Escrito por: João Antonio Felicio

Por um espírito olímpico coerente: Não à ISDS!

Empresa israelense está associada a crimes contra o povo palestino, torturas, ditaduras e golpes

Leonardo Severo
João Antonio Felicio, presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI)

Os Jogos Rio 2016 hoje são patrocinados pela ISDS, uma empresa associada diretamente aos crimes cometidos contra o povo palestino e às piores experiências de torturas, ditaduras e golpes em nosso continente. Temos agora a oportunidade – e o imperativo moral – de impedir isso

 

Os Jogos Olímpicos constituem um momento de grande visibilidade para o Brasil no cenário internacional. Um evento esportivo que procura representar o congraçamento entre os povos, a convivência solidária, a competição sadia. Um momento que se propõe a colocar o esporte a serviço da promoção de uma sociedade pacífica e do respeito por princípios éticos fundamentais. No entanto, as Olimpíadas no Rio podem significar o seu inverso. Os Jogos Rio 2016 hoje são patrocinados por uma empresa associada diretamente aos crimes cometidos contra o povo palestino e às piores experiências de torturas, ditaturas e golpes em nosso continente. Temos agora a oportunidade – e o imperativo moral – de impedir isso.

Desde outubro do ano passado, a logomarca da empresa israelense ISDS (International Security and Defense Systems) aparece como patrocinadora nos materiais das Olimpíadas Rio 2016. Trata-se do resultado de um contrato com o Comitê Olímpico que prevê que a ISDS forneça equipamentos de monitoramento e tecnologia nas áreas de integração de dados e comunicação. Além disso, a revista israelense IsraelDefenseanunciou que a ISDS também seria a empresa escolhida para coordenar toda a operação de segurança dos Jogos (http://goo.gl/ValdHu).

De acordo com o vice-presidente da empresa, a ISDS trará as “tecnologias certas de Israel e do resto do mundo” nas áreas de “segurança e defesa”, incluindo outras empresas israelenses de pequeno e médio porte, o que fará que os Jogos sejam “uma incubadora para as tecnologias israelenses nessas áreas” (http://goo.gl/ValdHu). Pretende-se usar o Brasil como uma vitrine para as tecnologias que se desenvolvem em cumplicidade e viabilizando as violações do direito internacional. Leo Gleser, presidente da ISDS, classifica Israel como um “Laboratório Experimental” para essas tecnologias (http://goo.gl/ru7Mi3).

A organização palestina Stop the Wall destaca que a ISDS não é uma empresa israelense qualquer: é um símbolo dos crimes contra o povo palestino e contra os povos latino-americanos (http://goo.gl/uPvxN0). Fundada em 1982, a empresa nasce das experiências desenvolvidas pelos sionistas na repressão e no massacre do povo palestino, exportando essas metodologias e tecnologias para o mundo, em particular para a América Central. Uma série de documentos e denúncias apontam o envolvimento da empresa com as ditaduras e golpes militares em Honduras, Guatemala, El Salvador e com o treinamento dos “Contras” na Nicarágua. Na Guatemala, a empresa ofereceu abertamente aulas de “terror seletivo” na época do genocídio. Outras fontes acusam a ISDS de ter treinado os quadros da ditadura hondurenha nos anos 1980.

Além disso, a empresa faz parte do complexo militar israelense, como aponta o jornalista Yossi Melman: “O Ministério da Defesa, o Ministério das Relações Exteriores ou o Mossad recebem um pedido para fornecer consultoria de segurança ou para treinar as forças militares e de segurança para o governante de um país. Como as autoridades não podem ou não vão ajudar diretamente o presidente para promover a segurança e os interesses políticos, aproveitam a oportunidade para oferecer o apoio de empresas privadas israelenses para prestar os serviços solicitados” (http://goo.gl/S3NGYb). Carl Fehlandt, um ex-vendedor de armas da ISDS na Guatemala entre 1982 e 1986, também ressalta que “o governo israelense controla a ISDS e quem dá as cartas é o ministro da Defesa” (http://goo.gl/0Ubcf3).

Nesse sentido, cooperar com a ISDS ou outras empresas sionistas equivale a financiar o massacre do povo palestino e ser conivente com o fato de que mais de 1,2 milhão de pessoas resistem em Gaza a um estado de sítio desumano e ilegal, ainda sob as ruínas de suas casas. Não podemos fechar os olhos para o fato de que comunidades inteiras na Cisjordânia são despejadas pelo exército israelense ou que protestos são sufocados com sangue semanalmente. O conceito de “segurança” de Israel se materializa no encarceramento de uma população inteira atrás de um muro de apartheid que humilha o povo palestino e anexa ilegalmente terras ocupadas.

Movimentos de todo o mundo, artistas e intelectuais intensificam uma campanha pelo embargo militar a Israel e pedem o fim de toda e qualquer cooperação com a política de terrorismo de Estado. Dentre alguns dos signatários desse pedido estão os ganhadores do Nobel da Paz Desmond Tutu (África do Sul), Rigoberta Menchú (Guatemala), Mairead Maguire (Irlanda), Adolfo Perez Esquivel (Argentina), Jody Williams (EUA), Betty Williams (Reino Unido/Irlanda do Norte) (http://goo.gl/QbRn4u). Também em relação ao contrato dos Jogos Rio 2016, já em dezembro de 2014, centrais sindicais, movimentos sociais e a comunidade palestina no Brasil publicaram uma convocatória pelo cancelamento imediato do contrato, em defesa dos direitos do povo palestino, por uma Palestina livre, e em memória e solidariedade às lutas populares de toda América Latina. Em nome da nossa dignidade.

A Confederação Sindical Internacional e diversas centrais sindicais do mundo têm monitorado e denunciado violações dos direitos humanos de empresas envolvidas nos megaeventos esportivos. Fazemos o mesmo nesse caso. É válido ressaltar que o recente relatório da Anistia Internacional sobre as violações dos direitos humanos por parte das forças policiais em nosso país (http://goo.gl/2Zh7ZQ), incluindo a repressão dos protestos e de comunidades no período da Copa do Mundo da Fifa, expõe que por trás desses atropelos há a “lógica do confronto com o inimigo”, difusa nas forças policiais. Essa seria uma razão importante da brutalidade policial, que seguramente sairia fortalecida com contratos com empresas como a ISDS.

Recentemente houve mudanças importantes que imputam às autoridades governamentais brasileiras, e não ao Comitê Olímpico Internacional, a responsabilidade sobre a segurança dos Jogos Olímpicos. Cabe agora à CoesRio2016, uma comissão mista de autoridades federais, estaduais e municipais, deliberar sobre a segurança das Olimpíadas e eventuais contratos com empresas privadas. De acordo com entrevista do presidente da comissão, Andrei Rodrigues, está em discussão neste momento como relacionar-se com os entes privados (http://goo.gl/XcwBG7). As previsões são de que a operação vai ter um custo entre R$ 1,6 bilhão e R$ 2,2 bilhões, envolvendo até 15 mil agentes de segurança e incluindo um extenso trabalho de inteligência e monitoramento.

A recente experiência do Rio Grande do Sul mostrou que desistir da cooperação com as empresas militares israelenses comporta, inclusive, menos desgaste político do que a insistência na cumplicidade com as violações do direito internacional. Desde o início, quando o governo daquele Estado anunciou que firmaria um acordo com a empresa militar Elbit Systems, foi feita uma série de pedidos pelo seu cancelamento, não só da Palestina e do Brasil, mas do mundo todo. Diante de tamanha pressão o governo não pôde subestimar a força moral da conclamação ao embargo militar a Israel e, depois de enfrentar mais de um ano de campanha contra o acordo, decidiu desistir do projeto (http://goo.gl/i1TTfz).

Esperamos que as autoridades brasileiras observem esse caso e considerem esse precedente para estabelecer critérios responsáveis com os direitos humanos para a contratação de empresas. Esperamos, igualmente, que escutem às dezenas de movimentos sociais, partidos políticos, centrais sindicais e grupos de solidariedade internacional que, hoje, 16 de março de 2015, enviam uma carta ao presidente da CoesRio2016, Andrei Rodrigues, solicitando a exclusão categórica da “ISDS das operações de segurança e demais contratações dos Jogos Olímpicos Rio 2016” e o comprometimento em “não contratar empresas com semelhante cumplicidade e ligação com graves violações de direitos humanos e do direito internacional na Palestina e no mundo”.

Por fim, as autoridades brasileiras devem observar que ainda há a oportunidade de evitar o desgaste político que uma campanha internacional contra a contratação da ISDS trará. Devemos aproveitar a chance do nosso país apresentar ao mundo um espírito olímpico coerente, escutando os movimentos que clamam pela exclusão categórica de empresas como a ISDS e seus conceitos repressivos de segurança.

João Antonio Felício, presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI) e membro da executiva nacional da CUT-Brasil. Matéria publicada no Le Monde Diplomatique