Escrito por: Luiz Carvalho

Tempo de conciliação acabou

Em seminário da CUT sobre questão racial no atual contexto político, especialistas apontam que crise exigirá coragem para reconstruir estruturas

Roberto Parizotti
Rosane, Maria Júlia (Secretária de Combate ao Racismo da CUT) e Almeida durante abertura do encontro

Professores cobraram compromisso da esquerda com o combate ao racismo (Foto: Roberto Parizotti)
A ascensão dos discursos homofóbicos, machistas, racistas, xenófobos e racistas no Brasil e ao redor do mundo deixou explícito que avanços econômicos não são suficientes para mudar estruturas desiguais e preconceituosas encravada na alma dos povos.

Para essa transformação é preciso outro modelo que não o capitalismo, sinônimo de racismo, conforme apontaram os professores que abriram o seminário sobre a questão racial no novo contexto político brasileiro, que a CUT promoveu nesta quarta-feira (23), em São Paulo.

Segundo o professor de Direito na Universidade Mackenzie e presidente do Instituto Luiz Gama Silvio de Almeida, as reformas propostas pelo Legislativo e amparadas pelo Judiciário representam a disputa por recursos financeiros e conceitos de sociedade que adotaremos.

“A Constituição brasileira coloca como prioridade os direitos sociais, por isso é preciso destruir a Constituição como forma de inviabilizar saúde, educação e direitos sociais por meio de projetos como a PEC 55 (que congela investimentos em saúde e educação nos próximos 20 anos). Aí não precisa nem dar tiro para exterminar a população negra e impedir que dispute o orçamento”, definiu.

Diante disso, defende o professor, é preciso entender que o tempo de conciliação acabou. “Precisamos falar sobre como superar o capitalismo porque não dá mais para esperar, precisamos ir para além de negociações e pactos conciliatórios. A PEC 55 mostra não há mais disposição de uma camarilha que tomou conta do poder de negociar qualquer pacto. Estão dispostos a tudo, inclusive de tirar nossas vidas para impor projeto de poder. Não há mais conciliação possível.”

Cota para debate

Almeida acredita que as políticas afirmativas acumuladas nos últimos anos servirão para a resistência e ressaltou que o movimento negro deixou a discussão sobre política e economia em alto nível nas mãos dos brancos. “Isso resultou em um discurso racista que todas as instituições, inclusive sindicais, reproduzem.”

Como exemplo, o professor que é pós-doutor pelo departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Direito Político e Econômico, ressaltou que só é lembrado para os debates em 13 de maio e 20 de novembro.

“Isso fez com que eu repensasse algumas questões. Se você não me chama para discutir a reforma tributária, não vou aceitar ser chamado para discutir culpa de homem branco. Precisamos mudar, inclusive, para educar nossos companheiros brancos e brancas. Se queremos ter um país e um mundo melhores dentro desse jogo que se desenha, não podemos deixar a questão racial de fora. Não estou nem falando de ética, mas de política, o país é inviável com racismo, não dá para falar em democracia com racismo interferindo na equação. E para acabar com democracia basta aprofundar o racismo porque a base social é negra.”

Como se aprende racismo

O racismo que se expressa, aponta o professor, até mesmo nas instituições formadoras e destruidoras de valores.

“Há 20 anos estou na faculdade de Direito e posso afirmar que vai piorando e não melhorando as pessoas. Sujeito entra cheio de amor e esperança e sai de lá um grande leitor de parágrafos, insensível com algumas questões que tinha profunda sensibilidade. As instituições são racistas porque a sociedade é racista.”

Para ele, o STF (Supremo Tribunal Federal) também é exemplo disso. “Quando entra nas profissões jurídicas, piora ao quadrado, muitos no Supremo eram altamente respeitáveis, com viés progressista ou liberal, defendiam liberdade individual. A ministra Carmen Lúcia foi uma das maiores entusiastas da política de ação afirmativa. Desconsideramos o papel das instituições na formação dos sujeitos, na formação das mentalidades. E não agimos para mudar instituições e estruturas sociais.”

Silvio Almeida defende que a esquerda não será legítima se não tiver a luta contra o racismo em sua essência. “Quem é de esquerda tem que pensar na luta anti-racista. Se não pensa o racismo, não é de esquerda. Temos que recusar esse mundo e não aceitar certas coisas, ter o socialismo em nossa boca e repudiar algumas outras. O capitalismo é uma delas.

Dois países

Para expressar a necessidade de pensar a política de igualdade racial como disputa de hegemonia, a professora de Cultura e Comunicação da USP, Rosane Borges, disse que há dois Brasis no mesmo Brasil.

O primeiro, exclusivamente branco, ocuparia o 38º lugar no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). O segundo, negro, está na 110º posição.

“Quando pegamos dados do feminicídio, do genocídio da juventude negra, vemos que a pobreza está estruturada na questão racial. Se a esquerda não pensar isso, não vai pensar projeto concreto de desenvolvimento.”

Rosane também falou sobre o momento de ascensão conservadora e detectou que, para além do discurso fascistóide, o Brasil enxerga a volta de um nacionalismo combinado com políticas de costumes.

“É uma política que ataca os direitos reprodutivos, sexuais, de gênero, raça, racismo e de pluralidade. É um nacionalismo que ataca outra noção de família fora do Estatuto da Família, a concepção de uma religião que não concebe outros tipos de religião”, fala.

O que sempre fomos

De mesma forma que Silvio de Almeida, ela, também apontou que ao deixar de aproveitar os momentos de ouro no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de discussão das políticas de igualdade, os movimentos sociais perderam a oportunidade de confrontar o imaginário que move a concepção do outro.

“Enquanto as centrais não adotarem essas questões como eixo de disputa, deixamos margem de manobra para que fossem disputadas pela direita. A não leitura do que foi 2013 fez com que a direita capitalizasse mentalidades e imaginários, o que as pessoas queriam para além do pão. A guinada à direita tem a ver com o que sempre fomos. Lula dizia que no governo dele todo mundo ganhava, mas você não pensa em todo mundo ganhar bem se não atacar privilégios, inclusive da branquitude”, definiu.

A professora, porém, acredita que este momento de crise é justamente a grande oportunidade para mexer nas estruturas arcaicas do Estado brasileiro.

“Cabe a nós neste momento de reordenação do jogo ter a clareza de que não se disputa a hegemonia sem abordar o racial. A questão racial deve ser a questão central, se perdermos essa oportunidade, vamos perder também a chance de protagonizar a luta e o que é a população brasileira.”