Escrito por: RBA

Pecuarista é condenado em R$ 300 mil por prática de trabalho análogo à escravidão

“Carlinhos Boi” negou irregularidades, mas Ministério Público afirma que condições eram sub-humanas

MPT

A Vara do Trabalho de Corumbá (MT) condenou o pecuarista Carlos Augusto de Borges Martins, o “Carlinhos Boi”, por prática de trabalho análogo à escravidão em sua propriedade. Ele é dono da Fazenda Rancho Nossa Senhora Aparecida e do Sítio Retiro Tamengo. A condenação foi de R$ 300 mil por danos morais. O Ministério Público do Trabalho (MPT) considerou a sentença “histórica”. Por ser decisão de primeira instância, cabe recurso.

Segundo a denúncia, havia um casal trabalhando sem qualquer registro em carteira e sem exame admissional. “A irregularidade foi identificada por investigadores da Polícia Civil, com apoio de integrantes da Polícia Militar Ambiental que faziam inspeção no local”, informa o MPT. “Todo o ambiente insalubre, onde o trabalhador e sua companheira viviam em situações degradantes, foi registrado por meio de fotos.”

Sem exame ou registro

De acordo com o Ministério Público, o casal “foi recrutado e supervisionado pelo empregador e seus dois filhos sem a realização dos exames médicos admissionais/demissionais e sem registro em carteira de trabalho”. Assim, a situação – registrada em autos de infração por auditores-fiscais do Trabalho – constatada nos autos de infração, lavrados por auditores-fiscais do Trabalho – “aponta total descaso do réu com o trabalhador resgatado e sua esposa, deixando-os à mercê da própria sorte, fato que ocasionou indenização por dano moral individual”.

O MPT pediu R$ 75 mil de reparação ao trabalhador. Já o empregador contestou o valor. Por fim, a juíza do Trabalho Lilian Carla Issa aceitou parcialmente o pedido e condenou o empresário a pagar indenização de R$ 10 mil para o trabalhador. Além disso, ele deve anotar o contrato na carteira e pagar verbas salariais e rescisórias.

Sem pagamento e com dívida

O relato do trabalhador, diz ainda o MPT, revela condições sub-humanas. Ele estava no local havia pouco mais de dois meses. Era contratado por empreitada (R$ 60 por hectare de terra roçada). “Entretanto, o trabalhador afirmou nunca ter recebido um único pagamento e disse que já estava com uma dívida superior a R$ 2 mil junto ao seu patrão, referente à alimentação fornecida durante o período em que o casal permaneceu no local”, relata a Procuradoria.

As condições de habitação na fazenda eram “precárias e desumanas”, acrescenta e MPT. “O casal morava em um barracão improvisado, de chão batido, com paredes e telhado feitos de caixas plásticas, madeiras e lonas. Não havia móveis, utensílios básicos e instalações sanitárias adequadas, obrigando-o a fazer suas necessidades no mato. Antes mesmo de habitar no alojamento improvisado, o trabalhador e sua companheira foram menosprezados pelo pecuarista, sujeitos a morar, durante um mês, em um chiqueiro de porcos.” Mesmo depois de ir para o barracão, “o trânsito de suínos era livre por todo o alojamento do casal”. Retirada do rio Paraguai, a água não tinha tratamento. O casal, “isolado e privado de locomoção, dependia dos patrões para fornecer alimentos, o que nem sempre ocorria, sujeitando-os a doações dos vizinhos para conseguir comer”.

Sem a mínima dignidade

O proprietário confirmou ser o responsável pela contratação, mas disse que o funcionário realizava “changas” (trabalho temporário). E afirmou que não devia nada ao trabalhador, porque havia levado mantimentos ao casal.

“O trabalhador resgatado pela Inspeção do Trabalho não estava registrado em CTPS, não foi submetido a exames médicos admissionais/demissionais e laborava sem que lhe fossem proporcionadas condições de mínima dignidade: sem EPIs, sem alojamento digno, limpo e salubre, sem água potável, sem instalações sanitárias, sem local para preparo e consumo de alimentos, sem lavanderia, sem materiais de primeiros socorros, além de outras irregularidades constatadas”, afirmou o procurador do Trabalho Hiran Sebastião Meneghelli Filho, autor da ação.