Escrito por: Gabriela Moncau - Brasil de Fato | São Paulo (SP)
MP diz já ter acesso às gravações cedidas pela PM, o que desmente versão noticiada pelo jornal O Globo na semana passada
Há uma corrida e um mistério em torno das imagens das câmeras corporais dos policiais que participam da Operação Escudo na Baixada Santista. Deflagrada em 28 de julho como reação à morte de um soldado da Rota, a megaoperação já matou ao menos 16 pessoas. É a mais letal intervenção institucional da polícia de São Paulo desde o Massacre do Carandiru, em 1992.
Defensoria Pública, Ouvidoria das Polícias, jornalistas: os pedidos de acesso ao conteúdo não param de chegar à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), chefiada pelo ex-policial da Rota Guilherme Derrite (PL). O único órgão que diz ter recebido vídeos é o Ministério Público de São Paulo (MP-SP). As outras entidades tiveram os pedidos ignorados.
“Diferentemente do que vem sendo noticiado de forma equivocada por alguns veículos de comunicação, o MP-SP já começou a receber as imagens das câmeras corporais dos agentes que atuaram no âmbito da Operação Escudo”, informou o Ministério Público em nota.
“Os promotores designados pela Procuradoria-Geral da Justiça para apurar os desdobramentos da intervenção na Baixada Santista aguardam o envio de outros dados solicitados à corporação, que vem colaborando para o esclarecimento dos fatos”, diz o MP-SP.
A nota desmente matéria d’O Globo, segundo a qual a Polícia Militar (PM) teria respondido ao MP-SP que não há vídeos dos primeiros assassinatos, pois os agentes não estariam usando as câmeras na farda. A Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) – justamente a tropa de elite da PM que, segundo a matéria, é apontada como autora ao menos das primeiras oito mortes da chacina no Guarujá (SP) – é obrigada a usar as câmeras corporais.
Procurada, a SSP-SP afirmou ao Brasil de Fato que “as requisições do Ministério Público foram atendidas e as imagens fornecidas”. Acrescentou que “todas as imagens que são captadas pela câmera corporal ficam armazenadas em uma plataforma cujos acessos, respeitada a cadeia de custódia, são feitos pelas autoridades de Polícia Judiciária, Ministério Público e Judiciário".
As câmeras estão em apenas 52% dos batalhões do Estado, informou a SSP-SP. Dos 16 policiais envolvidos nos assassinatos, disse o órgão, apenas 10 pertencem a batalhões que fazem uso do equipamento. Os vídeos de sete câmeras foram entregues ao MP-SP.
A Secretaria de Segurança Pública do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) informou, ainda, que policiais investigarão seus colegas.
“Os casos de morte decorrente de intervenção policial na Operação Escudo serão minuciosamente investigados pela Divisão Especializada de Investigações Criminais (DEIC) de Santos e pela Polícia Militar”, afirmou a nota.
Dimitri Sales destaca que a informação apurada pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), entidade que ele preside, é "que nem todos os policiais estavam usando câmeras corporais. E que, ainda assim, [a SSP-SP] vai verificar se as câmeras estavam em condição de uso, ou seja, se estavam funcionando ou não".
Na próxima quinta-feira (10) o assunto deve ser tratado em uma audiência da qual o Condepe participará com o procurador-geral da Justiça de São Paulo, chefe do MP-SP, Mario Luiz Sarubbo.
Os vídeos podem ser fundamentais para elucidar as circunstâncias em que as mortes estão acontecendo: se é a versão dos moradores das comunidades ou a do governo paulista que condiz com a realidade, visto que são antagônicas.
Além de declarar estar “extremamente satisfeito” com o “profissionalismo” da atuação policial, Tarcísio chamou as mortes de “efeito colateral” do “combate ao crime organizado”. O governador e o secretário Derrite se referem às denúncias de tortura e execuções como “narrativas”. A SSP-SP informou, em comunicado, que todos os “suspeitos” foram assassinados em decorrência de confronto.
Contudo, moradores de comunidades ocupadas pela Polícia Militar – como Vila Júlia, Vila Zilda, Sítio Conceiçãozinha, Morro São Bento, Morro do Engenho, Morrinho e Prainha – contestam esse discurso. Relatos colhidos pelo Brasil de Fato, pela Ouvidoria das Polícias e reverberados em protestos afirmam que os agentes de segurança do Estado estão praticando tortura e execuções sumárias.
O ouvidor Claudio Aparecido da Silva – que, na última sexta (4), registrou um boletim de ocorrência informando estar ameaçado de morte – disse que recebeu denúncias “de que vítimas foram arrastadas para determinados lugares para serem executadas”.
O Brasil de Fato questionou se o Ministério Público está em posse da totalidade das imagens envolvendo as mortes da Operação Escudo, se há algo relevante já constatado e se os vídeos serão tornados públicos. O órgão informou que, por conta do “sigilo” e da “delicadeza” do caso, ainda não possui respostas para essas perguntas.