Escrito por: Leonardo Wexell Severo, de Assunção

Paraguai: Greve em solidariedade a crucificados da linha 49

Trabalhadores em transporte dizem basta aos abusos do governo Cartes

Leonardo Severo
Embaixo de lonas, trabalhadores crucificados na calçada em frente ao Ministério do Trabalho

Protesto expõe a cumplicidade do governo Cartes com os abusos empresariaisEnormes pregos de aço rasgam a carne das mãos e vão ao encontro das cruzes de madeira deitadas lado a lado na calçada em frente ao Ministério do Trabalho, Emprego e Seguridade Social do Paraguai. Um gesto desesperado que traz profundas recordações sobre a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989) e obriga a reflexões sobre o papel dos poderes executivo, legislativo e judiciário em uma democracia, bem como da imprensa que tem servido aos seus setores mais reacionários. Mas tão marcante quanta a decisão coletiva de crucificar-se para denunciar a criminosa e covarde perseguição patronal é a solidariedade que emana dos trabalhadores de transporte da linha 49 de ônibus de Assunção.

Eles foram demitidos pelo simples fato de organizar um Sindicato e perseguidos pela “lista negra” que fecha as portas para todo aquele que busca seus direitos constitucionais. Com os filhos obrigados a abandonarem os estudos por falta de material escolar, vendo a fome bater à sua porta, a decisão foi tomada. Tão dolorosa e dolorida quanto inevitável, creem.

Assim, desde o dia 30 de junho estão crucificados, embaixo de lonas, entre as ruas Herrera e Paraguari, no centro de Assunção, para denunciar a criminosa ação antissindical tomada pelo dono da empresa, deputado Celso Maldonado. Contando com a imunidade emanada da cumplicidade do governo do presidente Horacio Cartes, e particularmente do seu ministro do Trabalho, Guillermo Sosa, o parlamentar-proprietário demitiu 51 trabalhadores ilegalmente. E na mesma linha de perseguição e criminalização dos movimentos sociais adotada por Cartes, os deixou sem salários nem direitos.

No total são 14 companheiros pregados em cruzes - 11 acampados em frente ao Ministério do Trabalho - um deles acompanhado de sua esposa, e três em frente à Parada 49, clamando por justiça. Na retaguarda, ajudando com a coleta de recursos para a sustentação do movimento, um grande número de trabalhadores se reveza no enfrentamento a problemas cotidianos, que vão desde a alimentação, a cuidados básicos com a saúde e higienização. À medida que passa o tempo, os gastos com os medicamentos - como soro e antibióticos - vão aumentando, assim como o cheiro forte que toma conta do local.

Maria Candia, secretária-geral da Federação Paraguaia de Trabalhadores do Transporte“Estamos preparando uma greve geral do transporte para os próximos dias 2 e 3 de novembro, onde além do reconhecimento da entidade da Linha 49, com o respeito irrestrito à liberdade sindical, cobraremos a reincorporação de todos os demitidos”, afirmou a secretária-geral da Federação Paraguaia de Trabalhadores no Transporte, Maria Candia. Na pauta da paralisação, explicou, estão o rechaço ao aumento ilegal de passagem de cerca de 50% - recentemente aplicado pelos empresários após terem obtido subsídio governamental - e a estruturação de uma política de transporte com inclusão social.

Para Maria Candia, é evidente a sintonia fina existente entre o deputado e o ministro “sempre em defesa dos interesses da empresa”. “O fato é que os companheiros estão trabalhando até 18 horas diárias, sem direito a dormitório, sem sanitário, sem piso salarial, com os ganhos arrochados. E em vez de agir para regularizar esta situação, os Ministérios do Trabalho e do Transporte agem para encobrir as irregularidades”, denunciou a sindicalista.

Esposa de Marcos Deudan, Norma Bogado disse que se somou ao movimento “sem pensar duas vezes”. “Acreditava que pelo fato de ser mulher o meu envolvimento sensibilizaria mais o governo e repercutiria mais nos meios de comunicação. Infelizmente o que posso ver, passado tanto tempo, é que esse deputado, que deveria dar o exemplo, só pensa em enriquecer, enquanto o governo tapa tudo com dinheiro, contando com o apoio da mídia”, acrescentou Norma.

Miguel Garcete, secretário-geral do Sindicato da Linha 49“Eu só queria saber o quanto deram ao ministro para nos torturar assim. O tratamento dispensado a nossas reivindicações pelo presidente Horacio Cartes mostra o seu humanismo”, ironizou o secretário-geral do Sindicato da Linha 49, Miguel Garcete, também pregado à cruz.

Com uma caixinha improvisada, Adan Soto faz a sua parte na ação em frente ao Ministério. Ele recolhe contribuições para sustentar o movimento, comprar alimentos e remédios para os companheiros, cada vez mais debilitados. “Nos ajudamos entre todos, pois falta de tudo. Tenho dois filhos, Matias e Kevin, com dez e sete anos. Para comerem todo dia eles não estão indo à escola, pois não tenho dinheiro para o material”, explicou.

No país uma entidade sindical não pode representar o conjunto da categoria, apenas uma microscópica parte dela, o que deixa a representação extremamente vulnerável a chantagens e imposições. A insignificância numérica - os Sindicatos são formados a partir de 20 membros somente - faz com que os patrões e governos criem suas próprias entidades, com direções escolhidas a dedo para dividir a classe, negociando o rebaixamento de salários e direitos. Neste quadro perverso, o exemplo dos trabalhadores da Linha 49 tem repercutido, com suas feridas expostas, para quem quiser ver.