Escrito por: Redação CUT
Para cientista político, futuro presidente não terá "caminho livre"
Mais de 42.466 milhões de eleitores decidiram anular, votar em branco ou se abster no segundo turno das eleições realizado no domingo (28). O número representa 28,5% do total de eleitores aptos a votar que é de 147.306.294.
Deste total, 115.933.451 (78,70%) compareceram as urnas não necessariamente para escolher um dos dois candidatos a presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). O total de votos brancos e nulos no segundo turno da eleição deste ano foi o maior desde a redemocratização do Brasil: 11.094.679 (9,57%). Outros 31.371.417, ou 21,30%, se abstiveram.
Bolsonaro foi eleito neste domingo (28) com 55,13% dos votos válidos, totalizando 57.795.271 eleitores. Haddad ficou com 44,87% dos votos válidos, de acordo com dados do TSE.
Para o cientista político e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Vitor Marchetti, os votantes em Haddad e somados aos que votaram em branco ou nulo formam "um contingente muito expressivo de eleitores que se recusaram a aderir a candidatura de Bolsonaro". Isso significa que o presidente eleito não tem "carta branca" ou "caminho livre" para encaminhar suas propostas da maneira que quiser, mostra reportagem de Tiago Pereira, da RBA.
Ele prefere excluir as abstenções da análise, pois essas podem incluir desde títulos inativos, eleitores que estavam fora dos seus locais de votação e não fizeram o voto em trânsito e mesmo pessoas que poderiam escolher tanto um candidato quanto o outro.
Vitor também destaca que o PT mostrou força eleitoral, ao eleger a maior bancada da Câmara – 56 deputados – e também o maior número de governadores, com quatro. Junto a outras bancadas de partidos de esquerda (PDT, PSB, PCdoB, PSol), serão 135 parlamentares que poderão impor dificuldades às mudanças – algumas constitucionais – que Bolsonaro deve tentar implementar.
Para buscar os dois terços necessários para aprovar alterações na Constituição, Bolsonaro precisará se articular com partidos do centro do espectro político, o que colocaria o presidente eleito em uma "encruzilhada", segundo Marchetti.
"Se fizer um movimento de negociação com a política tradicional, dentro da lógica do presidencialismo de coalizão, vai perder o apoio de parcela do eleitorado que acreditou que ele não representaria 'o mais do mesmo'. Se ele foge do mais do mesmo e estabelece uma relação mais truculenta, tentando impor a sua agenda em nome dessa adesão popular, pode produzir reação da outra parcela do eleitorado que, apesar de ter votado nele, não fez uma adesão automática a uma postura mais autoritária, mas foi embalado principalmente pelo desejo de mudança", analisa o professor da UFABC.
Falas do próprio candidato, que prometeu prender e exilar opositores, ou de seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), alegando a possibilidade de fechar o Supremo Tribunal Federal "com um soldado e um cabo", também custaram a Bolsonaro uma vantagem mais alargada.
A "encruzilhada" também serve para a preferência religiosa de Bolsonaro, claramente demonstrada numa prece proferida pelo ex-senador Magno Malta e transmitida ao vivo para todo o Brasil. Se resolver expor menos seu fervor evangélico, perde o apoio do eleitorado mais radical. Mas caso insista na pregação religiosa, pode perder o apoio da população que não compactua de antemão com essa linha de discurso, justamente num país ainda majoritariamente católico, lembra Marchetti.
Ele também espera postura vigilante do Poder Judiciário, que atuou para coibir ações abusivas do Tribunal Superior Eleitoral, com agentes invadindo universidades e tentando calar manifestações de oposição ao fascismo. Por tudo isso, pela força da oposição, a vigilância das instituições e suas contradições internas, Marchetti acredita que esses "riscos de instabilidade" podem conter tentações autoritárias do futuro governo Bolsonaro que começa a operar oficialmente a partir de 1º de janeiro.