Operação combate trabalho análogo à escravidão na colheita da uva no RS
Trabalhadores foram aliciados no Nordeste para atuar na colheita da uva e no município de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton foram beneficiadas
Publicado: 23 Fevereiro, 2023 - 12h07 | Última modificação: 24 Fevereiro, 2023 - 15h23
Escrito por: CUT-RS
Uma operação conjunta de combate ao trabalho análogo à escravidão foi deflagrada na noite de quarta-feira (22) em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) realizam uma ação de fiscalização que resultou no resgate de 180 trabalhadores baianos aliciados para o trabalho na colheita da safra da uva, em situação análoga à escravidão.
De acordo com gerente regional do MTE em Caxias do Sul, Vanius Corte, as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton contrataram uma empresa de serviços de apoio administrativo que oferecia a mão de obra. Em nota, as empresas afirmaram que desconheciam as irregularidades e sempre atuaram dentro da lei.
Segundo reportagem do jornal Pioneiro, policiais e funcionários do MTE saíram de Caxias do Sul por volta das 19h15 e chegaram a Bento Gonçalves pouco depois das 20h. Eles foram até uma pousada, na Rua Fortunato João Rizzardo, no bairro Borgo, onde os trabalhadores estavam hospedados.
Segundo o gerente regional do MTE, a prefeitura da cidade está organizando um espaço para alojar de forma provisória os trabalhadores que foram resgatados. Eles devem ser encaminhados na tarde desta quinta-feira (23) ao Ginásio Municipal Darcy Pozza.
O responsável por essa empresa, Pedro Augusto de Oliveira Santana, de 45 anos, natural de Valente (BA), chegou a ser preso, mas vai responder pelo crime em liberdade porque pagou fiança no valor de R$ 40 mil. Segundo o delegado da Polícia Federal, Claudino de Oliveira, o preso era o responsável pelas contratações dos resgatados que trabalhavam na colheita da uva para vinícolas.
Péssimas condições de trabalho, moradia e alimentação
O caso foi denunciado por um grupo de trabalhadores que conseguiu fugir do esquema e procurar a PRF em Porto Alegre. Eles relataram aos policiais que foram cooptados por aliciadores de mão de obra, conhecidos como gatos, na Bahia e trazidos para a Serra Gaúcha para trabalharem para uma empresa que presta serviços a uma vinícola.
Eles contaram que trabalhavam diariamente, das 5h às 20h, com folgas somente aos sábados. Isso representa uma absurda jornada de 15 horas de trabalho. Também denunciaram que representantes da empresa ofereciam a eles comida estragada.
Os trabalhadores relataram que só podiam comprar produtos em um mercadinho em frente à Igreja Nossa Senhora do Carmo, com preços superfaturados e que o valor gasto era descontado no salário. Desta forma, eles acabavam o mês devendo, pois o consumo superava o valor da remuneração.
Ainda disseram que eram impedidos de sair do local e que, se quisessem sair teriam que pagar a suposta "dívida". Além disso, os patrões ameaçariam os familiares, que vivem no estado nordestino.
A reportagem do Pioneiro entrou na pousada, onde os trabalhadores estavam desde o dia 2 de fevereiro, e constatou que o local possui quatro andares de alojamento, com quantidade de camas que varia conforme o tamanho do quarto.
Alguns possuíam um beliche, outros três e quatro acomodações. Era possível observar colchões e chão sujos, além de forte mau cheiro. Segundo relato dos trabalhadores, os lençóis também não eram trocados.
Problema se repete anualmente na colheira da uva
De acordo com o MTE, já foram feitas operações do mesmo tipo, neste ano, em Nova Roma do Sul, Caxias do Sul, Flores da Cunha e também em Bento Gonçalves. Dois locais que serviam como alojamentos foram interditados por apresentarem problemas de segurança em instalações elétricas, superlotação e questões de higiene.
No total, foram vistoriadas 24 propriedades rurais nessas cidades e identificados 170 trabalhadores sem registro. As origens deles são, principalmente, baianos, argentinos e indígenas, alguns, inclusive, com menos de 18 anos de idade.
Segundo o gerente regional do MTE, Vanius Corte, o enfoque das ações fiscais, num primeiro momento, é a formalização dos contratos de trabalho e verificação das condições dos alojamentos.
“Em relação a outras culturas, a uva está muito atrasada nas questões das formalizações dos vínculos empregatícios”, disse o representante do MTE.
A ideia do MTE é realizar uma audiência pública para buscar uma adequação do setor aos direitos dos trabalhadores. Nesta reunião serão chamados os representantes dos produtores, os sindicatos, as vinícolas e as secretarias municipais de Agricultura. Não há data marcada. Na próxima safra haverá também um incremento nas fiscalizações.
Com informações do jornal Pioneiro