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PF prende militar que trabalhava na Funai por arrendar terra indígena

Operação prendeu chefe de unidade da Funai e três PMs acusados de arrendamento de áreas protegidas para pecuária

Publicado: 18 Março, 2022 - 09h12 | Última modificação: 18 Março, 2022 - 09h17

Escrito por: Murilo Pajolla Brasil de Fato | Lábrea (AM)

Reprodução/CR Ribeirão Cascalheira/Funai
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Uma operação deflagrada pela Polícia Federal nesta quinta-feira (17) prendeu três pessoas, entre eles um coordenador regional da Funai, por suspeita de envolvimento em um esquema milionário de arrendamento ilegal de uma terra indígena para pecuaristas no interior do Mato Grosso.

Militar inativo da Marinha, Jussielson Gonçalves Silva foi nomeado para chefiar Coordenação Regional (CR) Ribeirão Cascalheira (MT) em março de 2020.

A substituição de servidores de carreira por militares foi uma estratégia do governo de Jari Bolsonaro (PL) para paralisar a política indigenista prevista na Constituição, segundo já denunciaram indígenas e indigenistas.

Uma liderança indígena também é suspeita de se beneficiar financeiramente. Os quatro fazendeiros que invadiram a área protegida foram identificados por uma investigação do Ministério Público Federal do Mato Grosso (MPF-MT), mas não foram presos.

Conforme a PF, o esquema envolvia servidores da Funai, que cobravam quantias milionárias de fazendeiros da região. Em troca, o grupo ganhou acesso à Terra Indígena Marãiwatsédé, do povo Xavante, onde criava gado.

Em nota enviada ao Brasil de Fato, a Funai afirmou que "não coaduna com nenhum tipo de conduta ilícita" e disse que vai afastar o coordenador.

"Pode servir de modelo", disse presidente da Funai sobre atuação de Jussielson

A Coordenação Regional (CR) da Funai chefiada por Jussielson era considerado modelo pela gestão do presidente da Funai, Marcelo Xavier. Na região, o órgão indigenista incentiva diretamente "parcerias" entre povos originários e grandes fazendeiros.

Em junho de 2021, matéria publicada no site oficial da Funai destacava um projeto de "promoção da segurança alimentar e etnodesenvolvimento dos Xavante", que promovia a mecanização da lavoura dentro de uma terra indígena no município de Canarana, na área coordenada por Jussielson.

A comunicação da Funai publicou uma fala do presidente Marcelo Xavier: "Esse é o caminho. O coordenador regional Jussielson Gonçalves e a prefeitura de Canarana estão de parabéns. Isso pode ser reproduzido em outras aldeias. Pode servir de modelo".

Autoelogio

"A Funai vem apoiando diversas atividades produtivas desenvolvidas por comunidades indígenas da etnia Xavante ao longo dos anos. Em 2021, a fundação deu suporte à coleta de sementes, frutos e batatas tradicionais na aldeia Santa Cruz da Terra Indígena (TI) Pimentel Barbosa. Ainda na TI Pimentel Barbosa, a Funai apoiou a lavoura de milho", prossegue a matéria da Funai.

Em tom de autoelogio, essas e outras dezenas de matérias disponíveis no site da Funai relatam experiências semelhantes de introdução da lógica do agronegócio em terras indígenas do Mato Grosso. No lugar do modo de vida tradicional em harmonia com a floresta, extensas lavouras mecanizadas com produção de commodities agrícolas.

Conversas interceptadas

Durante a operação, também foram detidos o sargento da Polícia Militar (PM) Gerrard Maxmiliano Rodrigues de Souza e o ex-policial militar do Amazonas Enoque Bento de Souza. A liderança indígena investigada é um cacique Xavante.

Em transcrição de áudio divulgada pelo Ministério Público Federal (MPF) de Mato Grosso, Jussielsson aparece estimulando a liderança indígena Xavante a cobrar mais pelo arrendamento das terras.

"Porque tem gente roubando o senhor, cacique, tem gente roubando o senhor. (...) Porque ele é para pagar 200 mil e paga 80 mil". "Até o ano que vem, o senhor tem que estar ganhando um milhão e meio".

Em outro trecho, o coordenador relata que vai "começar a medição do pasto para aumentar o valor do arrendamento". "Essa semana agora que vem já vamos começar a pressionar o pessoal para fazer o pagamento, 'tá'?", diz o integrante da Funai ao cacique da terra indígena invadida.

Boiada em terra indígena

Em nota, a PF afirmou ter identificado "extenso dano ambiental provocado por queimadas para formação de pastagem, desmatamento e implantação de estruturas voltadas à atividade agropecuária". 

A reparação do dano ambiental causada por apenas quatro dos 15 arrendamentos ilegais foi calculada em R$ 58 milhões. A Justiça Federal determinou que as 70 mil cabeças de gado levadas à terra indígena sejam retiradas no prazo de 45 dias, sob pena de prisão. 

Outro lado

A reportagem não conseguiu contato com a defesa do coordenador da Funai detido na operação, nem a dos policiais militares presos. A Funai emitiu uma nota, que está disponível na íntegra a seguir: 

"A Fundação Nacional do Índio (Funai) esclarece que não coaduna com nenhum tipo de conduta ilícita e está à disposição das autoridades policiais para colaborar com as investigações. A Funai informa, ainda, que o arrendamento de Terras indígenas é vedado e que o coordenador será afastado da função."

Edição: Rodrigo Durão Coelho