Para Dilma, o oligopólio da mídia tem origem nas relações com a ditadura militar
A presidenta afirmou que a mídia ocupa um papel fundamental no seu processo de impeachment, porque além do papel de formadora de opinião, no Brasil, ela ainda joga como importante ator econômico
Publicado: 08 Junho, 2018 - 16h11 | Última modificação: 08 Junho, 2018 - 16h41
Escrito por: Redação CUT
Às vésperas de lançar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência da República, na cidade de Contagem, em Minas Gerais, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) participou de um debate sobre mídia e política no Brasil, em Porto Alegre, nesta quinta-feira (7). O evento, além de marcar os 8 anos do Sul21, também funcionou como lançamento do livro “Enciclopédia do Golpe vol. II – O Papel da Mídia”, produzido pelo Instituto Declatra.
Além de Dilma, estiveram presentes na mesa, a organizadora da obra, a jornalista Maria Inês Nassif, o repórter do Sul21 Marco Weissheimer e o advogado Antonio Escosteguy Castro, mediador do debate.
Dilma começou sua fala colocando que o Brasil é um dos poucos países da América Latina que não tem uma “mídia tradicional política”.
“Acho interessante discutir o porquê nós tivemos essa imensa dificuldade de romper a barreira, só tivemos nos últimos tempos a Carta Capital. Quero adiantar a resposta dizendo que, talvez, seja porque tenhamos um dos maiores níveis de concentração econômica. Acho que a oligopolização na mídia tradicional é extremamente elevada e tem origem nas relações entre a mídia e a ditadura militar. Sabemos que foram muito estreitas”.
O processo de concentração econômica, lembrou Dilma, fica claro quando a Oxfam aponta os irmãos Marinho, da família proprietária das Organizações Globo, entre as maiores fortunas do Brasil.
“Ou seja, há uma concentração de dinheiro e de poder. Esse processo explica as barreiras criadas. Eu lembro bem, na crise de 2007-2008, há um início de tentativa de jornais internacionais, como o El País, de entrar no Brasil produzindo mídia tradicional. Eles conseguem chegar somente às redes sociais, porque não havia regulamentação. Toda a questão do controle privado e dos percentuais de participação internacional foram julgados a favor da imprensa nacional concentrada. É interessante, porque quando se trata, por exemplo, de distribuidora de petróleo, não há problema, impera o livre mercado e pode entrar todo mundo. Agora, quando se trata da mídia e dos bancos, “a regulação sempre foi bastante estrita”.
A ex-presidenta defendeu ainda que, desde o início do primeiro governo Lula, houve uma disputa. Em 2006, em meio a capas de jornais sobre o mensalão, ela conta que assistiu “a primeira característica de golpe” de sua vida, depois do golpe de 1964.
Segundo Dilma, foi feita uma proposta para que Lula anunciasse que não concorreria às eleições presidenciais daquele ano, enquanto isso deixariam o mensalão livre.
“Essa proposta não veio através de canais jurídicos, veio através de canais políticos. E ela estava baseada numa frase do Jorge Bornhausen (antigo PFL), que dizia, ‘vamos deixá-los sangrar e derrotar esse pessoal para o resto de sua existência’. Então, não precisava fazer um processo de impeachment contra Lula, bastava estender o julgamento do mensalão”. O PT, no entanto, conseguiu a reeleição.
Mídia e o impeachment
Dilma afirmou que a mídia ocupa um papel fundamental no seu processo de impeachment, porque além do papel de formadora de opinião, no Brasil, ela ainda joga como importante ator econômico. É a presença dela junto à classe média, por exemplo, que torna o Judiciário uma estrela.
“É preciso ter uma casca de tartaruga ou um couro bem grosso de jacaré para aguentar que falem mal de você todo dia. Não é trivial isso. Não é só de você. Isso incomoda sua família, seus amigos, seus companheiros. Mas, é um processo também que, ao inverso, é verdade. Tem couro suave e aveludado aquele que é festejado e cumpre esse papel de espetáculo”.
Para Dilma, o uso do tema “corrupção” sempre foi uma tradição na imprensa brasileira como “ferramenta de desconstrução das personalidades populares políticas”. Ela acredita que tenha sido assim desde Getúlio Vargas, “que cria o Estado brasileiro”. Antes de Getúlio, segundo a ex-presidente, tínhamos uma Velha República pior do que o Segundo Império.
“Com a chegada conflituosa do Getúlio Vargas, vamos ter o início do uso da corrupção como arma de destruição política. O que é bastante moderno, de parte dos nossos golpistas. É o uso da teoria do inimigo. O inimigo tem que ser destruído, senão fisicamente, do ponto de vista da cidadania e do aspecto civil de uma sociedade”, explica ela.
Dilma diz ver ironicamente o fato de que o PT seja visto como culpado pelos escândalos de corrupção. Primeiro, porque nos três governos do partido houve investimento em instituições e legislação para combater à corrupção, o que permitiu que investigações viessem à tona. Para ela, no entanto, também foram criadas as condições para que a corrupção fosse usada para “destruição” de certos setores políticos. O uso seletivo de vazamentos e o “mercado das delações premiadas”, para ela, ilustram isso.
Golpe ou não?
Dilma lembrou ainda da disputa de narrativa colocada antes mesmo da votação do impeachment, sobre “se era ou não golpe”. Uma disputa que teria iniciado com a interpelação da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, questionando porque a presidente dizia que “estava em curso no país um golpe”, porque era “inimaginável, um presidente falar mal do próprio país”. Na resposta de Dilma, entre as razões, ela dizia que o crime de responsabilidade era uma excrecência porque não poderiam acusá-la de ter conta na Suíça ou outros indícios de corrupção.
A disputa de narrativa fica explicíta, para ela, quando a TV Globo pede direito de resposta a um artigo escrito pelo atual vereador do Rio de Janeiro, David Miranda (Psol), cinco dias após a votação do impeachment na Câmara dos Deputados, com o título “A razão real que os inimigos de Dilma Rousseff querem seu impeachment”. A resposta do grupo de mídia, que chama o artigo de Miranda de “enganoso”, veio assinada por João Roberto Marinho.
Na avaliação de Dilma, a disputa foi vencida por seu campo, graças às entrevistas que conseguiu junto à imprensa internacional. “Hoje, eles evitam falar de porque é golpe. É muito difícil esconder que a agenda adotada foi a agenda derrotada em quatro eleições consecutivas. Reforma da Previdência, teto dos gastos públicos, terceirização, venda e ativos da Petrobrás, dolarização e atrelamento dos preços internos do petróleo a isso. Esse processo é complexo, porque a mídia joga todo o poder que tem”.
“Enciclopédia do Golpe vol. II – O Papel da Mídia” e a Disputa da narrativa
Organizadora da “Enciclopédia do Golpe vol. II – O Papel da Mídia”, obra que faz uma crítica à mídia, a jornalista e cientista social Maria Inês Nassif, defendeu a tese de que “o golpe foi sendo tecido lentamente”. Ela acredita que na campanha de 2002, que terminaria na primeira eleição de Lula, já havia sinais de uma aliança entre mídia e mercado, que temiam a vitória do petista.
Durante os anos de governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), diz ela, a mídia segurou a popularidade do governo durante todo o tempo. O que vem depois do tucano é o momento “em que a mídia tradicional se assume como verdadeiros partidos políticos”.
Na época da ditadura, segundo Maria Inês, os corpos de redações eram diversos na posição ideológica de seus jornalistas. Em 2003, na troca de governo, porém, ela avalia uma “unificação das redações”, que “deixam de ser linha de produção de notícias, exigindo comprometimento ideológico [do operário da notícia]. Cargos de chefia, por exemplo, são aqueles que não podem discordar, porque “são as vozes dos donos”.
Maria Inês lembrou de um livro escrito por Perseu Abramo nos anos 1990, comparando a organização de redações com a de partidos políticos. Nessa visão, ela diz que o primeiro produto dessa articulação da “imprensa assumida como partido” foi “a criação do mito do Mensalão”, que “penalizou José Dirceu” na construção da narrativa empreendida pela imprensa.
“A gente discute muito [na Enciclopédia do Golpe] o que é verdade, mentira e narrativa. A narrativa é uma forma de organização dos fatos, mas o jornalismo, tem uma ética que é a base de tudo, que é a verdade”, explica. Segundo ela, muitas vezes, fatos são tratados como verdade, sem qualquer tipo de checagem. “Se, hoje, a gente for ler os autos do Mensalão, a gente vai perceber que, os fatos não foram relatados como eram, a narrativa foi construída em cima de questões pouco convicentes. Agora, com o uso constante da repetição, foi algo que tornou fato em verdade”.
O caso do tríplex do Guarujá é a culminância disso, diz Inês. Uma matéria publicada pelo jornal O Globo, a partir de um documento vazado, dá origem à uma denúncia do Ministério Público. Mais tarde, em janeiro deste ano, a peça de condenação contra o ex-presidente Lula também citou a reportagem do jornal carioca.
“A gente contemplou a mídia [no livro] porque a gente considera fundamental o papel dela no processo. A intenção também foi com vistas ao futuro, quem trabalha na academia sabe que, se você quer reconstituir alguma coisa do passado, a primeira coisa que você faz é ir atrás de quem tem arquivo. Quem tem arquivo é quem pode manter esse arquivo. A História também está nas mãos da mídia tradicional. Nós resolvemos deixar o nosso relato para o futuro”, afirmou Inês.