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Pistoleiros abrem fogo contra trabalhadores em Formosa do Rio Preto, na BA

Jossinei Lopes, diretor da associação comunitária da Cachoeira, foi atingido com um tiro na perna

Publicado: 04 Fevereiro, 2019 - 12h28 | Última modificação: 04 Fevereiro, 2019 - 12h49

Escrito por: AATR

Reprodução
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Na manhã da quinta-feira (31), pistoleiros que atuam como “agentes de segurança” da fazenda Estrondo, em Formosa do Rio Preto, no interior Bahia, deram vários tiros contra trabalhadores que resistem ao avanço dos empresários sobre suas terras tradicionalmente ocupadas.

Antes do ataque, Jossinei Lopes Leite, diretor da associação comunitária da Cachoeira, e outros geraiseiros (pessoas que moram em campos gerais, caracterizados por chapadas) saíram a campo em busca do gado que criam soltos nos Gerais (Cerrado) do Alto Rio Preto. Logo perceberam que seus animais haviam sido recolhidos em currais a mando dos proprietários da fazenda.

Ao exigirem a devolução dos animais foram recebidos com uma sequência de tiros disparados por dois pistoleiros. Jossinei foi atingido na perna e se afastou do local. Mesmo ferido, conseguiu retornar à comunidade, onde foi socorrido por familiares e levado para o hospital do município.

Entenda o caso

Segundo informações do Livro Branco da Grilagem, levantamento publicado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 1999, a fazenda Estrondo é resultado da apropriação ilegal de 444 mil hectares de terras nas proximidades da nascente do Rio Preto, importante afluente da Bacia do Rio São Francisco.

A área está localizada no coração da região conhecida por MATOPIBA, fronteira agrícola onde se acumulam denúncias de grilagem e violência contra comunidades e posseiros.

As fraudes cartoriais que possibilitaram a grilagem foram realizadas no final dos anos 1970, mas somente nos anos 2000 a área começou a ser desmatada para o plantio de soja, milho e algodão. A fazenda foi autuada diversas vezes pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por desmatamento ilegal. Também há registros de autuação por trabalho análogo à escravidão.

O protagonista da grilagem é do empresário Ronald Guimarães Levinsohn. Ele controla, atualmente por intermédio das duas filhas, as três empresas que reivindicam a propriedade das terras: Delfim Crédito Imobiliário S/A, Colina Paulista S/A e Companhia de Melhoramentos do Oeste da Bahia (CMOB). Envolvido em inúmeras fraudes e negócios suspeitos, ganhou notoriedade por sua proximidade com próceres da Ditadura Civil-Militar (1964-1985).

As terras griladas eram de uso tradicional das comunidades geraizeiras do Alto Rio Preto, onde estão localizados os municípios de Cachoeira, Marinheiro, Cacimbinha, Gatos e Aldeia.

De acordo com os estudos técnicos realizados por determinação da Promotoria Regional do Meio Ambiente de Barreiras, em inquérito civil que apura crimes ambientais na área, as comunidades são remanescentes de povos indígenas e de quilombolas, que chegaram à região no final do século XIX, no contexto pós-abolição.

Após se apropriar e desmatar o chapadão onde as comunidades criavam gado e realizavam extrativismo, agora as empresas avançam sobre a região do Vale do Rio Preto, onde estão localizados os povoados.

Derrotas no Judiciário

Em abril de 2017, com a intensificação dos ataques sobre as áreas do Vale do Rio Preto, as comunidades reunidas ingressaram com Ação de Manutenção de Posse coletiva de uma área de 43 mil hectares, no entorno dos povoados.

No dia 3 de maio do mesmo ano, a magistrada da Vara Regional de Conflito Agrário e Ambiental de Barreiras concedeu a medida liminar, em caráter de urgência, estabelecendo multa diária de 50 mil reais pelo descumprimento da decisão. Um mês depois, a Vara especializada teve suas atividades encerradas por decisão da então presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Maria do Socorro Barreto Santiago. A ação foi remetida para a comarca de Formosa do Rio Preto.

As empresas postergaram por um ano, com manobras e pressão sobre servidores, a citação pelo oficial de Justiça. Citadas em abril de 2018, recorreram da decisão liminar no Tribunal de Justiça, porém, o desembargador José Cícero Landim não concedeu a suspensão da decisão, alegando que os documentos apresentados pelas comunidades indicam que exercem efetivamente a posse sobre o território indicado.

Em novembro de 2018, após inúmeros informes no processo sobre a continuidade das ações de grilagem, o magistrado Sergio Humberto Quadros Sampaio, ao invés de multar as empresas, reduziu a área abrangida na liminar para 9 mil hectares, impondo uma série de outras medidas que inviabilizariam o pleito das comunidades.

As comunidades, representadas judicialmente pela Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR), ingressaram com recurso desta decisão junto ao Tribunal de Justiça no último dia 21 de janeiro. Na mesma semana, no dia 23, o desembargador suspendeu a decisão do magistrado, voltando a vigorar a decisão que protege 43 mil hectares do território. No recurso, as comunidades requerem ainda a declaração da suspeição do magistrado de Formosa do Rio Preto.

Demarcação e titulação estão em curso

A drástica redução da área da medida liminar, sem justificativa plausível, não foi a única decisão fora do padrão prolatada pelo magistrado Sergio Humberto Quadros Sampaio. Dias antes, ele extinguiu sem julgar o mérito a ação discriminatória judicial interposta pela Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE), que, após trabalhos técnicos de identificação e delimitação das terras, concluiu que se tratam de terras devolutas ocupadas tradicionalmente pelos geraizeiros, instaurando, por consequência, procedimento para titulação coletiva em nome das associações comunitárias.

Na decisão, o magistrado alega que o estado da Bahia não comprovou que as terras são devolutas. No entanto, no processo judicial discriminatório de terras públicas o exame das provas não se faz previamente, mas no decurso do processo.

A atuação temerária do magistrado em conflitos fundiários em Formosa do Rio Preto foi recentemente tema de Audiência Pública na Câmara dos Deputados, na qual cerca de 300 médios fazendeiros da região conhecida como Coaceral, denunciaram que o juiz tem favorecido as ações do grileiro conhecido como José Valter Dias, que alega ser o verdadeiro proprietário de uma área de 300 mil hectares.

*A Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR) é uma organização civil sem fins lucrativos e atua na prestação de assessoria jurídica popular aos movimentos e organizações populares.

**Editado por Wesley Lima.