Escrito por: Andre Accarini
Média de mulheres em situação de insegurança alimentar, com Bolsonaro, aumentou mais que em outros países. Elas também foram mais atingidas pelo desemprego do que os homens
Aumentou quatro vezes mais que a média mundial o número de brasileiras que afirmam que não ter dinheiro para comprar comida, segundo dados levantados pela pesquisa FGV-Social, da Fundação Getúlio Vargas, que traça um comparativo sobre insegurança alimentar entre o Brasil e outros 120 países. E não adianta culpar a pandemia do novo coronavírus.
“É claro que a pandemia agravou a situação, mas o Brasil, desde 2016, já vinha sendo golpeado pelas políticas neoliberais do golpista Temer”, afirma Juneia Batista, Secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, que acrescenta: “Depois, com Bolsonaro, tudo piorou ainda mais porque além de não ter um plano de enfrentamento à Covid, ele simplesmente terminou de destruir políticas sociais, principalmente as voltadas para as mulheres”.
O resultado disso é que a fome entre as brasileiras aumentou seis vezes mais que a média dos outros países, que também sofreram com a pior crise sanitária do século. Enquanto em outros países a fome cresceu 33%, no Brasil subiu 47%.
Incluindo as crianças que, normalmente estão mais próximas e são cuidadas pelas mães, o total de brasileiros com fome passa de 20 milhões. São pessoas sem emprego, sem renda e sem o direito de ter uma vida alimentação digna.
Aliados aos ataques às políticas voltadas às mulheres que têm sido destruídas, a condução da economia e o ataque aos direitos trabalhistas têm provocado ainda mais a exclusão das mulheres do mercado de trabalho, o que também contribui para a deterioração das condições de vida.
“A cada cem mulheres, 30 estão desempregadas e, por serem mulheres, elas permanecem mais tempo fora do mercado de trabalho. Só na pandemia, no trabalho doméstico, mais de 1,5 milhão de trabalhadoras perderam seus empregos”, explica a economista do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp, Marilane Teixeira.
Além disso, ela diz, os impactos da crise econômica que foi aprofundada pela pandemia ainda não foram reabsorvidos, ou seja, ”a maior parte das mulheres que perderam o emprego na pandemia ainda não conseguiu trabalho. Os níveis de ocupação não retornaram ao que era antes”, diz Marilane.
O impacto do maior número de mulheres fora da força de trabalho tem consequências mais graves do que apenas o desemprego. “Cerca de 48% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres. Se elas não têm emprego, não têm renda e não têm como sustentar a família. Por isso os índices de insegurança alimentar aumentaram nos últimos anos”, explica a economista.
“Junte-se a isso o rendimento em queda, a inflação em alta e tudo faz com que a mulher tenha que administrar os recursos, cada vez menores. Quem organiza todo esse cotidiano é a mulher. Ela é quem sente mais o impacto, tem que depender de solidariedade, da comunidade, da cesta-básica doada. Ela sabe que o grande responsável por toda essa situação é o governo”, diz Marilane.
Políticas sociais
O conjunto de ações que vinham sendo desenvolvidas pelos governos progressistas de Lula e Dilma, ambos do PT, foram desmantelados. Exemplo citado por Marilane Teixeira é oferta de creches.
“Dados recentes, de 2021, entre as crianças mais pobres, 70% de zero a três anos está fora de creches, por não ter creches suficientes, assim como não há oferta suficiente também de escola integral para que as mães tenham quem cuidar dessas crianças enquanto trabalham”, afirma a economista do Cesit/Unicamp.
Por estes e outros motivos como a ideologia e o discurso fascista de Bolsonaro, diz Marilane, “seria estranho se ele não encontrasse nas mulheres as principais forças de resistência ao seu desgoverno, porque elas são afetadas em todas as dimensões, são atacadas, ironizadas, violentadas e desqualificadas”, diz a economista se referindo aos altos índices de rejeição a Bolsonaro entre as mulheres.
Leia mais: Rejeição a Bolsonaro explode entre as mulheres de todas as classes socais
“E a rejeição é em todas as classes sociais por causa do perfil violento, machista, misógino, racista e calcado em conceitos conservadores de sociedade, que relegam à mulher à condição de submissão e papel secundário na sociedade”, complementa a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista.
“Infelizmente, grande parte do povo brasileiro se deixou levar pelas mentiras ditas por Bolsonaro, o que acabou permitindo que ele chegasse à presidência, mas nós, mulheres, pelo menos a grande maioria, nunca nos deixamos enganar por esse fascismo dele, porque somos nós que sentimos na pele, mais do que ninguém, o horror que é esse governo”, diz a dirigente.
Juneia se refere aos impactos das crises social e econômica vividas pelo país que impactam em maior grau nas mulheres. O desemprego, a fome, a violência e todos os indicadores de desigualdade têm como alvo principal as mulheres, em especial as mulheres negras.
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-Contínua) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o índice de mulheres desempregadas no primeiro trimestre deste ano foi de 13,7%, enquanto entre os homens foi de 9,1%.
No recorte por raça, o índice de mulheres negras desempregadas é de 13,3%, ou seja, a maior parte das mulheres desempregadas.
A destruição das políticas de reparação
Se nos governos de Lula e Dilma, as mulheres tinham prioridade, a eleição de um governo de extrema direita impôs retrocessos históricos que tornaram a realidade da mulher uma situação ainda maior de vulnerabilidade.
Ações como a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, com status de ministério, a prioridade das chefes de família em programas sociais (como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, em nome das mulheres), além da sanção da Lei Maria da Penha e as políticas relacionadas como a criação da Casa da Mulher Brasileira, o programa “Mulher: Viver Sem Violência” e a Lei do Feminicídio, foram alvos de ataques.
Mesmo com o aumento da violência, o governo atual Bolsonaro, até agora, gastou apenas R$ 36,5 milhões em ações voltadas para mulheres. O valor gasto pelo atual governo representa uma redução de 74% entre 2015 e 2020. No último ano da gestão da ex-Presidenta Dilma Rousseff, foram investidos R$ 139,4 milhões.
“Ao invés de investir em políticas para reduzir a violência, Bolsonaro age para ‘armar’ a população. E quanto mais armas nas mãos dos agressores, maior a probabilidade de a violência se consumar”, lembra Juneia Batista.
Outro fato que comprova a misoginia deste governo é que desde 2016, o Ministério da Família e Direitos Humanos, de Damares, já deixou de executar 70% do orçamento da pasta, segundo dados do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).