Pandemia do Coronavírus pode deixar 4, 6 milhões de domésticas sem sustento
Sem propostas concretas do governo para ajudar os trabalhadores e trabalhadoras informais, diaristas, sem direitos trabalhistas, temem perder “clientes” com a crise provocada pela pandemia do Coronavírus
Publicado: 19 Março, 2020 - 09h00 | Última modificação: 20 Março, 2020 - 13h55
Escrito por: Rosely Rocha
As propostas do governo de Jair Bolsonaro para enfrentar a crise econômica e de saúde pública agravadas pela pandemia do coronavírus (Codiv-19) não representam nenhum alento para os milhões de trabalhadores e trabalhadoras domésticas que vivem na informalidade, ganhando seu sustento por dia trabalhado, sem carteira assinada, sem convênio médico, sem seguro-desemprego e sem Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Maria Luzinete Pedrosa de Sousa, 45 anos, é uma das diaristas brasileiras que ficará sem ter como ajudar no sustento da família se a pandemia de coronavírus obrigar todos a ficarem em casa. O marido dela é manobrista de um restaurante, e embora tenha carteira assinada, com a queda no movimento pode também ficar sem trabalho. O casal tem dois filhos, um de 22 anos, que é estagiário e uma estudante de 15 anos.
O cupom de míseros R$ 200,00 por mês aos trabalhadores informais anunciados nesta quarta-feira (18) pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como parte de um pacote de ajuda para enfrentar a crise financeira durante a pandemia não vai resolver o problema da família.
E o caso de Luzinete é um exemplo da tragédia social que se abaterá sobre o Brasil. Moradora de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, ela enfrenta trânsito e duas conduções para trabalhar quatro vezes por semana na capital para conseguir uma renda de R$ 3.200,00 ao mês, que já está ameaçada porque ela não sabe até quando conseguirá se locomover. E uma de suas clientes passou a trabalhar “home office” já avisou que ela está dispensada, pelo menos por hora.
“Eu sou uma pessoa que se vira, não gosto de ficar parada, mas mesmo que eu faça alguma comida pra vender, com tudo fechado, não terei pra quem vender. Não tenho muito o quê fazer nesta situação”, lamenta Luzinete.
Ela é uma das 6,3 milhões de pessoas que trabalham como diaristas no Brasil, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas não faz parte do grupo de 1,7 milhão que têm carteira de trabalho assinada.
Hoje, esse exército de mulheres e homens, além da insegurança em utilizar o transporte público e os cuidados com a higiene na hora de fazer uma faxina, por causa da pandemia do coronavírus, correm o risco de ficar sem ganhos, caso sejam necessárias medidas mais drásticas para evitar o contágio e o país mergulhe numa quarentena, como já fizeram países europeus e asiáticos.
A secretária da Mulher Trabalhadora da CUT Nacional, Juneia Batista, preocupada com a qualidade de vida dessas trabalhadoras e trabalhadores, criticou duramente o cupom miserável que o governo anunciou para ajudar os informais. “Este valor é uma “palhaçada”, que não dá nem para comprar a alimentação de uma família. Não dá pra pagar água e luz. O governo deveria garantir no mínimo ¾ do salário mínimo (R$ 783,75) a essas trabalhadoras responsáveis por 11% do PIB [Produto Interno Bruto]”.
Juneia também critica a falta de solidariedade de parte de patrões que colocam em risco a vida dos domésticos ao obrigá-los a comparecer ao trabalho num momento de pandemia, sem oferecer um transporte mais seguro do que o público.
“Se esses trabalhadores e trabalhadoras precisam utilizar o transporte público, quem está colocando a vida deles e de seus filhos em risco são os patrões. Se eles precisam do trabalho que paguem um táxi, um Uber. Isso não é chique, é necessário para manter a vida de todos a salvo. Se preferir dispensar que continuem pagando pelo serviço, seja ela registrada ou diarista. Estamos vivendo uma crise humanitária”, diz a dirigente.
A possibilidade da diminuição no número de procura por faxinas também preocupa muito Ângela Maria dos Anjos Honório, moradora do Grajaú, na zona sul de São Paulo. Aos 56 anos de idade, ela precisa do dinheiro que ganha como diarista, pouco mais de R$ 1.000,00, para pagar contas de água, luz e alimentação. O marido, autônomo está aguardando que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) decida a seu favor na ação que entrou pedindo por um seguro-saúde de um salário mínimo (R$ 1.045,00) após machucar a mão e, como técnico de consertos de TV, sem o uso das mãos é impossível trabalhar.
Ângela conta que é diarista há três anos, quando foi obrigada a deixar a empresa em que trabalhava para cuidar da mãe doente, e a faxina em dias alternativos permite ter um horário mais flexível.
“Apesar de pouco dinheiro que ganho, trabalhando duas vezes na semana, se não tiver, vai fazer falta. Sei que meus filhos casados, minha mãe e meu padrasto, aposentados, vão me ajudar, se eu precisar, mas não vai dar pra cobrir todas as despesas porque a alimentação da casa, as contas de água e luz são por minha conta. E eu também gosto de me arrumar, usar um creme de cabelo e ter as unhas feitas ”, diz Ângela, que ainda está longe de se aposentar, já que contribui com o INSS há apenas quatro anos como dona de casa.
A mesma preocupação com o sustento da casa tem Samaria Alves, de 50 anos. Moradora da zona leste, viúva e mãe de duas filhas já adultas, ela trabalha como diarista há cinco anos e não contribui com o INSS. Hoje só atende uma cliente, duas vezes por semana e recebe em torno de R$ 750,00 por mês.
Sua maior preocupação são as informações desencontradas sobre uma possível quarentena passar a ser adotada no país e ela não ter como abastecer de alimentos a geladeira e armários da casa.
“Eu já estou precisando trabalhar mais um dia pra comprar ‘mistura’, pra feira, e se ficar sem trabalho, vai ficar bem difícil pagar as contas, mesmo recebendo o salário mínimo que meu marido deixou”, se queixa.
Já Kelly Silva montou uma empresa de faxina com suas duas primas, em São Bernardo do Campo, na grande São Paulo. São elas que atendem a clientela diariamente, mas Kelly notou que após o coronavírus, os pedidos de limpeza caíram 20%.
Ela, que não quis revelar o seu rendimento mensal, diz que vive no limite para conseguir pagar o aluguel e ter uma vida um pouco tranquila.
“Não tenho economias guardadas. Se fechar tudo e a gente ficar sem transporte, como estão dizendo, não sei o que farei”, afirma demonstrando preocupação com o futuro.
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A preocupação de homens e mulheres que trabalham nas casas dos clientes não se resume a vida financeira. Toda a sua rotina pode ser alterada caso haja necessidade dos clientes.
Foi o que aconteceu com Monica Santos, 50 anos. Nesta quarta-feira (18) ela se dirigia da zona leste da capital onde mora para a residência de uma senhora de 91 anos no bairro de Higienópolis, região central, e só sairá de lá no dia 11 de abril, a pedido dos familiares da cliente, que temem o contágio pelo coronavírus, já que a idosa está no grupo de alto risco.
“É a primeira vez que isto acontece. Normalmente eu atendo nos finais de semana. Entro no sábado e saio na segunda-feira, mas como a família teme que eu tenha contato com o vírus no transporte público, fizemos este acordo”, conta Mônica, que foi diarista por 12 anos e há quatro optou por ser cuidadora de idosos.