Escrito por: Luiz Carvalho
Em coletiva, membro do partido espanhol explica como radicalizou a democracia para dar resposta à crise de representatividade das organizações no país
“O Podemos é uma expressão popular política que respeita a necessidade do nosso povo, por isso funciona, Quando deixarmos de fazer isso, deixaremos de existir.”
Apenas o tempo dirá se isso se confirmará, mas, ao menos por enquanto, a proposta do partido que já se tornou a quarta força da Espanha e prega a necessidade de as organizações atuarem a partir do povo e não em nome dele, tem dado certo.
Quatro meses após a fundação o partido Podemos, obteve cinco cadeiras entre 54 no Parlamento Europeu e ajudou a desestabilizar o bipartidarismo que impera na Espanha dominada pelo Partido Popular (PP) e pelo Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). Neste ano a sigla se elegeu na prefeitura de Barcelona e foi a segunda mais votada em Madri.
Em coletiva nesta quarta-feira (29) no Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, o Secretário de Relações com a Sociedade Civil e com os Movimentos Sociais do Podemos, Rafa Mayoral, ressaltou que o papel primordial da organização é ser uma espécie de resposta ao anseio de maior participação popular na política, conforme define, sequestrada pelo poder econômico.
Também por isso, a sigla não aceita doação de bancos europeus. O financiamento das campanhas é feito via crowdfunding (uma espécie de ‘vaquinha’ pela internet), doação direta e microcrédito, em que os simpatizantes doam de 100 a 10 mil euros, devolvidos quando o partido receber o subsídio correspondente aos gastos eleitorais, em dezembro de 2015.
Dica? Siga seu caminho
O Podemos é resultado direto das manifestações de rua diante da crise econômica mundial que varreu o mundo, em 2009.
Em 2013, milhares de espanhóis foram às ruas para protestar contra despejos por conta da inadimplência em prestações de imóveis. De acordo com levantamento do Conselho Geral do Poder Judiciário, órgão do governo espanhol, entre 2008 e 2012 foram quase 400 mil execuções hipotecárias. O cenário deu origem ao PAH (Plataforma dos Afetados pelas Hipotecas), da qual Mayoral foi advogado.
Em meio à crise, a Espanha também enfrentou a troika, um comitê formado por Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, que determina regras de auteridade e ajustes fiscais às nações em dificuldade em troca de empréstimos.
A união dos dois fatores – e a resposta frágil de PP e PSOE – foi o campo fértil para o Podemos. “Os dois partidos estão submetidos ao grande poder financeiro e ao capital estrangeiro e apoiaram a reforma constitucional que transformou a Espanha em colônia. Não somos direita ou esquerda da troika, somos debaixo. Quem quer entender, que entenda”, definiu.
A resposta, explicou, foi consolidar uma ferramenta popular que representasse a mudança. “Há de se plantar uma proposta sendo povo”. Porém, como a ideia é ser uma plataforma a partir das necessidades locais, o fundamental é não copiar modelos, nem mesmo o próprio Podemos, acrescentou.
O partido deixa claro que deseja chegar ao poder, mas ressalta que isso não é suficiente para a transformação que pregra. “Estar no governo não é estar no poder. Somos instrumento de empoderamento popular, queremos construir o povo e entrar no governo pode ser útil na construção do povo.”
Processo em rede
Mayorial explicou que um novo modelo de organização política demanda também quebrar alguns conceitos.
O primeiro deles é a reunião em salas fechadas por um modelo que permita a participação de cada vez mais pessoas, em transmissões via internet para driblas intermediários. O segundo é submeter as decisões à maioria. Como exemplo, a adoção de uma política de alianças partidárias foi submetida a referendo.
A terceira é um ampliar o trabalho em rede, com a apropriação de ferramentas como Twitter e Facebook para o debate político. O que não implica em abrir mão dos meios tradicionais.
“Quando começamos os debates nas TVs comunitárias, a audiência subia porque nossos argumentos se conectavam com a maioria”, falou.
Dilma e BRICS
Sobre a crise brasileira, Rafael Mayoral aponta que não chega à Europa a ideia de existência de um golpe em curso, mas sim de que estão nas ruas setores privilegiados. “Fica claro que não são setores pedindo o aprofundamento das políticas sociais”, disse, ressaltando a importância do Brasil como elemento fundamental para a democracia e para as relações internacionais ao colocar a América do Sul no mapa.
Ainda sobre a integração regional, ele disse que o banco do BRICS (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) pode exercer o papel fundamental de ser um mecanismo de financiamento que respeite a soberania dos países e siga regras diferentes das adotadas pelo FMI e pelo Banco Mundial.
Na Europa, da mesma forma que na América do Sul, partidos e movimentos sociais estão em crise e a resposta, reafirma, é conectar quem está fora do debate sobre as decisões políticas.
“Não queremos ser o único instrumento, que o processo seja unidimensional, mas temos consciência da necessidade de uma sociedade crítica, que construa a democracia 365 dias e não só de quatro em quatro anos”, disse.