Para atacar presidente da OAB, Bolsonaro diz que sabe como seu pai morreu
Fernando Santa Cruz foi preso pelo DOI-Codi e desapareceu. Felipe Santa Cruz divulgou nota falando que Bolsonaro é cruel e não tem empatia
Publicado: 29 Julho, 2019 - 18h47
Escrito por: Redação CUT
Entre as várias declarações estapafúrdias que deu nesta segunda-feira (29), Jair Bolsonaro (PSL) deu uma que pode colocá-lo no lugar de cúmplice de um crime, como disse a deputada Gleisi Hoffmann, presidenta do PT.
Bolsonaro decidiu, mais uma vez, reclamar da atuação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na investigação do caso da facada, supostamente dada por Adélio Bispo, e de forma confusa e desconexa disparou contra o presidente nacional da entidade, Felipe Santa Cruz, dizendo que poderia dizer como o pai dele desapareceu durante a ditadura militar.
"Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB? Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele", disse de acordo com todos os portais de notícia do país.
Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira desapareceu em fevereiro de 1974, quando Felipe tinha dois anos. Ele foi preso por agentes do DOI-Codi com um amigo, Eduardo Collier, no Rio de Janeiro. Era estudante de Direito, funcionário do Departamento de Águas e Energia Elétrica em São Paulo e integrava o grupo Ação Popular Marxista-Leninista. Dona Elzita Santos Santa Cruz morreu com 105 anos sem saber o que tinha acontecido com o filho.
E Bolsonaro continuou a falar de forma descontextualizada, como sempre faz: “Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro”. No relatório da Comissão Nacional da Verdade, responsável pela investigação de casos de mortos e desaparecidos durante o período de repressão, não há registro de participação de Fernando na luta armada.
Gleisi Hoffmann foi uma das primeiras a se indignar com a fala de Bolsonaro. Por meio do Twitter ela disse: “Se Bolsonaro sabe como foi o desaparecimento do pai do presidente da OAB, sabe de um crime e não tomou nenhuma providência? Isso é corresponsabilidade. Bolsonaro é cúmplice e, a partir de hoje, réu confesso!”.
Bolsonaro sabe como foi o desaparecimento do pai do presidente da OAB, sabe de um crime e não tomou nenhuma providência? Isso é corresponsabilidade. Bolsonaro é cúmplice e, a partir de hj, réu confesso! https://t.co/XmrZa4YpEL
— Gleisi Lula Hoffmann (@gleisi) July 29, 2019
Felipe Santa Cruz divulgou uma nota lamentando o fato do país ter “um presidente que trata a perda de um pai como se fosse assunto corriqueiro”. Em um trecho da nota ele fala que Bolsonaro é cruel e não tem empatia.
Sobre a reclamação de Bolsonaro de que a OAB defendeu o advogado, o presidente da entidade diz que a garantia do sigilo da comunicação entre advogado e cliente é uma salvaguarda do cidadão, e não do advogado. Ele esclarece ainda que apenas o celular do advogado de Adélio foi protegido. “Jamais o do autor, sendo essa mais uma notícia falsa a se somar a tantas”. A informação sobre sigilo protegendo Adélio já foi confirmada como falsa.
“O que realmente incomoda Bolsonaro é a defesa que fazemos da advocacia, dos direitos humanos, do meio ambiente, das minorias e de outros temas da cidadania que ele insiste em atacar”, continua Santa Cruz na nota. “Por fim, afirmo que o que une nossas gerações, a minha e a do meu pai, é o compromisso inarredável com a democracia, e por ela estamos prontos aos maiores sacrifícios. Goste ou não o presidente”, conclui.
Repercussão na rede
Ex-presidente da OAB do Rio de Janeiro, o ex-deputado Wadih Damous escreveu nas redes que o ataque do presidente a Santa Cruz “mostra que somos governados por um verme”. “Bolsonaro é um lixo humano”, afirma Damous.
O ataque de Bolsonaro ao Presidente da OAB e a memória de seu pai mostra que somos governados por um verme.Ele já havia feito essa afirmação quando deputado e foi rebatido por mim na hora,da tribuna. Bolsonaro é um lixo humano.Receba um forte abraço, meu amigo Felipe Santa Cruz.
— Wadih Damous (@wadih_damous) July 29, 2019
Parlamentares também se posicionaram nas redes sociais. A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) escreveu que é indigno “ter de ler uma afirmação com este nível de covardia sobre pessoas que foram torturadas e assassinadas pela ditadura militar”. “A história do Brasil merece mais respeito, e respeito Bolsonaro não tem por nada”, diz.
“Bolsonaro cruzou qualquer fronteira de responsabilidade e respeito ao falar de uma forma tão violenta a um filho que perdeu seu pai”, publicou o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ). “Em meio à sua cegueira ideológica, Bolsonaro só consegue demonstrar ódio e raiva, sem nenhuma capacidade de diálogo. É inaceitável um presidente da República se comporte desta maneira.”
Nota de repúdio
Além de Felipe Santa Cruz, a OAB divulgou uma nota de repúdio às declarações de Bolsonaro. “Todas as autoridades do país, inclusive o senhor presidente da República, devem obediência à Constituição Federal, que instituiu nosso país como Estado Democrático de Direito e tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, na qual se inclui o direito ao respeito da memória dos mortos.”
A entidade observa que a Constituição de 1988 veda atentados contra os direitos humanos. Ela também se solidariza com as famílias dos mortos, torturados ou desaparecidos durante o regime militar, “atingidos por manifestações excessivas e de frivolidade extrema” de Bolsonaro.