Parlamentares cobram clareza sobre contas da Previdência
Principal preocupação em audiência sobre reforma é a dúvida quanto à veracidade dos dados
Publicado: 17 Fevereiro, 2017 - 15h12 | Última modificação: 17 Fevereiro, 2017 - 15h23
Escrito por: Hylda Cavalcanti, da RBA
Críticas a mudanças na Previdência dos servidores públicos, falta de transparência nos dados do governo sobre o déficit previdenciário, a situação dos estados com os regimes próprios e até alertas sobre a possibilidade de as regras que estão sendo impostas pela reforma virem a ser contestadas no Judiciário, posteriormente. Estes são alguns dos itens que foram objeto de discussão e polêmica entre parlamentares governistas e da oposição hoje (16).
Audiência pública sobre a reforma foi realizada na Câmara dos Deputados, pela comissão especial que avalia a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287 – referente a mudanças nas regras previdenciárias do país, pretendidas pelo governo de Michel Temer. Mas o que mais causou estranheza até agora foi a apresentação de tantos dados diferentes sobre um mesmo tema.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, afirmou que a proposta “quebra as regras de transição de outras reformas já realizadas no serviço público federal”. Cavalcanti disse ainda que essa ruptura das regras poderá ser questionada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O representante da ANPR lembrou que sua declaração tem como base o fato de o STF já ter decidido que regras de transição não produzem expectativa de direito, mas devem ser respeitadas. De acordo com o procurador, o sistema previdenciário do servidor público da União já está equacionado para as próximas décadas, conforme o que foi dito pela ex-ministra do Planejamento Miriam Belchior, após a aprovação das reformas. “Não quero partidarizar esta discussão, até porque muitos técnicos são os mesmos que estão trabalhando hoje, mas é importante afirmar isso neste espaço”, disse.
Cavalcanti lembrou que Miriam Belchior teria dito que em 30 anos a previdência do setor público federal passaria a ser superavitária. Ele também afirmou que as idades fixadas nas regras de transição, propostas pela PEC 287, vão criar problemas por serem arbitrárias. “Um homem que entrou em 2002 no serviço público com 35 anos de idade e sem tempo anterior terá 51 anos na eventual aprovação da emenda e praticamente não seria atingido pela reforma. Já outro que começou a trabalhar com 15 e está com 49 anos hoje teria que aguardar até os 65 anos”, exemplificou.
O presidente da ANPR ainda chamou a atenção para a necessidade de se rever as idades mínimas de 55 e 60 anos, determinada para os servidores mulheres e homens, embora seja verdade que os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tenham média de idade mínima de aposentadoria de 65 anos. Eles teriam expectativa de vida de 81 anos e, aqui, ela ainda não teria chegado a 74 anos.
Representante do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques afirmou que a reforma do regime de previdência dos servidores públicos já foi feita e não deveria ser modificada. Segundo Marques, aproximadamente 37.600 servidores já contribuem para a previdência complementar porque, desde 2013, todos que entram no serviço público já estão limitados ao teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). “Além disso, outras reformas já reduziram os valores de quem entrou antes”, acrescentou.
‘Proposta desonesta’
Marques chamou a proposta de reforma que está em tramitação no Congresso de “desonesta”. De acordo com ele, a PEC 287 não deveria ser proposta em um momento como este, de “crise e de desaceleração da economia, quando todas as contas pioram”. Para o representante do Fonacate, as contas da Seguridade Social não são transparentes e a proposta encaminhada pelo Executivo ao Congresso não explica qual será a correção dos benefícios assistenciais, nem das pensões.
Marques destacou, ainda, que o Fonacate apresentará emendas para tentar manter a retirada de 20% dos menores salários do cálculo do benefício de aposentadoria dos servidores. Cláusula que, pelo texto original da PEC, está garantida apenas em relação aos que são enquadrados no regime geral de previdência.
A discussão entre os deputados sobre dúvidas a respeito da situação deficitária ou superavitária das contas da Previdência levou a pedidos para realização de estudos por parte de entidades públicas e tribunais. Muitos parlamentares aproveitaram a audiência para lembrar declarações feitas, ontem, pelo secretário de Previdência Social do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, no mesmo espaço. Caetano afirmou que algumas contas do sistema previdenciário apresentam superavit até 2015, porque não incluíram despesas importantes, como o déficit do sistema dos servidores públicos.
Técnicos e o representante do fórum pediram que seja realizada uma auditoria pública destas contas por parte do Tribunal de Contas da União (TCU). Os deputados também solicitaram trabalhos equivalentes sobre tais contas por parte do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), bem como órgãos e entidades correlatas.
Por parte do governo, nesta quinta-feira, o participante da reunião foi o técnico do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão Narlon Nogueira, para quem “a pior situação nos regimes próprios de servidores públicos é a dos estados”. Segundo ele, o déficit previdenciário nos estados aumentou de R$ 31 bilhões, em 2011, para R$ 89 bilhões, em 2016. E o regime dos servidores da União, no mesmo período, se manteve estável em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), embora some R$ 77 bilhões, entre civis e militares.
Deste déficit, de acordo com Narlon, R$ 37,6 bilhões são do sistema de servidores civis, R$ 34 bilhões de militares e R$ 5,5 bilhões de sistemas especiais (existem no país, hoje, 2,2 milhões de servidores entre ativos e inativos). Sua fala, entretanto, não foi considerada suficiente para convencer os integrantes da comissão.
“A primeira desmistificação que precisamos fazer é que os números falem por si. Precisamos ver estudos e análises que nos levem a um consenso sobre o que, de fato, acontece em relação às contas previdenciárias apresentadas para sabermos quais são as verdadeiras e as que estão equivocadas”, reagriu a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) ao se dirigir ao técnico. “Há tabelas que estão sendo apresentadas aqui por representantes do governo que chegam a ser absurdas”, acrescentou.
Equidade e CPI no Senado
“É óbvio que vamos analisar os dados apresentados, mas vamos analisar também a questão da equidade entre os brasileiros. Lutaremos para evitar que a mudança das regras leve a uma previdência ainda mais injusta”, destacou Jandira.
“Não temos dúvida de que essa batalha não será tranquila na sociedade brasileira. Estamos procurando atuar nesta comissão de forma respeitosa, mas sabemos que a tramitação deste item será muito tensa. Se a tendência continuar sendo a de considerar iguais os desiguais teremos gravíssimos problemas com as regras de aposentadoria e estamos dispostos a lutar contra isso nessa comissão”, disse Arlindo Chinaglia (PT-SP).
No Senado, Paulo Paim (PT-RS) afirmou que a proposta poderá ter um efeito recessivo na economia dos municípios. Paim recolhe, desde o início da semana, assinaturas junto aos colegas para requerimento que pede a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar as contas da Previdência.
O senador lembrou, durante pronunciamento no plenário, que um estudo da consultoria do Senado apontou impacto na economia das pequenas cidades, mostrando que em 70% dos municípios os recursos provenientes da Previdência superam os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). “São, por isso, fundamentais para a saúde financeira dessas cidades”, acrescentou ele.
“Temos a convicção que uma CPI vai mostrar que a Previdência não é deficitária, que não precisa fazer a reforma. Por que ter medo da CPI? Quem não deve, não teme”, provocou.