PCdoB recorre a Marco Aurélio em ação que pode libertar Lula
Partido recorreu ao Supremo em função da demora da presidenta da Corte, ministra Cármen Lúcia, em pautar outro pedido de liminar feito em abril
Publicado: 26 Junho, 2018 - 17h30 | Última modificação: 26 Junho, 2018 - 17h50
Escrito por: Redação CUT
O PC do B ingressou na manhã desta terça-feira (27) com um pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) para que o ministro Marco Aurélio Mello conceda liminar em Ação Direta de Constitucionalidade (ADC 54) sobre presunção de inocência, tornando sem efeito qualquer decisão que permita a execução provisória automática da pena após condenação em segunda instância.
Se o ministro, que deu entrevista a uma rede de TV portuguesa neste fim de semana dizendo que a prisão de Lula é ilegal, conceder a liminar, milhares de homens e mulheres e o ex-presidente Lula, presos injustamente por conta da decisão do STF de permitir a prisão depois da condenação em segunda instância, antes de esgotados todos os recursos legais, poderão ser liberados. E lula poderia recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao próprio Supremo, em liberdade.
A petição – subscrita pelos advogados Celso Antonio Bandeira de Mello, Weida Zancaner Bandeira de Mello, Geraldo Prado, Michel Saliba Oliveira, Gabriel de Carvalho Sampaio e Paulo Machado Guimarães – lembra ainda que em duas oportunidades foi solicitada por Marco Aurélio a análise do pedido de liminar pedido pelo PD do B, em abril, pelo pleno do STF, em abril e maio, mas a presidente do STF, Cármen Lúcia, não colocou na agenda.
Em abril, o partido entrou com uma ADC contra a antecipação automática da pena após decisão em segunda instância, pedindo também a concessão de medida cautelar impedindo a execução antecipada das penas até que o STF deliberasse sobre o tema.
"Passados mais de 30 dias do último despacho (e mais de 60 do primeiro), acentua-se uma situação de todo insustentável à segurança jurídica e à defesa da liberdade em nosso Estado Democrático de Direito. Situação que restará ainda mais dramática com a perspectiva de que o recesso forense postergará por, no mínimo, mais 30 dias, totalizando mais de 100 dias, a espera pela apreciação do Pleno de pedido liminar urgente e de graves consequências à coletividade", atesta o documento.
Leia a íntegra da petição, assinada pelos juristas Celso Antonio Bandeira de Mello, Weida Zancaner Bandeira de Mello, Geraldo Prado, Michel Saliba Oliveira, Gabriel de Carvalho Sampaio e Paulo Machado Guimarães:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MARCO AURÉLIO, D.D. MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E RELATOR DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE n. 54
Ref. ADC nº 54
PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL, devidamente qualificado nos autos em epígrafe, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por seus advogados abaixo subscritos, expor e requerer o quanto segue.
Conforme destacado na petição inicial, dois fatos centrais marcam o atual cenário de aplicação do art. 283 do Código de Processo Penal e dos dispositivos constitucionais contidos no art. 5º, incisos LVII e LXI: i) a consolidação de expressiva maioria (apenas dois votos contrários) a rechaçar a antecipação automática da pena após decisão em segunda instância; e, ii) formou-se maioria neste STF favorável ao entendimento de que o art. 283 do CPP é compatível com o art. 5º, LVII, da CF, a partir da mudança do voto do Ministro Gilmar Mendes no HC 152752[1], e – aparente – manutenção do voto da Ministra Rosa Weber quanto ao mérito da questão.
Os argumentos aduzidos na ação tem sido, inclusive, esposados por renomados juristas, como o Professor Lênio Streck, que afirmou em recente coluna publicada, em 18 de maio último, pelo jornal Folha de São Paulo:
(…)O que poucos se deram conta é que nem o Supremo Tribunal Federal concorda com essa automaticidade. Só dois ministros (Luiz Fux e Roberto Barroso) votaram pela solução radical. Desde o ministro Teori e até mesmo pelo voto do mais conservador dos ministros, hoje, Edson Fachin, essa solução foi apresentada. Eles falaram “possibilidade” de prisão. Isso quer dizer que a prisão em segundo grau não decorre simplesmente da decisão condenatória.
Tem-se, assim, um impasse: dos cinco ministros que desconsideram a presunção da inocência (atenção: a ministra Rosa disse ser a favor da presunção), três admitem que ela é apenas possível (Cármen, Fachin e Moraes). (…). Se todos confirmarem seus votos (mesmo que a ministra Rosa vote contra a presunção), as prisões automáticas são todas inconstitucionais e ilegais.
Raciocinemos: se a prisão após decisão de segundo grau é possível, então, por lógica, há casos em que ela não ocorrerá, porque não necessária. Logo, para ela acontecer, devem estar presentes os requisitos que permitem a prisão antes do julgamento. Se o réu não os tiver e ingressar com recurso especial e/ou extraordinário, então poderá aguardar em liberdade. Simples assim. Isso está implícito no voto do ministro Teori no HC 126.292 e no voto do ministro Fachin, que aponta, inclusive, para o efeito suspensivo que pode ser dado ao recurso especial ou até mesmo ao extraordinário, tudo previsto no Código de Processo Civil de 2015.
Na medida em que apenas os ministros Luiz Fux e Roberto Barroso querem a automaticidade — eu levantei essa questão e foi repetida no voto do ministro Gilmar Mendes no julgamento do HC de Lula —, tem-se que, para vingarem as prisões determinadas sem fundamentação, será necessário que o STF construa nova maioria, obrigando o próprio ministro Fachin a endurecer ainda mais o seu voto. Somente se o Supremo tiver seis votos pela automaticidade é que, por exemplo, a prisão de Lula poderá ser mantida. Só que disso surge um problema. Se o STF assim decidir, qualquer decisão de segundo grau ou decisões em instância única (prefeitos, deputados) acarretarão — sempre — prisão direta, sem choro nem vela. Esses são os danos colaterais. Todos serão presos. (STRECK, Lenio Luiz. Prendam-nos todos! Folha de S. Paulo, 18/05/2018)
Lamentavelmente, diversas ordens de prisão tem sido expedidas em todo o país em desconformidade com o entendimento desta Suprema Corte, o que assume maior relevância diante do reconhecido quadro de “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro[2] e da consequente restrição ao relevante papel cumprido pelo STJ e por este Supremo Tribunal Federal na correção de injustiças praticadas em casos concretos que afetam a liberdade de milhares de cidadãos.
Dados das Defensorias Públicas do Estado de São Paulo e do Estado do Rio de Janeiro, já acostados aos autos (peça 34), confirmam esta assertiva, merecendo ainda registro:
Levantamento feito pelo Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo evidencia que pelo menos 13.887 mandados de prisão foram expedidos pelo Tribunal de Justiça paulista após acórdão de segundo grau, no período compreendido entre 18.02.2016 e 04.04.2018, com fundamento em um único habeas corpus, qual seja, o HC nº 126.292.
Tais dados não se alteraram muito no ano de 2017, o que demonstra que as decisões de segundo grau continuam a não observar a jurisprudência das Cortes Superiores. Nesta toada, o respeito à garantia constitucional da presunção de inocência seria instrumento impeditivo de milhares de injustiças. De acordo com dados estatísticos compilados também pelo Núcleo de Segunda Instância e Tribunais Superiores da Defensoria Pública do Estado de São Paulo no ano de 2017, foram recebidas 19.411 intimações. Tais intimações apontam média anual de 26% de decisões liminares concessivas de ordem em sede de habeas corpus impetrados somente pela DPSP no STJ. Em relação a decisões de mérito concessivas de ordem, tal percentual sobe para 44% em 2017, o que significa que 8.552 pessoas estavam cumprindo pena de maneira ilegal.
Somente em agosto de 2017, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo recebeu 4.025 intimações do STJ relativas a habeas corpus impetrados por ela, dos quais 1.214 foram concessivos de ordem, seja em sede liminar, no mérito (concessiva ou de ofício), ou seja, 1214 pessoas estavam cumprindo pena de maneira ilegal.
Essas e outras milhares de pessoas, ao iniciar o cumprimento da pena a partir de condenação em segunda instância, estarão cumprindo-as de maneira ilegal, tanto que o índice de reforma nos tribunais superiores é elevado. (LIMA, Leonardo Biagioni, et allí. Presos pobres livres em segunda instância? Um olhar mais atento muda a perspectiva. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/presos-pobres-criminal-instancia-14042018, acesso: 24/06/2018. Grifo nosso.)
Com efeito, é certo que, por duas oportunidades, a primeira em 19 de abril e a segunda em 22 de maio últimos, Vossa Excelência, com suporte no art. 21 da Lei 9.868, de 1999 e art. 21, IV, do RISTF, solicitou a inclusão da análise do pedido de liminar formalizado nesta ação em pauta do Pleno.
Passados mais de 30 dias do último despacho (e mais de 60 do primeiro), acentua-se uma situação de todo insustentável à segurança jurídica e à defesa da liberdade em nosso Estado Democrático de Direito. Situação que restará ainda mais dramática com a perspectiva de que o recesso forense postergará por, no mínimo, mais 30 dias, totalizando mais de 100 dias, a espera pela apreciação do Pleno de pedido liminar urgente e de graves consequências à coletividade.
Frise-se, nesse sentido, que sequer o acordão do HC nº 152.752 foi publicado, mesmo passados mais de 80 (oitenta) dias de proclamada a decisão, contrariando, ainda, o disposto na resolução 536/2014 desta Corte que estabelece prazo de 60 dias para referida publicação.
O fato é que diversos cidadãos sofrem os impactos morais, corporais e materiais do cerceamento em seu direito à liberdade, a partir de decisões que ainda não encontram suporte em orientação segura desta Corte a respeito da possibilidade e limites da execução provisória da pena privativa de liberdade.
Destarte, diante do excessivo ônus suportado pelo cidadão em face do não julgamento pelo Pleno do pedido de liminar pleiteado nesta ação, afigura-se como de todo adequada a solução que restaure o máximo respeito ao princípio de liberdade, qual seja, a concessão da medida cautelar pleiteada, ad referendum do Plenário.
Para tanto, é cabível a aplicação, por analogia, do disposto no parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.882, de 1999, a exemplo do que ocorrera em sede da ADPF 444[3], à luz do que já foi exposto sobre a extrema urgência da medida, acentuada pela proximidade do recesso forense, bem como, pelo perigo de lesão grave, que se concretiza a cada dia a milhares de cidadãos presos sem que haja orientação segura desta Corte a respeito da possibilidade e limites da execução provisória da pena.
Diante de todo o exposto, requer a concessão da medida liminar, ad referendum do Tribunal Pleno, a fim de: i) impedir e tornar sem efeito qualquer decisão que importe em execução provisória de pena privativa de liberdade sem a existência de decisão condenatória transitada em julgado; ii) tornar sem efeito, ao menos até o julgamento do mérito deste processo constitucional, qualquer decisão de prisão após condenação em segunda instância decretada sob o fundamento de que é obrigatória a execução antecipada da pena – suspendendo-se, igualmente, a súmula 122 do TRF-4, a Portaria nº 1 da Terceira Turma do TRF-1, a Portaria nº 1 da Quarta Turma do TRF-1, e quaisquer outras análogas expedidas por tribunais ou órgãos fracionários de segunda instância, por afronta à decisão do STF no HC 126.292 e nas liminares das ADC 43 e 44, uma vez que somente dois votos apontaram para a automaticidade da prisão; iii) subsidiariamente, impedir e tornar sem efeito qualquer decisão que importe em execução provisória de pena privativa de liberdade antes da existência de decisão condenatória transitada em julgado de forma automática, sem fundamentação a indicar a presença dos requisitos previstos no artigo 312 do CPP.
Nestes termos,
- Deferimento.
Celso Antonio Bandeira de Mello
OAB/SP 11.199
Weida Zancaner Bandeira de Mello
OAB/SP 36.388
Geraldo Prado
OAB/RJ 46.484
Michel Saliba Oliveira
OAB/DF 26.694
Gabriel de Carvalho Sampaio
OAB/DF 55.891
Paulo Machado Guimarães
OAB/DF 5.358
[1] Ressalta-se que, até o momento, não houve publicação do acórdão. Consta como último andamento do processo o despacho do ministro relator Edson Fachin, publicado em 25/06/2018, atendendo a pedido da defesa, determinando que sejam tomadas as providências junto à Secretaria da Corte, para fins de cumprimento das disposições da Resolução-STF nº 536, de 2014, que estabelece o prazo de 60 dias para publicação do acórdão.
[2] Reconhecido em sede da ADPF 347, relator Min. Marco Aurélio. http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo798.htm
[3] Decisão do ministro relator, Gilmar Mendes, disponível na íntegra em: https://www.conjur.com.br/dl/adpf-444-conducao-coercitiva.pdf. Acesso: 24/0