Escrito por: Rosely Rocha
Para Federação dos Agricultores do RS, aumento absurdo no custo do leite poderia ser evitado, apesar da alta dos insumos, se governo Bolsonaro tivesse executado o Plano Safra, o Pronaf e estoques reguladores
Por que o leite está tão caro? Essa é uma pergunta que milhares de brasileiros vêm se fazendo nos últimos dias ao se deparar com o litro do leite chegando, em algumas cidades do país, a mais de R$ 9,00. Os valores exorbitantes provocam indignação da população que compara o custo do litro de leite ao litro da gasolina, que está mais baixo do que o alimento.
Para muitos, e isso pode ser constatado em postagens nas redes sociais, os combustíveis se tornaram prioridade do governo de Jair Bolsonaro (PL) que derrubou os preços na marra para tentar melhorar a popularidade e, quem sabe, subir uns pontos nas pesquisas de intenções de voto. Já a inflação dos alimentos, que pesa mais nos bolsos dos mais pobres, não parece incomodar o mandatário.
Inflação dos mais pobres é quase o triplo da dos mais ricos
Somente na cidade de São Paulo, de junho para julho, o valor médio do litro de leite UHT saltou 24,8%, chegando em média a R$ 6,79, de acordo com o levantamento do Procon-SP em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Já o litro da gasolina comum na cidade ficou em média R$ 5,95 – uma diferença de R$ 0,84 (14,1%), entre os dois produtos. Nos últimos 12 meses, o preço do leite em, São Paulo, subiu 72%.
O absurdo é tamanho que os brasileiros estão tentando entender as razões e, para isso, começaram a pesquisar na internet os motivos do aumento no preço do litro de leite. Este assunto, segundo o Google, bateu recorde esta semana. Nunca foi tão procurado em 10 anos. Pesquisas de receitas de purê de batata, brownie e bolinho de chuva sem leite subiram de 160% a 290% em julho, segundo a plataforma de pesquisa.
Para responder a pergunta “por que o leite está tão caro?”, o PortalCUT conversou com o engenheiro agrônomo da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (FETAG-RS), Kaliton Prestes, e a coordenadora da pesquisa da cesta básica do Dieese, Patrícia Costa.
Apesar das questões climáticas como a seca e a entressafra, e o aumento nos preços dos combustíveis (a baixa no valor ainda não foi sentida pela agricultura) e do preço dos insumos, se o governo de Jair Bolsonaro não tivesse cortado verbas para o financiamento de políticas públicas para a agricultura familiar, o preço do litro do leite poderia estar bem mais baixo. Veja abaixo o que o governo deveria ter feito e não o fez.
Hoje, o agricultor do Rio Grande do Sul recebe em média R$ 3,30 pelo litro do leite. O estado é o terceiro maior produtor de leite do país. Em primeiro lugar está Minas Gerais.
De acordo com o engenheiro agrônomo e a coordenadora da cesta básica do Dieese, os motivos são:
- Entressafra: a estiagem nos estados da região sul do país dificulta a pastagem do gado e obriga os produtores a mantê-lo confinado e muitos produtores em razão do preço da ração não conseguem, o que diminui a produção leiteira do gado.
Nos estados da região sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, muitos agricultores chegaram a perder 100% da lavoura de milho, utilizada no complemento da ração.
“A estiagem hoje não tem reflexos visíveis, mas deixa reflexos econômicos na pecuária do leite, que ficou sem capital de giro, deixando uma situação delicada na renda das famílias que dependem da lavoura”, diz Kaliton.
- Custo dos medicamentos e alimentação: tanto os remédios para o gado como a ração composta de farelo de trigo e milho, em sua maioria, são importados e há diminuição de oferta no mercado internacional, em função dos altos preços do commodities e a guerra da Rússia contra a Ucrânia.
“O primeiro item que impacta no custo da pecuária leiteira é o preço da ração baseada no trigo, milho e soja. Os fertilizantes também subiram muito”, diz o engenheiro.
Segundo a Fetag-RS, o valor da ração em 2020 era de R$ 1,57 o quilo; em 2021 subiu para R$ 2,36 e este ano está em R$ 2,42.
Fertilizantes: O fertilizante, outro produto essencial e que o Brasil precisa importar 31% do que necessita para a lavoura e pastagens, aumentou absurdamente. Em junho de 2020, a tonelada custava R$ 1.646; em 2021 subiu para R$ 3.178 e em junho deste ano custava R$ 4.848 – quase 300% de aumento em dois anos. Lembrando que o governo Bolsonaro fechou fábricas de fertilizantes da Petrobras, no Brasil
- Preço dos combustíveis: A atividade pecuarista depende do óleo diesel. Hoje o produtor paga em média no Rio Grande do Sul, R$ 7,20 pelo litro, e há três anos era de R$ 3,80.
Não é a guerra; culpa pelos altos preços dos combustíveis é de Bolsonaro e Temer
- Demanda das empresas de laticínios: as indústrias compram o leite para produzir queijos, manteiga e também o leite integral. Com a menor oferta no campo, a disputa pelo produto se acirra na indústria, aumentando o valor do produto.
Para Patrícia Costa e Kaliton Prestes, os investimentos na cadeia do leite e no estímulo à agricultura familiar, responsável pela produção leiteira no país, foram negligenciados pelo governo Bolsonaro.
“Eu participei de grupo de preços de alimentos e o leite já era uma questão problemática, e num país que tem um dos maiores rebanhos do mundo, o povo não ter condições de comprar um litro de leite é um absurdo”, afirma Patrícia.
O governo Bolsonaro cortou verbas de programas de incentivo à agricultura familiar, segmento que produz 70% do que o brasileiro consome. Entre eles, foi afetado o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Segundo o engenheiro agrônomo, o programa é uma estratégia mais ampla de segurança alimentar, inclusive para a população urbana. Pelo Pronaf, o governo complementa uma linha der crédito aos agricultores. Os bancos emprestam o dinheiro e o governo paga uma diferença nos juros cobrados. Por exemplo, com a Selic, taxa básica de juros, a 13,75% ao ano, os bancos emprestam a juros de 6%, é a diferença de 7,75% é coberta pelo governo federal. O prazo para pagamento varia de um a três anos.
“Sem acesso ao crédito e sem mais tempo para pagar a dívida, a produção fica mais cara e afeta duramente a pecuária do leite”, diz o engenheiro agrônomo da Fetag-RS.
97% da produção do leite é de agricultores familiares e, sem perspectivas, muitos abandonam a atividade agrícola, diminuindo a produção. Somente no Rio Grande do Sul, mais de 50% dos pequenos agricultores vinculados às indústrias deixaram o campo de 2015 a 2021- Kaliton Prestes
FETAG-RS
O Plano Safra é um programa do governo federal criado em 2003 (governo Lula), que prevê o direcionamento de recursos públicos para financiar e assegurar as atividades de pequenos, médios e grandes produtores do país.
O orçamento do Plano Safra compreende 12 meses, de junho a julho de um ano para outro. O de 2021/2022 prevê investimentos de R$ 39,3 bilhões. No entanto, não foi executado até o fim. O mesmo para 2022/2023, apesar do orçamento anunciado no mês passado ser de R$ 53,6 bilhões, até agora não chegou nas mãos dos agricultores. Normalmente após o anúncio do valor a execução é imediata.
O recurso do Plano safra ao Pronaf é uma a estratégia mais ampla do que apoiar o agricultor, é de segurança alimentar. É a ferramenta que impulsiona essa produção de alimento seguro e barato para público, cujo preço se reflete na gondola do supermercado- Kaliton PrestesPrograma de Aquisição de Alimentos sem recursos: O engenheiro agrônomo prossegue criticando o governo Bolsonaro por também ter praticamente extinguido as compras institucionais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
A principal função do PAA, também criado no governo Lula, é o adquirir o leite do produtor e, de forma simultânea, doar para as famílias em situação de vulnerabilidade. Só que agora está esvaziado, praticamente extinto.
“Ele só existe no orçamento, mas não funciona mais. Até o nome foi trocado para Alimenta Brasil, mas seus recursos vêm baixando ano a ano, é vergonhoso”, diz Klaiton.
Em 2014, o orçamento do PPA era de R$ 430 milhões e foi caindo ano a ano. Em 2019 baixou para R$ 97 milhões, e em 2021 atingiu seu patamar mais baixo com R$ 58,9 milhões. A previsão para 2022 é ainda menor, de R$ 46,7 milhões.
Diferença entre PNAE e PAA
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), cria demanda constante de compra para o agricultor familiar produzir durante 10 meses por ano (200 dias letivos), enquanto o PAA depende de aprovação de projetos, em que nem todos os municípios são atendidos; quando o são, a vigência é de 12 meses (365 dias ao ano).