrança. Depois acabando sendo demitida por, segundo ele, ser uma funcionária nova, e a empresa gastaria com ela um valor menor de indenização.

Com o casal desempregado, Pedro apelou para a dona do imóvel em que a família mora, que entendeu a situação e, por enquanto, não está cobrando os aluguéis atrasados de R$ 1.200,00.

 “Depois de uma semana daquela entrevista [ao Portal CUT, no final de março], minha mulher perdeu o emprego e eu não sei o que será do nosso futuro, porque, ao mesmo tempo, em que trabalhava como motorista de aplicativos, vivia da música. Minha vida inteira estudei música, é o que eu sei fazer. Agora com os bares fechados, sem shows para fazer, e meu filho sendo grupo de risco, simplesmente decidi ficar em casa, mas procurando emprego até em supermercado”, desabafa.

Pedro conta que já ultrapassou o limite do desespero e que só resta ter esperança de conseguir algum trabalho ou voltar a trabalhar como motorista de aplicativo e músico, após a pandemia.

“Não tenho a menor ideia do que farei quando o pagamento do auxílio emergencial terminar porque terei de me arriscar, sair do isolamento. Então, a minha única esperança é que a curva de contágio do coronavírus diminua e eu possa voltar a trabalhar também como músico, assim que os bares abrirem”, diz Pedro Pita.

Situação mais confortável, mas ainda assim difícil, passa Wagner Luiz Queiroz Pinto, de 54 anos. Asmático, ele também desistiu de continuar trabalhando pelas ruas de São Bernardo do Campo, na grande São Paulo, como fez durante dois anos, após a empresa em que trabalhou por 20 anos, falir. Ele não conseguiu o auxílio emergencial porque o salário da esposa ficou acima do permitido para ter acesso aos R$ 600,00.

Wagner conta que rodava 12 horas por dia, das 9h da manhã às 9h da noite, e conseguia rendimentos entre R$ 2.900,00 a R$ 3.200,00 mensais. Sem a renda, a família que tem casa própria consegue sobreviver só com o salário da esposa, porque os filhos, um adolescente de 16 anos, e uma recém-formada, de 25 anos, em Gestão Pública e Política, que aguarda ser chamada por um dos três concursos públicos que passou, não trabalham e ainda dependem dos pais.

Apesar de conseguir sobreviver, Wagner se preocupa com os colegas de profissão. Ele conta que os amigos que se reuniam pelo menos três vezes por semana, contam agora que estão até fazendo entregas de supermercado e levando animais, coisa que não faziam antes porque o ganho era muito pequeno.

“Quando você leva um animal você tem de lavar o carro e isso custa. Quando você vai fazer entrega você perde tempo colocando e retirando mercadorias, o que toma em média 30 a 40 minutos, e o valor pago é o mesmo”, explica Wagner.

Outro drama dos amigos, descrito pelo motorista, é dos que trabalhavam com carro alugado. Com a queda nos rendimentos, eles tentaram devolver, mas as locadoras não estavam aceitando os veículos de volta, simplesmente porque não tinham mais espaço para guardá-los.

“Meus amigos contam que pediram às empresas de aplicativo máscaras, mas não receberam. Outros colocaram por conta própria folhas de acrílico para separar o motorista dos passageiros, mas isso não impede o contágio dos que entram e saem dos carros. É um eterno risco e ainda assim quem é chefe de família não está conseguindo sobreviver”, lamenta Wagner.