Luiz Cavalho
Para Grijalbo (ao centro, de branco), terceirização precisa reduzir direitos para dar lucro
Graça Costa durante aula pública na rodoviária
Uma coisa é certa. Os parlamentares que irão votar as emendas de destaque do Projeto de Lei 4330/2004 nesta terça (14) e quarta-feira (15) não poderão usar como argumento a falta de informações sobre os estragos que a terceirização sem limites trará ao país.
Com base na tese de mestrado que virou o livro “Máquina de moer gente trabalhadora”, lançado nesta terça na CUT-DF, o juiz e desembargador do trabalho da 10ª Região, José Grijalbo Coutinho, trouxe ainda mais razões para o país reagir ao que classificou como o grave ataque aos direitos dos trabalhadores desde a escravidão.
“Este país deveria estar parado porque nada mais grave foi feito desde o dia em que os trabalhadores inventaram a proteção ao direito trabalhista. Estamos chancelando que a Constituição não valerá para os trabalhadores porque todos os direitos cairão no vazio”, disse.
Valor social
Como outros juristas, Grijalbo defendeu que a terceirização vai contra um item constitucional fundamental, o valor social do trabalho, e tem dois pilares essenciais: um econômico e outro político.
O econômico é a argumentação de que a esse modelo de contrato serve à modernização. Para o desembargador, trata-se da mera redução do custo do capital para ampliar o lucro em momentos de crise. Já o político é a desestruturação da organização sindical.
“Não é possível criar condições dignas para terceirizado, seja na atividade meio ou fim, porque precisa aumentar jornada de trabalho, a cobrança de metas e não ter prevenção de acidentes para gerar lucro.”
Mais do mesmo
Para a CUT, mesmo após o debates que precederam a aprovação no último dia 8, o projeto mantém dois problemas desde que foi elaborado pelo empresário Sandro Mabel (PMDB-GO).
Primeiro, a permissão para terceirizar a atividade-fim, a principal da empresa, que abre a possiblidade da demissão de contratados diretos e a admissão de terceiros com rebaixamento de salários.
Segundo, a responsabilidade subsidiária da contratante, aquela em que a tomadora de serviços só assume a dívida trabalhista após esgotados os processos contra a terceirizada, pode fazer com que o trabalhador permaneça anos na Justiça aguardando para receber seus direitos.
Griljalbo destacou que esse fatores presentes no PL 4330 nada mais são do que a modernização de um sistema baseado na exploração da classe trabalhadora.
“O Japão, dilacerado pela Segunda Guerra, foi quem trouxe a grande novidade da terceirização nas relações trabalhistas, com a fragmentação da cadeia automobilística e da produção vinculada à demanda. Isso estava aliado à fragmentação sindical, com a promoção de trabalhadores cooptados e a estabilidade para lideranças sindicais conformistas. A partir dos ganhos econômicos e políticos que viram, EUA e Europa resolveram importar o modelo”, explica.
Sem responsabilidade
O desembargador ressaltou também que a subcontratação por terceirizadas, impedida pela súmula 331 do TST (Tribunal Superior do Trabalho), então o parâmetro para julgar os processo de terceirização, passa a ser realidade. E criticou quem apontou a existência da responsabilidade solidária – aquela em que a empresa assume as dívidas não quitadas pela terceirizada – no projeto.
"Há orgãos públicos em que as empresas ficam um ano, outros em que há cinco contratos emergenciais seguidos e o trabalhador está todo esse período sem férias porque pula de uma empresa para outra”,Fernanda Teixeira, advogada trabalhista
“Um deputado que se diz líder sindical (Paulinho Pereira, do Solidariedade-SP) vai à tribuna da Câmara para falar que está tudo acordado, que a responsabilidade solidária está no projeto. Onde, cara pálida? O que tem é a responsabilidade subsidiária, aquele em que só vai atrás dos bens da tomadora se a terceirizada não pagar, depois de o trabalhador enfrentar uma via crúcis. O projeto mantém como era e só coloca a solidária entre as subcontratadas. O que adianta responsabilidade solidária entre intermediários?”, questiona.
Griljalbo trouxe números que o Portal da CUT repete há algum tempo sobre maior incidência de trabalho escravo entre os terceirizados (90% dos flagrantes nos últimos cinco anos), acidentes fatais entre eletricitários (seis em cada sete mortos eram terceirizados entre 2003 e 2012) e no setor petroleiro (13 em cada 14 vítimas de acidentes fatais eram terceirizadas entre 2003 e 2011) e lembrou do perfil dos acidentes fatais na Copa do Mundo.
“Entre as obras de estádios e equipamentos equivalentes, como a Arena do Palmeiras e Arena do Grêmio, 12 trabalhadores perderam a vida. Desses, 11 trabalhavam como terceirizados.”
Aula públicaAlém de participar do seminário com o desembargador, a CUT também foi às ruas para conversar com a população sobre o PL 4330. Na rodoviária de Brasília, por onde circulam diariamente mais de 750 mil pessoas, a Central integrou a aula pública que o Grupo de Pesquisa de Trabalho Constituição e Cidadania da Unb (Universidade de Brasília) promoveu.
Secretária de Relações do Trabalho, Graça Costa alertou sobre o cenário devastador que o PL poderá entregar. “Não está escrito no projeto que os 12 milhões de terceirizados terão os mesmos direitos que os demais trabalhadores, mas sim que o texto permitirá aos outros 34 milhões a demissão e contratação com menos direitos para redução de custos”, avaliou.
Tão importante quanto falar foi ouvir quem vive a situação na pele. Com 25 anos de experiência, Edson Arruda é cobrador de ônibus terceirizado. Trabalha na companhia São José, que presta serviços à estatal Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília (TCB).
Na carneEle conta que os salários na terceirizada são R$ 2 mil a menos em relação aos cobradores da TCB, além de maior carga horária por conta de extras que esses trabalhadores precisam fazer. Por vir de outra terceirizada, ele relata que também perdeu as férias.
“Eu era da Pioneira, onde fiquei 24 anos e sete meses. Com a licitação, tive que mudar de empresa e não recebi as férias vencidas. Estou agora com um ano e cinco meses de trabalho, mas ainda não pude sair”, falou.
A lógica de “trabalho possível” que pode nortear o mercado a partir da aprovação do PL 4330 já vale para a faxineira Carla da Silva.
Antes desse que é o primeiro emprego com registro, foi trabalhadora doméstica e babá. Se limpar a rodoviária é um bom trabalho? Ela prefere pensar nas contas a pagar.
“A gente que não tem estudo pega qualquer coisa. A gente que precisa pagar aluguel, água, luz, tem filho para criar não pode escolher serviço, o que tiver é beleza. Aqui pelo menos é fichado (com carteira assinada)”, diz.
Advogada trabalhista e integrante do grupo da Unb, Fernanda Teixeira acredita que o projeto tornará lugar comum pontos que estão presentes na relação dos trabalhadores terceirizados, como a falta de pagamento, o difícil acesso a empresa em caso de calotes e a frágil representação sindical.
“Um trabalhador que tem direito a R$ 20 mil faz acordo por R$ 5 mil porque precisa de dinheiro. E esses R$ 15 mil ficam com a empresa. Há órgãos públicos em que as empresas ficam um ano, outros em que há cinco contratos emergenciais seguidos e o trabalhador está todo esse período sem férias porque pula de uma empresa para outra”, destaca.
Isso tudo recheado com a maior exposição ao assédio moral. “Já vi casos de a empresa tomadora de serviços ter refeitório, mas os terceirizados não poderem utilizar. Tenho um processo de vigilantes terceirizados que foram coagidos a votar em um determinado deputado federal (ela prefere não revelar o nome) sob ameaça de perder o emprego.”