Para salvar vidas, prefeito de Araraquara adota o lockdown mais rígido do país
“Somente com a população unida a cidade sairá desta situação”, afirma Edinho Silva que está preocupado com a ocupação de 100% dos leitos e com a nova cepa de Manaus que chegou em Araraquara
Publicado: 23 Fevereiro, 2021 - 08h00 | Última modificação: 23 Fevereiro, 2021 - 15h10
Escrito por: Andre Accarini
A cidade de Araraquara, no interior de São Paulo, que chegou a ser considerada referência mundial no combate à pandemia do novo coronavírus, atualmente, atravessa uma das mais críticas situações em todo o território nacional e é a primeira cidade brasileira onde foi decretado lockdown total.
Nos primeiros 45 dias do ano, a cidade teve 80% do total de casos de Covid-19 registrados em todo ano de 2020. Os números alarmantes obrigaram o prefeito Edinho Silva (PT) a decretar o lockdown a partir de 15 de fevereiro.
A medida teria duração de 14 dias, porém, com baixa adesão da população (começou com 70% no primeiro dia e chegou a 41% no quinto dia), a curva de contaminação continuou crescente e o prefeito seguiu as orientações dos cientistas, mandou analisar o vírus e tomou medidas ainda mais restritivas de circulação de pessoas na cidade.
“Cerca de 50% dos testes deram positivo para a Covid-19 nestes dias e vários desses casos já são da nova cepa, a de Manaus, de contágio muito mais rápido e agressivo”, diz Edinho Silva explicando porque reforçou a quarentena na cidade.
Na última sexta-feira (19), o prefeito editou um novo decreto instituindo o ‘lockdown total’ ou ‘lockdown de 60 horas’, que teve início no domingo (21), ao meio-dia e dura até às 23h59 desta terça.
“Se dois ou três dias serão suficientes para diminuir a curva de contaminação eu não sei. A ciência, os números, é que vão demonstrar. Mas, se Araraquara não estiver unida nesta hora, não conseguiremos nos recuperar”, diz Edinho.
Ruas vazias
Medidas desta natureza geram desconforto, mas são necessárias. Pessoas não podem circular pelas ruas da cidade, não há transporte coletivo, supermercados funcionam apenas pelo sistema de pedidos remotos e entrega em domicilio (delivery), postos de combustíveis também fecharam, com exceção ao atendimento a veículos oficiais. Apenas as farmácias continuaram abertas.
Em contraste com a corrida aos mercados e postos de combustíveis na noite da sexta-feira (19) e no sábado (20), com pessoas enfrentando filas para garantir o abastecimento – seja no carro ou na despensa, em casa – para este período de dois dias, no domingo à tarde as ruas já estavam desertas.
Tetê Viviani/Prefeitura de AraraquaraTetê Viviani/prefeitura de Araraquara
Pelas redes sociais da Prefeitura, houve relatos de aglomerações e circulação de pessoas em alguns bairros da cidade. A fiscalização foi reforçada para prevenir, conter e orientar pessoas sobre os cuidados necessários neste momento.
“Claro que um decreto não consegue dar conta de todas as relações existentes, mas o objetivo é diminuir aglomerações e nós estamos fiscalizando de forma rígida tudo o que possa gerar aglomeração. Quem realmente tem que se locomover, tem que justificar”, disse o prefeito.
Tetê Viviani/Prefeitura de Araraquara
A aposta é de que com o sacrifício e a conscientização da população a curva volte a cair e a cidade possa – aos poucos – voltar à sua rotina, com reabertura do comércio, as atividades profissionais e, claro, “os encontros familiares”, ressalta Edinho Silva.
Ele reforçou também que a diminuição da contaminação é prioridade “para que não se viva na cidade o que se viveu em Manaus”, onde, lembra o prefeito, pessoas morreram asfixiadas e os médicos tiveram de enfrentar a situação de “escolher quem seria internado”.
Edinho Silva alerta ainda que a situação da cidade deve ser repetida pelo resto do país. “As infecções da nova variante do vírus em Araraquara não são um ponto fora da curva. O que enfrentamos aqui hoje é o prenúncio de algo ruim que pode estar por vir", afirmou.
Guerra de 60 horas contra a Covid
Em pronunciamentos à população de Araraquara, Edinho Silva, deixou clara sua preocupação com o sistema de saúde da cidade, que entrou em colapso na semana passada quando 100% dos leitos de UTI foram ocupados nos hospitais da cidade.
Mesmo a prefeitura, em parceria com a Secretaria estadual de Saúde, tendo ampliado a oferta de leitos, há fila de espera. Somente em uma das unidades de Pronto Socorro da cidade, no bairro do Melhado, foram instalados mais 30 leitos. Mas o número de casos continuou aumentando e o sistema de saúde da cidade perde a corrida para a Covid, no momento. De acordo com o prefeito, também está sendo ampliada a capacidade de produção de oxigênio na cidade.
Por isso, de acordo com Edinho, é a capacidade de isolamento que dirá quantos dias a cidade prosseguirá neste nível de restrição. “O mais importante agora é salvarmos vidas e impedirmos a necessidade de leitos, que não temos para ofertar”, ele diz.
A culpa é de quem?
A responsabilidade por esta situação é coletiva, diz Edinho Silva. O prefeito apontou a responsabilidade da sociedade para o aumento de casos. “Infelizmente, o crescimento aconteceu por causa de encontros familiares, festas, o pouco cuidado, o não isolamento e o desleixo com uso de máscara”, ele afirmou.
E os araraquarenses concordam. André Rodrigues, 31 anos, controlador de acesso, diz que é preciso o povo entender que o quanto antes a curva diminuir, mais rápido a cidade voltará ao normal.
“Creio que essas 60 horas de lockdown não serão suficientes, mas se a população ajudar, se todos fizerem sua parte, a curva de transmissão vai diminuir bastante e dar um alívio nos hospitais que pedem socorro”, ele diz.
Para Edinho Silva, sendo coletiva a responsabilidade pelo aumento de casos, é coletiva também a responsabilidade para salvar Araraquara.
Só nós mesmos é que podemos, juntos e não divididos, tirar Araraquara dessa situação
Mirela Brunelli, 52 anos, também concorda com o prefeito. Ela diz que é importante o povo se conscientizar para a cidade poder sair da situação crítica. Para ela, a “atitude do prefeito foi corajosa e necessária porque tem que ser assim. Ele está fazendo o possível e a população tem que fazer sua parte”.
A funcionária pública Mirela Simões, de 31 anos, vai na mesma linha de raciocínio. Para ela, o lockdown foi a única medida que poderia ter sido tomada para esta situação. “Não ia ter jeito. Embora rígida e extrema para muitos, com certeza vai dar resultados para combater a transmissão”.
Tetê Viviani/Prefeitura de Araraquara
Números
Em 2020, no total, 92 pessoas morreram vítimas da Covid-19 em Araraquara. Somente em 2021, o número, praticamente, dobrou. eram 181 mortos até a manhã desta terça-feira (23),segundo dados oficiais da Prefeitura.
De acordo com o último boletim epidemiológico, 231 pacientes estão internados. Destes, 165 estão em enfermaria e 66 estão na UTI. Do total de internados, 189 são moradores de Araraquara e 42 são de outros municípios e foram transferidos para hospitais da cidade.
Vacinação
Araraquara está entre as 15 cidades que mais vacinaram em todo o estado de São Paulo. Dados do Vacinômetro, ferramenta do Governo do Estado de SP elaborada para monitorar a imunização, apontam que foram aplicadas até esta segunda-feira, 17.262 doses da vacina, sendo 14.098 a primeira dose e 3.164 a segunda dose.
• Edição: Marize Muniz