Escrito por: Cecília Figueiredo, do Sindsep

Operários haitianos denunciam falta de salário pelo trabalho de reforma do HSPM

Sindsep vai acionar Cipa, Conselho Gestor e Superintendência do Hospital do Servidor para esclarecer denúncias sobre relações de trabalho na obra em execução

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Operários terceirizados que trabalham na reforma do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM), iniciada em 19 de novembro de 2019, denunciaram ao Sindsep que não estão recebendo. A Bellacon Construtura e Incorporadora Eireli, vencedora da licitação para a obra de reforma do HSPM, mantém contratos com a Prefeitura de São Paulo equivalentes a um valor global de mais de R$ 13,700 milhões, o que inclui outras empresas terceirizadas que, conforme os relatos dos trabalhadores, vêm praticando também a alta rotatividade de operários da construção civil, principalmente estrangeiros. 

Dos três trabalhadores que o Sindsep teve acesso, todos são haitianos e um deles chegou ao Brasil no início deste ano, portanto tem muita dificuldade de entender o idioma, assim como obter medidas de proteção e a quem recorrer para buscar ajuda. Para a coordenadora da região central do Sindsep, Flávia Anunciação, a impressão é que as empresas estão se aproveitando da situação de vulnerabilidade dos trabalhadores haitianos.  Todos os trabalhadores confirmaram a forma de contratação por diárias ao valor de R$ 150. Chegam às 7h, saem às 17h, com uma hora de almoço e muitas vezes ficam sem comer pela falta do alimento e de recursos. Um deles foi dispensado após 14 dias, o outro após um mês e um terceiro após dois meses. Nenhum deles recebeu até agora o valor total do pagamento. O P*, como iremos chamá-lo aqui para preservar sua identidade, chegou ao Brasil em 2013. Trabalhou para uma grande construtora de empreendimentos imobiliários em outro estado do Sudeste, onde também teve problemas, mas diz que esta experiência está sendo a mais difícil. “Trabalhei 11 dias pelo valor de R$ 150 o dia, mais três dias onde disseram que iriam pagar R$ 2 [ou R$ 12, não deixa claro] por metro de azulejo colocado. A parede estava muito ruim para [fixar] os azulejos, tinha que ser quebrada. Fiz 34 metros de azulejo em três dias [o equivalente a R$ 48 ou R$ 408]. Até agora não recebi nada. Estou muito com fome”, diz o pedreiro que tem a receber nesse período entre R$ 1.698 e R$ 2.058, pelos dias que trabalhou na obra do 1º andar, 2º e 7º andar do HSPM. P não quer brigar com quem está no comando da obra e nem revelar o nome da empresa que o contratou, mas está cansado. “Eles dizem vão pagar amanhã, vão pagar amanhã….Dão risada de mim. Já me mandou três vezes tirar extrato [no banco] e não tem nada [depósito]. Não quero ir à justiça, penso que patrão dele [encarregado] não paga para ele e eu também não recebo. Não quero fazer mal a ele. Deus vai me ajudar. Não falo muito português, tá muito difícil”, desabafa o operário, que mal tem conseguido sustentar a esposa haitiana, a filha de três anos brasileira e mandar ajuda para seu filho de 18 anos que mora no Haiti. A reforma do hospital realizada pela Bellacon, somente nos 1º e 2º andares (setor de Nutrição e Dietética) está custando aos cofres públicos R$ 3,101 milhões. Em outro contrato, a construtora  está recebendo R$ 9,196 milhões para reforma e ampliação do PS, Ambulatório do HSPM e instalação de ar condicionado central. Num terceiro contrato, celebrado com a mesma empresa, o valor pago é superior a R$ 269 mil, para obra de substituição de tubulação no 14º andar – piso insalubre onde os servidores do HSPM estavam ameaçados de ter seu refeitório instalado. Ainda há um quatro contrato, pelo qual está previsto pagamento próximo a R$ 1,145 milhão para a reforma geral da enfermaria no 12º andar. Isso tudo ultrapassa R$ 13,700 milhões em recursos públicos.  Quem está executando a reforma denuncia que não está sendo pago. Muitos já abandonaram o serviço por essa razão, mas outros, como o haitiano B*, ainda tentam receber. “Todo dia a empresa diz que vai pagar e não paga. Eu tenho como dois meses nessa obra e nunca recebo certo. Dão apenas uma parte. Falam [que o resto será] dia 5, falam [que será no] dia 20, e não pagam nem no dia 5 e nem no dia 20. Falaram que dia 7 pagariam. Não pagaram. Nós estamos bravos, somos pais de família. Tenho quatro filhos. Tenho que pagar aluguel aqui, mandar dinheiro para família no Haiti, comer e não dá. As pessoas trabalham por necessidade! Todas as pessoas que vieram nos últimos seis meses, foram embora pela mesma causa”. Um terceiro haitiano, que está há seis meses no Brasil, e pede também sigilo em sua identidade, relatou à Imprensa do Sindsep, por mensagem escrita com ajuda de outro colega, o que tem enfrentado. “O único problema que tenho com eles no HSPM é que tenho um mês de trabalho e eles não querem me pagar. Dizem que me pagam no dia 20 de julho e não me pagam. Me falam que será dia 24 de julho e não me pagam. Depois dizem que será no dia 7 de agosto e nada”.   Na segunda (10), houve uma discussão entre trabalhadores demitidos e o encarregado pela obra, porém, até onde se sabe ninguém recebeu e muitos continuam sendo dispensados. “Na segunda-feira haviam trabalhadores até com pedaços de ferro na mão porque não recebem. Estão protelando o pagamento deles. A empresa terceirizada, uma delas a Brasmódulo, contrata trabalhadores estrangeiros que não entendem seus direitos, o idioma e não sabem como recorrer. Do ponto de vista humano, é algo inaceitável. Os trabalhadores estão passando muitas dificuldades e isso que está ocorrendo é indigno”, disse Luciano Alves Duarte, membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) do HSPM, que conversou com alguns trabalhadores.  SINDSEP A dirigente do Sindsep disse que a entidade sindical irá acionar a Cipa, o Conselho Gestor e a Superintendência do HSPM para questionar o conteúdo das denúncias sobre relações de trabalho para execução da reforma do hospital.   Memória A reforma do HSPM, segundo divulgou o site da Prefeitura de São Paulo ao iniciar a obra do HSPM, com previsão de 12 meses, custou aos cofres públicos R$ 9.196.354,39. O investimento, de acordo com a nota oficial, “faz parte do Programa Avança Saúde SP”, com empréstimo obtido pelo governo Bruno Covas junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), no valor de R$ 800 milhões para a saúde.