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Petrobras fecha fábricas e expõe Brasil à falta de fertilizantes russos

Estatal decidiu parar produção de adubos a partir de 2016, aumentando dependência brasileira quanto à exportação russa

Publicado: 03 Março, 2022 - 09h17 | Última modificação: 03 Março, 2022 - 09h28

Escrito por: Vinicius Konchinski Brasil de Fato | Curitiba (PR)

Kremlin
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O fechamento de três fábricas de fertilizantes da Petrobras durante os governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) aumentou a dependência do Brasil em relação aos adubos vindos da Rússia. O país governado por Vladimir Putin é de onde vem 23% da importação desse tipo de produto, segundo dados do Ministério da Economia.

A Rússia invadiu a Ucrânia há uma semana. O Brasil não condenou o ato, mantendo uma posição neutra a respeito da operação militar.

Em entrevista coletiva concedida no domingo (27), o presidente Bolsonaro afirmou que pretende manter certo "equilíbrio" sobre o conflito justamente por conta da dependência brasileira dos fertilizantes russos. “Para nós, a questão do fertilizante é sagrada”, afirmou ele.

Importação de fertilizantes

Dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA) tabulados pela consultoria StoneX indicavam que, ainda em 2020, cerca de 84% dos fertilizantes usados por agricultores brasileiros já eram importados. Esse percentual de importação é o maior já registrado em mais de 20 anos – e deve aumentar.

“Não temos os dados consolidados de dezembro, mas o percentual de importação deve chegar a 85%”, disse o economista e analista da StoneX, Luigi Bezzon.

Em 2015, quando as fábricas de fertilizantes da Petrobras estavam ativas e sob controle da estatal, esse percentual era de cerca de 73%. Desde então, porém, a produção nacional só caiu, e a demanda por eles só cresceu.

O Brasil consumiu 30 milhões de toneladas de fertilizantes em 2015. Em 2020, o consumo foi de 40 milhões de toneladas. Em 2021, segundo estimativas da StoneX, ele chegará a 45,5 milhões de toneladas.

Não dava lucro

A Petrobras resolveu deixar o mercado de produção de fertilizantes em 2016, após o presidente Michel Temer (MDB) chegar à Presidência. A decisão fez parte de um plano de negócios da estatal, elaborado depois do impeachment de Dilma Rousseff (PT).

Naquela época, a Petrobras alegava que produzir fertilizantes dava prejuízo. Por conta disso, primeiramente, decidiu desativar duas fábricas de adubos que mantinha no Nordeste.

A decisão foi anunciada em março de 2018 e atingiu as fábricas de fertilizantes nitrogenados da Bahia (Fafen-BA), localizada no polo petroquímico de Camaçari, inaugurada em 1971, e de Sergipe (Fafen-SE), em Laranjeiras, ativada em 1982.

Em novembro de 2019, a Petrobras arrendou as duas plantas para a Proquigel Química SA. A empresa, entretanto, só conseguiu reativar a produção delas em 2021.

Outros unidades fechadas

De 2016 para cá, a Petrobras também fechou a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenadas do Paraná (Fafen-PR), em Araucária. O fechamento ocorreu em fevereiro de 2020, já durante o governo Bolsonaro. A desativação da fábrica, que havia sido comprada em 2013, causou a demissão de cerca de mil trabalhadores.

Também durante este governo, a Petrobras vendeu a Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN3), em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, para o grupo empresarial russo Acron. A planta estava em fase de construção. O anúncio da venda foi feito pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em fevereiro deste ano.

Questão de soberania

Gerson Castellano, petroquímico e diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), informou que trabalhadores contestaram a decisão da Petrobras de deixar a produção de fertilizantes e alertaram para os riscos que isso traria à agricultura brasileira na época em que o plano da empresa foi anunciado. O alerta, porém, foi ignorado, inclusive por produtores rurais.

“Nunca foi pensado na questão de soberania, no risco de conflitos fazerem com que esses produtos já não estivessem à nossa disposição”, afirmou Castellano, que teme que a guerra entre Rússia e Ucrânia comprometa o envio de fertilizantes russos para o Brasil. “Acho que foi um despreparo do governo e do agronegócio”, avaliou.

Quem pagará a conta

Castellano ressaltou que não será o agronegócio o principal prejudicado por uma eventual falta de fertilizantes. Ele disse que produtores rurais pagarão mais caro pelos adubos se necessário e repassarão o custo à população.

“O agronegócio vai repassar ao preço dele”, disse. “Quem vai ter problema é toda a população, que vai pagar essa inflação”, pontuou.

Bezzon, da StoneX, disse que, durante 2021, o preço de fertilizantes no mercado internacional já subiu cerca de 200%, mesmo antes de o conflito entre Rússia e Ucrânia eclodir.

Ele explicou que o Brasil ainda não foi tão afetado por essa alta, já que ela ocorreu principalmente após setembro, quando as compras brasileiras já estavam fechadas. Contudo, ele estima, para 2022, um impacto severo nos custos do insumo.

Bolsonaro mira indígenas

O presidente Bolsonaro usou sua conta no Twitter para falar do impacto que a guerra entre Rússia e Ucrânia poderá trazer à agricultura nacional. Ele, inclusive, defendeu a liberação da exploração mineral de terras indígenas para a obtenção de potássio, usado como fertilizante.

“Com a guerra Rússia/Ucrânia, hoje corremos o risco da falta do potássio ou aumento do seu preço. Nossa segurança alimentar e agronegócio (Economia) exigem de nós, Executivo e Legislativo, medidas que nos permitam a não dependência externa de algo que temos em abundância”, escreveu o presidente nesta quarta-feira (2).

Castellano, da FUP, reconheceu que o Brasil importa potássio para adubar lavouras. Lembrou, entretanto, que o Brasil seria teoricamente autossuficiente em ureia, também usado como fertilizante, caso não tivesse desativado as fábricas da Petrobras.

Procurada pelo Brasil de Fato, a Petrobras não se pronunciou sobre sua decisão de deixar de produzir insumos para a agricultura.

O Ministério da Agricultura também foi procurado, mas não respondeu.

Edição: Rodrigo Durão Coelho