Escrito por: Redação CUT

Plataformas digitais não têm padrões mínimos de trabalho decente no Brasil

Segundo o relatório Fairwork Brasil 2021, numa escala de 0 a 10, o iFood e a 99 receberam nota 2; a Uber, nota 1; e GetNinjas, Rappi e Uber Eats, nota 0

Roberto Parizotti (Sapão)

As empresas de aplicativos de entrega Uber, iFood, 99, Rappi, UberEats e GetNinjas não comprovaram padrões mínimos de trabalho decente no país, revela pesquisa feita pelo do projeto Fairwork Brasil, vinculado à Universidade de Oxford. (Saiba mais sobre o projeto no final do texto).

O objetivo do levantamento, feito com as maiores plataformas digitais em atuação no país, foi verificar  como as empresas tratam os trabalhadores, ou colaboradores, como elas costumam chamar os entregadores por aplicativo, que vivem se mobilizando e fazendo greves ppor melhores condições de trabalho e renda.

Em uma escala que vai de 0 a 10, os pesquisadores entrevistam os trabalhadores para analisar o trabalho justo a partir de cinco eixos: remuneração, condições de trabalho, contratos, gestão e representação. 

Segundo o relatório Fairwork Brasil 2021: Por trabalho decente na economia de plataformas, o primeiro do projeto no Brasil, o iFood e a 99 receberam nota 2; a Uber, nota 1; e GetNinjas, Rappi e Uber Eats, nota 0.

“As plataformas podem optar por reduzir as desigualdades e o desemprego. No entanto, a pontuação anual do Fairwork Brasil fornece evidências de que os trabalhadores por plataformas, como em muitos países do mundo, enfrentam condições de trabalho injustas e sofrem sem proteções”, diz o relatório.

Quando avaliado o quesito Remuneração Justa, apenas a 99 conseguiu evidenciar que os trabalhadores ganham pelo menos o salário mínimo local, de R$ 5,50 por hora, que resulta em R$ 1.212 ao mês (2021), descontados os custos para a realização do trabalho. Em comunicado público a empresa garantiu que nenhum trabalhador ganha menos que o salário mínimo local.

O estudo avaliou se os trabalhadores recebiam o salário mínimo local, levando em consideração não apenas o valor pago por horas trabalhadas, mas também o custo de equipamentos específicos da tarefa e outros custos relacionados ao trabalho que os trabalhadores tiveram que pagar do próprio bolso.

Os cálculos de remuneração também levaram em conta o tempo de espera entre uma atividade e outra, que deve ser pago pelas plataformas. A maioria delas não atinge esse princípio básico, o que inclui até altas taxas para entrada na plataforma.

“Há até plataformas que exigem que o trabalhador compre moedas para acessar as ofertas de trabalho. As tarifas de remuneração e as horas de trabalho também são altamente voláteis, levando a uma alta insegurança de renda para os trabalhadores”, explicou o coordenador do Fairwork no Brasil, Rafael Grohmann.

Em dezembro do ano passado, por meio de projeto de cooperação e parceria da CUT e Organização Internacional do Trabalho (OIT), pesquisadores mostraram que, em Brasília e Recife, os entregadores não tinham direito algum e trabalhavam, em média, 65 horas por semana e a renda média é de apenas R$ 1.172,63, o que equivale a R$ 5,03 por hora.

O relatório Fairwork Brasil 2021 mostrou, ainda, que a Uber e a 99 conseguiram mostrar que executam ações para proteger os trabalhadores de riscos específicos das tarefas, evidenciando assim que trabalham para oferecer Condições Justas de trabalho.

Já outras plataformas têm projetos em andamento e planejados para lidar com esses riscos.

De acordo com o estudo, as boas práticas abordadas envolveram a eliminação de barreiras ao acesso a equipamentos de proteção individual (EPI) e o fornecimento de apólices de seguro claras.

“Mesmo assim os trabalhadores disseram enfrentar muitas barreiras, como a distância, para acessá-los. Outra queixa recorrente é a falta de infraestrutura básica como acesso a banheiros, áreas de descanso e água potável. Os principais riscos à segurança e à saúde, de acordo com eles, são acidentes de trânsito, violência, exposição excessiva ao sol, problemas nas costas, estresse e sofrimento mental”, destacou Grohmann.

Apenas uma plataforma (iFood) conseguiu mostrar a adesão aos padrões básicos para contratos, resultando então em Contratos Justos, inserindo termos e condições acessíveis com ilustrações.

Ainda assim, segundo o coordenador da pesquisa, a questão dos termos de serviço acessíveis representa um desafio para esses trabalhadores.

“A maioria das plataformas não conseguiu atingir o ponto básico para contratos. Para atingir esse ponto, as plataformas precisam fornecer um contrato que seja comunicado em linguagem clara, compreensível e acessível aos trabalhadores o tempo todo”, disse Grohmann.

Segundo o Fairwork, as plataformas também precisam passar a notificar os trabalhadores sobre as mudanças propostas dentro de um prazo razoável, outra condição que cinco das seis plataformas estudadas não cumpriram.

Nenhuma plataforma permite que trabalhador se organize

Por fim, quando trata de Representação Justa, que significa que a empresa permite que os trabalhadores sejam capazes de se organizar livremente no ambiente de trabalho, o estudo revela que nenhuma das plataformas está apta nesse sentido. Uma das plataformas (iFood) pontuou no nível básico devido à construção de mecanismo em relação à voz dos trabalhadores, mostrando que, após as grandes greves, a direção se reuniu com as lideranças.

“Foi criado o Fórum de Entregadores, a iFood instituiu um canal por meio do qual a voz coletiva do trabalhador pode ser expressa. Esperamos que a iFood continue e expanda ainda mais essa iniciativa para incluir o maior número possível de lideranças de entregadores e realmente use esse mecanismo para ouvir os trabalhadores”, disse Grohmann.

O coordenador afirmou ainda que a pesquisa gera impactos ao redor do mundo. “É uma pesquisa-ação. Os princípios podem ajudar na formulação de políticas públicas e a construir, junto com as diferentes instituições interessadas, mecanismos rumo ao trabalho decente na economia de plataformas no Brasil”.

O que é o Fairwork

O Fairwork é um projeto baseado no Instituto de Internet de Oxford ( Universidade de Oxford) e é realizado em colaboração com a Universidade de Manchester (Reino Unido), a Universidade da Cidade do Cabo (África do Sul), a Universidade do Cabo Ocidental (África do Sul), o Instituto Internacional de Tecnologia da Informação de Bangalore (Índia), o WZB Berlin Social Centro de Ciências (Alemanha), Universidade Técnica de Berlim (Alemanha), Universidade Adolfo Ibáñez (Chile), Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais, FLACSO (Equador) e a Universitas Gadjah Mada (Indonésia). (http://fair.work)

No Brasil o projeto é uma colaboração entre os professores Dr. Rodrigo Carelli (UFRJ/MPT), Dra. Julice Salvagi (UFRGS), Dr. Daniel Abs (UFRGS) e coordenado pelo prof. Dr. Rafael Grohmann, coordenador do DigiLabour e professor da Pós-graduação em Comunicação da Unisinos.

Com informações da Agência Brasil