Escrito por: Andre Accarini
A Convenção 190 foi aprovada após dez anos de debates entre o movimento sindical, empregadores e governos
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou a Convenção 190 que trata da violência no mundo do trabalho. O texto aprovado é fruto de um debate, iniciado por movimentos de mulheres, que começou em 2009, na Confederação Sindical Internacional (CSI), e venceu resistências dos empregadores que consideravam o tema uma questão a ser resolvida por políticas públicas.
A secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Junéia Batista, considerou a elaboração da Convenção uma vitória, ainda que o texto aprovado não seja o ideal para o movimento sindical. Ela explica que os debates, que envolveram também governos, foram duros e houve a necessidade de se chegar a um consenso para que a Convenção fosse criada.
“Não era o texto dos sonhos porque queríamos destacar os vulneráveis, quem sofre racismo, sexismo, discriminação, mas não conseguimos especificar, só conseguimos especificar que trabalhadores sofrem assédio e que devem ter reparação”, diz Junéia.
A Convenção 190 será aprovada oficialmente nesta sexta-feira (21), quando o relatório final da 108ª Conferência Internacional do Trabalho for apresentado para votação em plenário.
Mas, de acordo com a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, as diretrizes da Convenção só passarão a valer “mais do que as leis nacionais” a partir da ratificação pelos países. É após a adoção da Convenção que os tribunais passam a se pautar pela norma aprovada.
Junéia espera que durante a Conferência ao menos dois ou três países adotem a Convenção. Isso dá força ao trabalho que precisa ser feito para adoção em outros países, explica.
No Brasil, a luta para que o país, que elegeu Jair Bolsonaro, um presidente de extrema direita, fascista e homofóbico, adote e ratifique a Convenção 190 será árdua, avalia a dirigente da CUT.
“Acredito que será difícil, mas faremos o que for possível, com campanhas de conscientização e pressão junto a parlamentares e governo para que coloquem em suas agendas o tema da ratificação”.
Junéia conta que a Convenção começou a ser ‘pensada’ em 2009, para tratar de casos específicos de violência contra a mulher, mas ao longo desses anos, por pressão de empresários, que também queriam ser incluídos no texto como vítimas, o texto teve que ser alterado para violência de gêneros e não somente de mulheres.
Segundo ela, a alegação dos empresários é que eles podem também ser vítimas de violência, como assédio e ameaças, no mundo trabalho. “Mesmo não concordando com essa justificativa, aceitamos mudar o caráter para violência de gêneros”.
Junéia lamenta também que outros grupos não possam ter sido especificados na Convenção como vulneráveis, como trabalhadores e trabalhadoras negras, os LGBT´s e as mulheres que, “historicamente, são trabalhadores que sofrem perseguição no ambiente de trabalho”.
“Tivemos que nos conformar em colocar as pessoas vulneráveis como trabalhadores e empregadores para não termos problemas e travarmos o processo. Tivemos de aprovar um texto generalizando os trabalhadores”, critica a dirigente.
Em 2014, o tema ganhou destaque na OIT e começou a ser discutido nas conferências da entidade. Em 2017 um grupo formado por especialistas de vários países fez uma análise sobre o que é violência no mundo do trabalho e recomendou que a OIT pautasse a Convenção 190, elaborada de forma tripartite.
Em 2018, foi aprovado um texto preliminar pelo Conselho de Administração da OIT. Este texto foi debatido ao longo dos anos pelos trabalhadores, empregadores e governo e, em comissão formada pela OIT, foi alterado com acordo entre as partes.
A Convenção terá o papel de proteger todos os trabalhadores, do setor público e privado, e casos externos como violências sofridas no caminho do trabalho, ou por decorrência dele.
Um exemplo é o caso de mulheres assediadas em transportes públicos e que precisam de proteção, explica a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT.
“A responsabilidade é de alguém. Seja do Estado ou do empregador, isso será definido caso a caso”, diz Junéia.
Junéia lembra também que pessoas LGBT são consideradas vulneráveis por sofrerem violência psicológica, moral e constrangimentos no ambiente de trabalho.
A gente vive numa sociedade predominantemente heteronormativa em que o patriarcado impõe que menino veste azul e menina veste rosa. E quando as pessoas saem dessa ‘caixinha’, são violadas em seu direito de ser o que querem- Junéia Batista
Até mesmo na Conferência o preconceito esteve presente: países africanos, além de Rússia e Bielorrússia, ameaçaram deixar o plenário caso o termo LGBT fosse incluído no texto.
Mas de acordo com a Convenção 190 da OIT, no mundo do trabalho, a discriminação, as piadas homofóbicas, as chacotas e perseguições a LGBT´s serão consideradas agressões, afirma Junéia.
“As pessoas vão pensar 500 vezes antes de fazerem chacota com a natureza das pessoas”.
Mesmo que o texto não tenha sido ideal por não ser específico sobre a violência contra as mulheres, Junéia acredita que a Convenção trará avanços. Ela afirma que “o mundo machista pode começar a ter um outro tipo de comportamento, a partir da divulgação dessa Convenção. E o momento que vivemos nos faz brigar ainda mais para que nosso país ratifique a 190.