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Por votos no Congresso, Bolsonaro barganha com centrão e oferece cargos nas estatais

Contrariando promessa de campanha de que não iria barganhar cargos políticos para governar, Bolsonaro usa as estatais para seu projeto político pessoal

Publicado: 28 Setembro, 2020 - 08h30 | Última modificação: 28 Setembro, 2020 - 09h03

Escrito por: Rosely Rocha

Lula Marques
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A utilização do patrimônio público como arma de barganha política começa a ser colocada em prática de maneira mais escancarada do que vinha sendo feita até agora pelo governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL). Contrariando o discurso que fez durante a campanha eleitoral para a Presidência da República, em 2018, em que dizia que ia acabar com a ‘mamata’ e que não faria acordos com parlamentares, com menos de dois anos de mandato, Bolsonaro já está de olho na reeleição em 2022 e deve usar a máquina pública em seu projeto de poder.

A manobra consiste em entregar cargos nas direções e conselhos das estatais do país ao grupo político denominado “Centrão”, formado por parlamentares dos PP, PSD, PL, PTB, Solidariedade, Pros, Republicanos, Progressista e Avante. São os mesmos partidos que foram criticados pelo general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (SGI) e homem forte de Bolsonaro, que chegou a cantar durante a campanha “Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”, numa alusão ao trecho da música “Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão”.

Segundo reportagem desta semana do jornal Folha de São Paulo, o ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, já se manifestou favorável à decisão de Bolsonaro, e teria avisado seus aliados e a equipe econômica que deve discutir com outros ministros os nomes indicados por políticos do Centrão para ocupar os cargos. Os candidatos aos cargos nas estatais passariam pelo crivo dos ministros Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), ambos da ala militar do governo.

Dezenas de cargos com poder político e econômico das mais de 130 estatais brasileiras pertencentes à União passariam às mãos do grupo, tão criticado outrora por Bolsonaro.

Na avaliação do diretor-executivo da CUT e diretor da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef / Fenadsef), Pedro Armengol, a aliança política entre Bolsonaro e o Centrão nada tem de contraditória, porque a ideia dele é aprofundar o “patrimonialismo”, que é o bem público pertencer ao governo de plantão, ao invés de servir à sociedade brasileira.

De acordo com o dirigente, a decisão de entregar cargos ao Centrão “está  dentro de um plano que envolve a reforma Administrativa, que vai retirar a estabilidade dos servidores, travar concursos públicos, achatar salários para não despertar interesse em pessoas mais capacitadas”.

“Desta forma, o presidente de plantão terá em suas mãos total poder, sem ser questionado em suas decisões mesmo que elas sejam prejudiciais ao patrimônio público e à Nação. Com os cargos de fiscalização e projetos ocupados por quem tem medo de perder o emprego, a possibilidade de passar uma boiada é imensa”, argumenta Armengol.

Centrão já ocupa cargos importantes na administração pública

Um levantamento da “Revista IstoÉ” do mês de setembro mostra que as ligações do Centrão com o governo de Jair Bolsonaro já rendeu frutos para o grupo. Após o apoio formal em maio último, o bloco de 204 deputados ganhou importantes cargos nos ministérios e controla verbas bilionárias.

O Partido Republicanos ganhou a Secretaria de Mobilidade Urbana do Ministério do Desenvolvimento Regional, responsável pela construção e gestão de corredores de ônibus, veículos leves sobre trilhos (VLTs) e metrôs em várias cidades. Os filhos do presidente Carlos e Flávio Bolsonaro se filiaram este ano ao partido, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus.

Ricardo Barros (PP) é hoje o líder do governo no Congresso, no lugar do Major Vitor Hugo (PSL). O Partido Progressista ganhou a diretoria-geral do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), órgão que tem orçamento de R$ 1 bilhão, com Fernando Leão no cargo. E os R$ 54 bilhões administrados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),  estão a cargo de Marcelo Lopes da Ponte, que assumiu a presidência do órgão.

O Centrão ainda conta com o ministro de Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Apesar da base tucana (ele foi eleito deputado pelo PSDB do Rio Grande do Norte), Marinho se aliou ao Centrão durante a tramitação da Reforma da Previdência, ao articular a aprovação do texto no Congresso, quando era Secretário Especial da Previdência no governo Bolsonaro.

Em seu currículo de deputado federal Marinho tem atuação contrária aos interesses da classe trabalhadora. Ele votou a favor da PEC do Teto dos Gastos Públicos (EC 95), que congelou os investimentos públicos por 20 anos  e trabalhou duramente para aprovar a reforma Trabalhista, que retirou mais de 100 itens da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

No campo político votou a favor da admissibilidade do processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) e votou contra o processo em que se pedia abertura de investigação do golpista Michel Temer (MDB-SP), ajudando a arquivar a denúncia do Ministério Público Federal.

Com a decisão de Bolsonaro em abrir as portas das estatais ao Centrão, a “velha política” tão hipocritamente criticada em campanha eleitoral está de volta e com muito mais poder.