Escrito por: Rodrigo Martins - Carta Capital

Pedro Parente, o senhor do caos

Festejado pela mídia, o executivo deixa rastro de destruição em sua passagem pela Petrobras. Ele tem expertise nisso...

José Cruz/aBr

Responsável pela política de preços praticada pela Petrobras que empurrou o País para a maior crise de desabastecimento das últimas décadas, Pedro Parente deixou o comando da estatal no início de junho. Legou para o seu sucessor, Ivan Monteiro, um gigantesco abacaxi. Desde julho do ano passado, o valor do litro do diesel e da gasolina aumentou mais de 50%.

A escalada é fruto da estratégia de manter a paridade com o mercado internacional e promover reajustes “a qualquer momento, inclusive diariamente”, como informa um comunicado da companhia de junho de 2017.

Os aumentos repassados automaticamente aos consumidores figuram entre as principais queixas dos caminhoneiros, que sofriam com o desaquecimento da demanda e a consequente redução do valor do frete.

A megaparalisação da categoria escancarou ainda a dependência dos derivados importados, após a Petrobras priorizar a exportação de óleo cru, em detrimento do refino, como denunciaram os petroleiros em greve de advertência.

Desde o início da crise, Parente participou de uma maratona de videoconferências com investidores. Tentou convencer que os repasses automáticos, que ampliaram os lucros da empresa e permitiram a distribuição de dividendos mais gordos, não seriam interrompidos por “ingerência política”.

Após o governo prometer aos caminhoneiros reduzir 46 centavos do preço do diesel nas bombas e congelar os valores por 60 dias, aumentaram, porém, as desconfianças sobre a manutenção da política de preços.

Michel Temer estaria realmente disposto a assumir o ônus de promover mais cortes no Orçamento e criar impostos para ressarcir a estatal? A sociedade aceitaria mais sacrifícios para cobrir os subsídios ofertados aos transportadores e manter intocado o lucro dos acionistas da Petrobras?

Desde que assumiu, Monteiro busca tranquilizar os investidores. Em seu primeiro comunicado oficial, dirigido aos empregados da Petrobras, o novo presidente da estatal agradeceu o “excepcional trabalho” de Parente e disse que o alinhamento de preços com o mercado internacional é essencial para a companhia cumprir “seu papel de gerar riqueza e desenvolvimento”.

Parece, no entanto, levemente inclinado a rever certas distorções. A Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis anunciou na terça-feira 5 que pretende abrir uma consulta sobre a possibilidade de interferir na periodicidade dos reajustes dos combustíveis. A ideia é estabelecer prazos mínimos para as mudanças de preço.

A Petrobras dispôs-se a “colaborar com as discussões”, ressaltando que uma política de preços “com maior previsibilidade” pode resultar em maior competição, “ao mesmo tempo que mantém a liberdade para a formação de preços”.

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Monteiro foi levado à Petrobras ainda na gestão Dilma Rousseff por Aldemir Bendine, ex-presidente da estatal e do Banco do Brasil, condenado por corrupção em janeiro deste ano pelo juiz Sergio Moro. Engenheiro de formação, Monteiro fez carreira no BB, onde se tornou um dos principais colaboradores de Bendine.

Na Petrobras, deu início ao primeiro grande plano de venda de ativos da estatal. Ainda no período petista, rifou um patrimônio de 13,6 bilhões de dólares. Com a chegada de Parente, foi convidado a permanecer na diretoria financeira. Ampliou a meta do programa de desinvestimentos da companhia de 15 bilhões para 21 bilhões de dólares até 2018.

Há quem não se iluda. “Monteiro tem o mesmo DNA de Parente, com essa sanha de vender ativos da Petrobras, privatizar tudo o que for possível”, afirma José Maria Rangel, coordenador da Frente Única dos Petroleiros.

O movimento parou as atividades das refinarias nacionais por dois dias, e só retornou ao trabalho após a ministra Maria de Assis Calsing, do Tribunal Superior do Trabalho, aumentar de 500 mil para 2 milhões de reais a multa diária imposta à categoria. “Foi uma clara tentativa de intimidação, para criminalizar o movimento sindical. Fizemos uma greve de advertência e não havia risco de desabastecimento, os estoques das refinarias estavam cheios. A paralisação dos caminheiros gerou consequências muito mais graves para o País e em momento algum vi o TST se manifestar.”

Apesar do fim precoce da greve de “72 horas”, Rangel acredita que o movimento terminou com um saldo positivo. “Subimos nas boleias dos caminhões e qualificamos o debate. A população não sabia por que estava pagando mais caro pelos combustíveis.

Além de promover reajustes diários e abusivos, a Petrobras passou a exportar óleo cru e importar derivados de petróleo, deixando as refinarias nacionais com uma ociosidade de até 30%”, afirma o dirigente. “A queda de Parente também é uma vitória. Embora esteja alinhado à estratégia do antecessor, Monteiro não tem o mesmo estofo político de Parente.

Pode tentar colocar tudo à venda, mas não vai conseguir. Com a proximidade das eleições, parece que o governo o colocou em campo para atrasar a bola para o goleiro até o fim da partida.”

Do início da paralisação dos caminhoneiros ao anúncio da saída de Parente, a Petrobras perdeu mais de 137 bilhões de reais em valor de mercado. Após conduzir o País para uma gigantesca crise de desabastecimento, só comparável ao caos provocado pelos fracassados planos econômicos de José Sarney e Fernando Collor, o tucano deixa a administração pública com o epíteto de “Senhor dos Apagões”.

Ministro da Casa Civil de Fernando Henrique Cardoso, Parente foi um dos protagonistas da crise energética de 2001. A escassez de investimentos em geração de eletricidade e as privatizações mal planejadas impuseram aos brasileiros um drástico racionamento que perdurou por nove meses. Ainda assim, a população e as empresas tiveram de conviver com as constantes interrupções no fornecimento, um prejuízo superior a 45 bilhões de reais, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União. A crise enterrou os planos do PSDB de “ficar 20 anos no poder”, como vaticinava o falecido Sérgio Motta (na verdade, desde então os tucanos nunca mais ganharam uma disputa presidencial).

Para evitar o colapso do sistema, FHC determinou uma redução compulsória de 20% do consumo para os habitantes do Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, o maior racionamento da história, em intensidade e abrangência.

Parente foi destacado para liderar a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, também conhecido como “Ministério do Apagão”, que traçou um plano emergencial de incentivos para a construção de usinas termelétricas, de forma a aumentar a capacidade do sistema em 2,2 mil megawatts.

Muitos acordos celebrados com a iniciativa privada foram, no entanto, considerados lesivos aos cofres públicos e alvos de batalhas judiciais. Um dos episódios mais emblemáticos foi citado pela Associação dos Engenheiros da Petrobras em maio de 2016, quando ainda se discutia a nomeação de Parente para a presidência da estatal

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Em carta endereçada a Luiz Nelson Guedes de Carvalho, presidente do Conselho de Administração da Petrobras, a entidade rememorou o multimilionário prejuízo causado por Parente em um negócio firmado com a MPX, de Eike Batista, para a construção da TermoCeará, apelidada de “TermoLuma”, em alusão à ex-mulher do empresário Luma de Oliveira. Pelo contrato, a estatal dispôs-se a fornecer gás para movimentar a usina e a assegurar, por cinco anos, um preço mínimo de 58 dólares por megawatt-hora. Em troca teria direito à metade do lucro obtido com a geração de energia.

O problema é que a termelétrica praticamente não funcionou desde a inauguração, devido à drástica redução da demanda em um cenário no qual as hidrelétricas, a um custo muito menor, eram capazes de abastecer o País. Com a generosa garantia oferecida à MPX, a petroleira ficou com um passivo de 334 milhões de dólares, a serem pagos durante os 65 meses de vigência do contrato.

O dano poderia ser evitado. O negócio foi aprovado pelo Conselho de Administração da Petrobras, então presidido por Pedro Parente, em março de 2002, quando o racionamento havia acabado e os reservatórios das hidrelétricas estavam cheios.

“Não havia nenhuma razão para, após o fim do racionamento, a Petrobras dar as garantias para esta usina”, observa a carta da associação dos engenheiros. “Pedro Parente, como ministro-chefe da Câmara de Gestão da Crise, tinha conhecimento pleno da situação do setor elétrico, da queda da demanda e das perspectivas de preços baixos para o mercado spot de energia.”

Algum tempo depois, Ildo Sauer, então diretor de Gás e Energia da Petrobras, insistiu para a estatal rever o contrato lesivo. Deu certo. Em 2005, após desembolsar 122 milhões de dólares em contribuições de contingência, a Petrobras promoveu um processo de arbitragem que resultou em um novo acerto. Pagou 127 milhões à MPX e assumiu o controle da usina. Um belo arranjo para quem, segundo o acordo original, ainda devia 212 milhões e não ficaria com a propriedade da termelétrica.

À época, Parente também se envolveu no risível debate para mudar o nome da estatal para Petrobrax, de forma a facilitar a pronúncia em inglês dos investidores estrangeiros. Não bastasse, é o mentor do “seguro-apagão”, criado em março de 2002. Recolhido pelas distribuidoras na conta de luz, com o nome de Encargo de Capacidade Emergencial, o dinheiro foi repassado, até o fim de 2005, para as 57 usinas termelétricas emergenciais contratadas pelo governo federal.

Em diversos estados, o Ministério Público Federal ingressou com ações contra a cobrança, considerada lesiva aos clientes. Milhares de ações movidas por empresas pleiteavam o ressarcimento dos valores. A pendência arrastou-se nos tribunais até 2009, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu pela legalidade da tarifa adicional.

Dessa forma, a União evitou um gasto superior a 6,5 bilhões de reais, o montante a ser devolvido aos consumidores em caso de derrota na Corte. Ao cabo, o bilionário prejuízo acabou compartilhado por todos os brasileiros.

Após um longo período na iniciativa privada, no qual participou dos conselhos de administração de empresas como TAM, América Latina Logística e Kroton, além de presidir a divisão brasileira da Bunge, multinacional do agronegócio, Parente retornou à Petrobras, desta vez como presidente da empresa estatal.

Nomeado por Temer e indicado pelo PSDB, não dormiu em serviço. Para acalmar os investidores, antecipou o pagamento de dívidas da estatal. Em maio, quitou um débito de 600 milhões de dólares (cerca de 2,2 bilhões de reais) com o banco J.P. Morgan, uma fatura que só venceria em setembro de 2022.

Detalhe nada inocente: no Brasil, o J.P. Morgan é presidido por José Berenguer, sócio de Parente em uma empresa de investimentos. Diante do flagrante conflito de interesses, a FUP ingressou com uma Ação Civil Pública contra o ex-presidente da Petrobras por improbidade administrativa, além de pedir a nulidade da antecipação de pagamento, “um péssimo negócio” para a estatal, como enfatizou a frente dos petroleiros.

A decisão de privilegiar a exportação de óleo cru e a importação de derivados está mais do que explícita nos dados levantados pela ANP. Com o início das atividades de exploração do pré-sal, a produção de petróleo aumentou de 738,7 milhões de barris, em 2013, para 956,9 bilhões no ano passado (ver gráficos). 

Mantida a tendência, o País deve superar a marca de 1 bilhão de barris em 2018. Na contramão do movimento, a produção nacional de derivados de petróleo despencou de 779,3 milhões para 665,7 milhões de barris no mesmo período.

“Com as oscilações no preço do petróleo, exportar óleo cru pode, eventualmente, ter uma margem de lucro maior, devido ao baixo custo. Mas nem sempre isso é verdade, e tal escolha nos torna dependentes dos derivados importados, quando temos condições de suprir até 90% da demanda doméstica”, afirma Rodrigo Leão, pesquisador do Núcleo de Estudos de Conjuntura Econômica da UFBA e diretor-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.

“Atual-mente, a Petrobras gasta 1,47 real para importar derivados e 96 centavos para produzir. Um país com a capacidade produtiva como a nossa pode perfeitamente barganhar um preço melhor. Não precisa pagar o valor de referência.”

Na avaliação de Ildo Sauer, hoje professor do Instituto de Energia da USP, não faz sentido a atual política de repassar qualquer oscilação de preço no mercado internacional aos consumidores, assim como não fazia sentido a política anterior, do governo Dilma, que segurou artificialmente o preço dos combustíveis, gerando prejuízos à Petrobras e diminuindo a sua competitividade.

Da mesma forma, o especialista vê com preocupação as soluções aventadas pelo governo Temer para estancar a crise dos caminhoneiros, a envolver o congelamento de preços e a fixação de prazos para reajustes. “O ideal é manter a paridade com o mercado internacional e usar um tributo, como a Cide, para suavizar as variações de preço, na alta e na baixa.”

Para Sauer, a questão central não está no preço dos combustíveis, mas na apropriação da riqueza gerada pela Petrobras. “Hoje, cada barril de petróleo extraído do pré-sal custa 10 dólares e é vendido por até 80 dólares. É a diferença entre esses valores que está em disputa.

Os acionistas da empresa querem aumentar os dividendos, os governos estão de olho na arrecadação tributária e os consumidores pressionam para ter subsídios que assegurem um combustível mais barato”, resume.

“Estamos esquecendo de incluir na partilha a parcela mais pobre da população, que anda a pé. Quando as reservas foram descobertas, muito se falou sobre a constituição de fundos para financiar a saúde, a educação, as reformas agrária e urbana, projetos estruturais para mudar as feições do País. Agora, lamentavelmente, o debate se reduz a uma disputa de interesses mesquinhos, descolados de um projeto de nação.”