MENU

Para advogados, projeto de lei anticrime de Moro cria 'licença para matar'

Jovens das periferias, em sua maioria pobres e negros, serão os mais atingidos caso o texto proposto pelo ministro da Justiça se torne lei no país

Publicado: 05 Fevereiro, 2019 - 09h22 | Última modificação: 05 Fevereiro, 2019 - 09h29

Escrito por: Eduardo Maretti, da RBA

MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
notice

O projeto de lei anticrime, anunciado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, SergioMoro, na manhã de hoje (4), introduz no ordenamento jurídico do país uma “licença para matar” para os policiais, viola vários princípios da Constituição, aumentará o encarceramento e atingirá principalmente jovens pobres e negros das periferias. “É um projeto de lei anticrime, mas na verdade é um projeto que assassina a Constituição, matando direitos e garantias fundamentais”, diz o advogado criminalista Leonardo Yarochewsky.

Outra questão mencionada pelo advogado como grave é a previsão de “legítima defesa” para os policiais. “Criou-se, como era proposta de campanha do próprio Bolsonaro, uma legítima defesa especial para policiais, dando quase uma licença para eles matarem quando há conflito ou risco iminente de conflito, como prevenção de uma agressão.”

Advogado e membro do Conselho Estadual de Direito da Pessoa Humana (Condepe), Ariel de Castro Alves afirma que, “na prática, qualquer suspeito pode ser abatido, independentemente de estar cometendo crime, meramente porque o policial julgou que a pessoa é suspeita”.

“Os adolescentes e jovens, geralmente negros, já são as principais vítimas da polícia e, com o projeto, as proporções de jovens mortos pode aumentar muito”, diz Castro.

“Sabemos que a polícia brasileira é uma das que mais mata no mundo, e isso vai atingir os mais vulneráveis. A população carcerária é composta na imensa maioria por negros, pobres e jovens. Isso só vai contribuir para o aumento do encarceramento, que já é imenso”, afirma Yarochewsky. 

Segundo levantamento da Pastoral Carcerária, o Brasil tem 725 mil pessoas presas, atrás somente da China, com 1,6 milhão, e dos Estados Unidos, como 2,1 milhões.

A proposta prevê que “o juiz poderá reduzir a pena (do policial) até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção".

Castro, do Condepe, lembra que o PL propõe expressamente uma mudança no Código de Processo Penal (CPP) pela qual o agente poderá responder a inquéritos e processos em liberdade. “Isso aumentará a violência policial, porque quem investiga os policiais são os próprios colegas e não existe isenção. Então, os policiais poderão estar soltos ameaçando as testemunhas.”

Para Yarochewsky, não existe política criminal no projeto apresentado pelo ministro da Justiça. “O que existe é uma política autoritária, de endurecimento, uma política para a qual bandido, entre aspas, tem que morrer na cadeia.”

Para ambos os advogados, o já tão desprezado princípio constitucional da presunção de inocência é novamente atacado, agora pelo projeto de lei. Logo no início do texto, há uma mudança no Código de Processo Penal para assegurar a execução provisória de pena após condenação em segunda instância, que hoje prevalece em função de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), destaca Yarochewsky.

Ele lembra que essa decisão está sujeita a ser modificada, em razão da previsão do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44. “O mínimo, pelo menos em relação a esse ponto, seria esperar a decisão do Supremo”, diz o advogado. 

As ADCs, liberadas para julgamento pelo relator Marco Aurélio Mello, do STF, em dezembro de 2017, até hoje não entraram na pauta, o que deve acontecer em abril, por decisão do novo presidente da Corte, Dias Toffoli, empossado em setembro. 

Apenas por conta da execução antecipada da pena definida pelo STF, lembra Yarochewsky, mais de 20 mil pessoas já foram presas no país. Na opinião do criminalista, a situação vai piorar se o PL de Moro virar lei. “A essência do projeto é trancafiar e aumentar o encarceramento.”

Para Ariel, o projeto é também inconstitucional por violar o princípio da igualdade. “Segundo o artigo 5° da Constituição, todos são iguais perante a lei. Os policiais não podem estar acima ou fora das leis, mas subordinados às mesmas legislações. Mas estão recebendo licença para matar, contra o princípio da dignidade da pessoa humana segundo o qual o bem maior a ser assegurando pelo Estado é a vida.”

Ex-candidato à Presidência da República pelo Psol, Guilherme Boulos afirmou, em sua conta no Twitter, que o PL de Moro “é a legalização da pena de morte, sem julgamento, praticada por agentes públicos".

A afirmação de Boulos é pertinente, segundo Ariel, mas o advogado pondera: “Só que a pena de morte, onde vigora, é decorrente de um procedimento legal pelo qual a pessoa pode se defender, durante um processo. No caso do projeto de lei brasileiro, o policial mata e depois justifica. É uma espécie de lei do abate de jovens pobres”.