PSDB perdeu controle do ódio que insuflou, diz especialista
Cientista político analisa as manifestações do último domingo
Publicado: 16 Março, 2016 - 11h38 | Última modificação: 17 Março, 2016 - 11h43
Escrito por: Igor Carvalho
No último domingo (13), setores da direita foram às ruas reivindicar, mais uma vez, um golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (PT), eleita democraticamente em outubro de 2014. Em entrevista ao portal da CUT, o cientista político e sociólogo Rudá Ricci criticou os organizadores e alertou para a precariedade do projeto político da direita para o País.
Os atos do último final de semana vieram na esteira da midiatização da “Operação Lava-Jato”, coordenada pelo juiz Sergio Moro, que cede às tentações do populismo e lança mão de arbitrariedades como a condução coercitiva do ex-presidente Lula para saciar a sanha das elites por sangue petista. Vazamentos como o que ocorreu com o depoimento do senador Delcídio do Amaral, divulgado com absoluta parcialidade, denunciando apenas petistas e ocultando o senador Aécio Neves (PSDB), alavancaram as manifestações.
Porém, a “Operação Lava-Jato” não conseguiu atingir as classes populares, que preferiu não ir aos atos. Segundo o Datafolha, a maioria das pessoas que estiveram nas ruas no último domingo, na avenida Paulista, eram de elite. O instituto aponta que 24% dos manifestantes ganham de 10 a 20 salários mínimos e 26% recebem 10 salários mínimos. Somente 6% recebe até dois salários mínimos e 8% de 2 a 3 salários mínimos.
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o senador Aécio Neves (PSDB) foram expulsos do ato e tiveram que ser escoltados para a saída do ato enquanto eram xingados. Para Rudá Ricci, os tucanos perderam o controle da oposição. “O PSDB foi irresponsável de 2014 para cá. Insuflaram o ódio e a fulanização da política. Alimentaram um discurso visceral e caminharam nitidamente para a lógica macarthista. A estratégia não poderia ser outra. Rapidamente, o denuncismo e a fulanização atingiram FHC, Aécio Neves, Renan Calheiros e Eduardo Campos”, afirma o cientista político.
Confira a entrevista completa com Rudá Ricci:
CUT - Pesquisa do Datafolha indica que 24% dos manifestantes ganham de 10 a 20 salários mínimos e 26% ganham 10 salários mínimos. Metade dos manifestantes, portanto, ganham pelo menos R$ 8 mil por mês. Como o senhor avalia essa elitização das manifestações?
A elitização já estava anunciada durante o segundo turno das eleições de 2014. Não há relação alguma com as manifestações de junho de 2013, juvenis e autonomistas. No segundo turno já se formavam coletivos “aecistas” em várias regiões do país e nossa equipe do Instituto Cultiva monitorou mais de 15 mil participantes em São Paulo e Recife, uma inovação na política nacional. Em março do ano passado, as manifestações anti-lulistas indicavam maioria jovem e escolarizada, de classe média. Em abril, já havia mudança no perfil: acima de 40 anos e com renda muito acima da média, ou seja, classe média alta. O centro nervoso é São Paulo, terra da valorização da meritocracia ou da ética do trabalho. Assim, nega-se qualquer política distributiva porque premiaria potencialmente os menos preparados ou menos batalhadores. O conceito de batalhador, inclusive, veio à tona para embaralhar ainda mais a leitura da realidade social brasileira. A meritocracia já tinha sido disseminada no final dos anos 1990, subjacente à noção de empregabilidade, ou seja, o emprego estaria vinculado ao esforço de atualização do candidato ao emprego. Em outras palavras, o desemprego seria culpa do desempregado desleixado. Da meritocracia paulistana nasce o racismo contra os migrantes e os pobres. E a dura crítica às políticas distributivas que gerariam inflação, aumento do gasto público, formação de curral eleitoral e passividade dos pobres. Esta é a origem das manifestações da alta classe média. Lembremos, finalmente, que somos um país de 200 milhões de habitantes. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, somente 1% da população brasileira pertence à classe A1, 4% pertencem à classe A2, temos 24% de brasileiros na classe social B.
CUT - Apenas 6% dos manifestantes recebe até 2 salários mínimos. Os mais pobres, a classe trabalhadora, está inserida nessa insatisfação com o governo?
Os pobres estão quietos. Não bateram panelas e não saíram às ruas. Mas estão muito frustrados e irritados - até mesmo ressentidos - com a guinada da política social lulista aos de governo de Dilma Rousseff. A queda vertiginosa dos índices de popularidade do governo federal de 2014 é indicador cabal desta insatisfação. Contudo, a última pesquisa CNT/MDA indicou melhoria da avaliação popular sobre o governo, justamente após certo recuo da política de austeridade com a queda do ministro Joaquim Levy. Enfim, a parte mais sensível do corpo humano é o bolso. Os mais pobres em nosso país sempre viram a disputa política como disputa entre elites. O diferencial não é a moral, mas o que os governos fazem para melhorar sua vida. Pesquisa do IBOPE de 2006 sobre corrupção deixou nítido o que os pobres pensam sobre o tema no Brasil: todos partidos e todos governos sempre se vincularam ás elites econômicas.
CUT - Em caso de queda da presidenta Dilma, a oposição tem algum projeto para o País?
A oposição propôs, nas eleições de 2014, o pacote de Dilma, só que ainda mais ortodoxo. Trata-se de uma política monetarista, que levou a Grécia ao tsunami social e econômico. Recentemente, Renan Calheiros apresentou a Agenda Brasil a partir de negociações com o alto empresariado de São Paulo e Rio de Janeiro. Trata-se do receituário dos anos 1990. Algo ultrapassado que revela a ausência de formulação das elites econômicas brasileiras, altamente dependentes do Estado. Esta, inclusive, é a base para o atual momento que vivemos: nosso empresariado não consegue formular um projeto nacional porque não possui diagnóstico algum. Há tempos terceirizou sua alma e elaboração para consultorias particulares, muitas delas, oriundas das universidades que procuram desesperadamente financiamento para pesquisas e até mesmo para sua sobrevivência. Vivemos, há tempos, o circuito da mediocridade em nosso país.
CUT - Políticos de direita, principalmente Aécio Neves e Geraldo Alckmin, foram vaiados e expulsos das manifestações. Como o senhor vê essa crítica aos tucanos? Ela pode abrir caminho para uma liderança de extrema direita como Jair Bolsonaro?
O PSDB foi irresponsável de 2014 para cá. Insuflaram o ódio e a fulanização da política. Alimentaram um discurso visceral e caminharam nitidamente para a lógica macarthista. A estratégia não poderia ser outra. Rapidamente, o denuncismo e a fulanização atingiram FHC, Aécio Neves, Renan Calheiros, Eduardo Campos, num rosário de acusações que foi alimentando a convicção sobre a degradação do sistema partidário. A manifestação de domingo revelou que o PSDB perdeu o controle desta ciranda irracional. Entrou na roda. Agora, abre-se uma avenida para a classe média sulina escolher o seu outsider de plantão.