Paralisação de caminhoneiros em apoio a Bolsonaro tem assinatura do agronegócio
Lideranças sindicais apontam que mobilização é uma articulação do agronegócio para estimular caminhoneiros ‘´fanáticos’ a bloquearem rodovias dando visibilidade ao golpismo autoritário de Bolsonaro
Publicado: 09 Setembro, 2021 - 15h16 | Última modificação: 09 Setembro, 2021 - 15h48
Escrito por: Andre Accarini
Sem ter declarado nenhuma reivindicação justa como reclamar dos altos preços dos combustíveis, que encarecem os fretes e inviabilizam o trabalho, grupos isolados de caminheiros estão bloqueando rodovias em vários estados. A motivação, anunciada pelos próprios manifestantes, é o apoio ao presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL) e suas pautas antidemocráticas e inconstitucionais, como os ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a declaração feita no ato da terça-feira (7) em São Paulo, de que não vai mais obedecer a decisões judiciais.
Para o presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga (Sinditac) de Ijuí-RS Carlos Alberto Litti Dahmer, trata-se de uma articulação de empresários do agronegócio para estimular profissionais da categoria que ainda apoiam o presidente a protestarem em favor do governo.
“Foram dois braços que se uniram – o braço financeiro e econômico do agronegócio e o braço dos chamados patriotas que idolatram Bolsonaro, ou sejam, juntou quem tem dinheiro com quem é fanático numa tentativa de mostrar força ou tentar um golpe”, diz o caminhoneiro autônomo, que é também diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL/CUT).
Litti cita ainda dois fatos que apontam para essa articulação. Um deles é o comboio de caminhões que ocuparam a Esplanada dos Ministérios em Brasília, todos novos, com emblemas de empresas. “A média de idade de caminhões de autônomos é de 20 anos”, diz.
Outro fato é o mapa das manifestações. “Se você olhar a concentração dos bloqueios, eles acontecem em estados com produção agrícola intensa, como Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul e próximo às rotas de escoamento da produção agrícola”, afirma o diretor da CNTTL.
Ele explica que a partir do entendimento desta realidade, a maior parte da categoria não aderiu, sabendo que não se trata de reivindicações das pautas reais dos caminhoneiros.
“É um locaute, claramente”, reforça o dirigente, se referindo a paralisações comandadas pelos patrões e não pelos trabalhadores.
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Em nota, a CNTTL afirma que a entidade, que representa cerca de um milhão de trabalhadores do setor, não compactua com nenhuma manifestação antidemocrática, que tente macular a democracia".
“Temos lutado, desde 2018 quando realizamos a maior greve da história do Brasil, pela seguinte agenda de lutas: a constitucionalidade do Piso Mínimo de Frete; o retorno da Aposentadoria Especial aos 25 anos de serviço e o direito ao voto em trânsito, ou seja, que os caminhoneiros possam votar para cargos eletivos fora do seu domicilio”, diz trecho da nota.
O recuo
Um áudio de WhatsApp que chegou a suscitar dúvidas sobre sua veracidade, mas confirmado posteriormente pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, traz Bolsonaro fazendo um apelo aos caminhoneiros para que recuem da mobilização .
O deputado estadual Nilton tatto (PT-SP), em entrevista à repórter Marilu Cabanas, do Jornal Brasil Atual, afirmou se trata de um “jogo de cena” da parte do presidente. Ele destaca que tanto os bloqueios de caminhoneiros, assim como os atos antidemocráticos de 7 de Setembro foram ações financiadas por setores do agronegócio, que desde os primeiros dias apoia Bolsonaro e sua pauta retrógrada.
“Bolsonaro fez essa fala, mas todo mundo sabe que, por baixo, está mobilizando para paralisar”, disse o deputado.
Para Carlos Alberto Litti Dahmer, o governo deve ter analisado o grau de risco deste movimento e recuou. “Foi um tiro no pé. Chegaria a hora em que cairia a ficha dos caminheiros sobre o preço do combustível, do frete, das dificuldades da categoria e como o governo não quer perder o controle do movimento, voltou atrás”, diz.
Nas redes, vários manifestantes criticaram Bolsonaro por “abandonar o barco da ‘revolução’”. Até mesmo o procurado caminhoneiro e Youtuber Marcos Antônio Pereira Gomes, o Zé Trovão, mandou recado ao presidente cobrando uma mensagem ‘autêntica’.
Zé Trovão disse nas redes que “perdeu a vida por defender o presidente” e exige que o próprio Bolsonaro apareça em vídeo pedindo o cancelamento dos protestos.
Reações
Associações de diversos setores da economia já se pronunciaram, alertando para riscos que o movimento representa para o abastecimento e já informaram impactos.
Entre os setores estão a indústria têxtil, a indústria plástica, a indústria farmacêutica que afirmam já ter problemas com a distribuição da produção, em especial nos estados do Sul do país, além da indústria de alimentos. O setor afirma enfrentar problemas na volta dos portos onde há o despacho de cargas para outras localidades do país e do mundo.
Representantes de fabricantes de eletrônicos e eletrodomésticos também se pronunciaram ressaltando o risco de paralisação de linhas de produção já que caminhos com insumos estão parados em bloqueios.
Edição: Marize Muniz