Escrito por: Érica Aragão
Para mudar cenário, é preciso defender Lula e sensibilizar a massa para lutar pelas condições de vida. Para isso, é preciso segmentar o diálogo por classe, gênero, raça e geração, diz Maria Carlotto
Mesmo sabendo que uma das pautas da reunião da Direção Executiva da CUT, que começou nesta quarta-feira (11) e termina na quinta-feira (12), é decidir uma linha estratégica para a Central nos próximos anos, a professora da Universidade Federal do ABC e presidenta da Associação dos Docentes da universidade, Maria Caramez Carlotto, foi incisiva e disse que ia dar uns ‘pitacos’ na construção da estratégia.
Para conter o avanço do neoliberalismo de forma mais radical e destruir o plano de Jair Bolsonaro de acabar com os direitos e com os movimentos sindical e social é preciso que a classe trabalhadora mude a estratégia de luta, disse.
Foi assim que a professora Maria, convidada para fazer uma análise da conjuntura que ajudará a direção CUTista no debate que vai construir um plano de lutas baseado nas resoluções do 13º Congresso Nacional da entidade, iniciou sua fala.
De acordo com ela, para entender anecessidade de mudança da estratégia, é preciso voltar alguns anos atrás e foi nesta linha que ela iniciou o raciocínio. A crise do capitalismo nos anos de 1970, que impactou negativamente a lucratividade da elite, e forçou a burguesia dos países centrais, como Estados Unidos, a mudar suas estratégias em relação ao pacto do Estado de bem-estar social que tinham firmado no fim da segunda guerra mundial, tem tudo a ver com a mudança da estratégia desta mesma burguesia nos anos de 2008 e 2014, explicou.
Nos anos de 1970, os países centrais apontaram uma mudança no sistema financeiro internacional que influenciou o Brasil, como redução de verbas do Estado, as privatizações, a redução da participação e perseguição aos movimentos sociais e trabalhistas. Tudo muito parecido com as medidas que Bolsonaro e os ministros da Economia, Paulo Guedes e da Justiça, Sérgio Moro, estão querendo impor no país.
A professora cita a influência da política econômica mundial nos anos 1990, onde as agendas neoliberais radicais foram implementadas nos países da América Latina, que causou empobrecimento e aumentou o caos no país.
“Este período teve um resultado desastroso para a economia e para a área social do país e foi decisivo para se destruir parte do instrumento de desenvolvimento que a gente tinha nas mãos”, disse Maria, se referindo ao governo de Fernando Henrique Cardoso que ‘obedeceu’ recomendações internacionais e privatizou mais de 100 empresas.
“Isso é importante pra gente entender a gravidade da destruição dos instrumentos que sobraram como o BNDES, o Banco do Brasil e a Petrobras nesse exato momento”, complementa.
Segundo a professora, o crescimento da China, o avanço progressista na América Latina e só governos que contestavam estas medidas neoliberais, como Índia e Rússia, e que nos anos de 2000 esboçaram uma agenda alternativa fez com que os países centrais, mais especificamente os Estados Unidos, a partir de 2008 reeditassem esta decisão dos anos 1970.
“Entre 2008 e 2014 os países desenvolvidos do centro do sistema internacional, particularmente os Estados Unidos, resolveram que ou tomavam alguma providência ou seriam atropelados por essa coalizão de países”, destacou a professora, se referindo a articulação do bloco do Brics (Brasil, Rússia, Índica, China e África do Sul), que estava até criando um banco regional.
“Eles decidem que vão retomar o impacto, a sua influência ou poder sobre América Latina e essa decisão é visível nos sucessivos golpes de estado os que passam acontecer neste período”, destacou a professora.
Foi neste momento, afirmou, que a burguesia brasileira também mudou sua estratégia, porque o que eles imaginavam é que neste processo de reenquadrar a política com a dos americanos eles iam chegar ao poder por via eleitoral e “eles tinham certeza disso porque eles investiram muito neste processo”.
“Mas quando perderam eles mudaram outra vez de estratégia e decidiram que tomariam o poder de qualquer maneira”, afirmou.
Democracia Tutelar e a importância de Lula no processo eleitoral
A professora Maria Caramez Carlotto destaca que a partir de 2016, o Brasil volta a viver um estado de democracia tutelar. Isso porque, segundo a professora, para se colocar neste sistema internacional e explorar a mão de obra de forma intensa só podia ser através da ditadura ou com uma democracia tutelas, em que as forças da classe trabalhadora e a organização dos movimentos sociais são excluídas do processo democrático.
“É a chave decisiva para gente entender o impeachment da presidenta Dilma, mas sobretudo o porque da prisão do Lula”, disse a professora da UFABC, que complementou: “E também a chave para entender a importância da defesa da participação do Lula no processo eleitoral, porque é o caminho que é preciso percorrer para que a gente derrote essa tentativa de construir um sistema político onde só eles [a eleite e os Estados Unidos] possam jogar”.
Lava Jato
Maria também contou que existe uma pesquisa de um sociólogo que analisou a circulação Internacional de procuradores do Ministério Público. Ela conta que ele pegou no Diário Oficial todos os afastamentos de procuradores de 2013 pra frente e descobriu onde eles circularam, quem financiou e qual era o objetivo.
“Através deste mapa a gente vê claramente que quem financiou a circulação desses procuradores foi os Estados Unidos e eles viajavam basicamente também para os Estados Unidos com objetivo de importar uma tecnologia chamada Lawfare”, contou Maria.
“Então é preciso entender que a luta contra a Lava Jato é também muito importante”, destaca a professora.
Pacote anticrime de Moro
O pacote anticrime de Moro faz parte deste sistema dos Estados Unidos, que na verdade são medidas de repressão social, o que sufoca a resistência dos movimentos sociais e sindicais.
“A resistência à prisão, que está colocado neste pacote, e que é uma coisa que acontece muito com a repressão policial em manifestações, a pena aumenta para quase 30 anos, fora uma série de medidas que a gente precisa olhar que é parte essencial da estratégia neoliberal”, afirmou Maria.
Mudanças estratégicas
A professora disse que, assim como os Estados Unidos e a burguesia brasileira mudaram de estratégias para tomar o poder, para resistir e avançar nas lutas sociais e sindicais é preciso que os movimentos sindical e social também mudem.
Ela destaca que as mudanças não passam por abandonar a via eleitoral, “esse é um caminho importante que a gente tem”.
Segundo ela, é preciso entender que no contexto de democracia tutelar a via eleitoral precisa ser sustentada por uma estratégia de organização e mobilização social muito mais forte do que a gente vinha trabalhando. “A aliança com os movimentos sociais será muito importante”, afirmou.
Gênero, raça e juventude
Segundo a professora Maria Caramez Carlotto, de as mobilizações sociais precisam ser como as que vêm acontecendo nos países da América Latina, mas para isso, afirmou, é preciso sensibilizar as pessoas para virem para luta.
“Precisamos tocar bem no íntimo destas pessoas e plantar o desejo de lutar e o aspecto que eu acho muito importante é entender a centralidade que a questão de gênero, raça, geração, classe e as condições de vida das pessoas que vão ter daqui para frente”.
“É desafiador, mas o sistema capitalista não funciona se não tem um sistema patriarcal e sem o sistema de racial. Não é uma estratégia de período antigo que vai superar naturalmente é estruturante, da dominação dentro do sistema capitalista, e a maior prova disso é que feminicídio e os crimes raciais não diminuem com a expansão do capitalismo, pelo contrário, eles aumentam”, destacou.
Ela também destaca a importância do engajamento da juventude na luta da classe trabalhadora. “É uma juventude qualificada e que não está aplicando em suas áreas. Tem engenheiros que estão trabalhando de UBER, advogados que viraram ambulantes, entre outros”.
“Estes são recortes decisivos no momento político que estamos vivendo, porque se você olhar na última pesquisa da Datafolha a aprovação do Bolsonaro caiu mais intensamente entre os que têm renda mais baixa, portanto a classe trabalhadora, entre as mulheres no nordeste, que estão mais concentrados os negros e as negras, e entre os jovens. É essa a nossa base para construir um novo projeto de país”, destaca.