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Preço do gás de cozinha explode em cidades abastecidas por refinaria privatizada

Depois que a Petrobras e Bolsonaro privatizaram a Rlam, na Bahia, famílias da Bahia, do norte de Minas Gerais e alguns estados do Nordeste escolhem entre comprar comida ou cozinhar

Publicado: 14 Março, 2022 - 08h00 | Última modificação: 14 Março, 2022 - 14h00

Escrito por: Andre Accarini | Editado por: Marize Muniz

Arte: Edson Rimonatto/CUT
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Desde o golpe de 2016, que destituiu a presidenta Dilma Rousseff (PT), os preços dos gás de cozinha (GLP) subiram 300% e, atualmente, consomem quase toda a renda dos brasileiros e brasileiras, especialmente os que vivem com um salário mínimo, de R$1.212,00, e sofrem também com o arrocho salarial e a escalada da inflação.

E a decisão do presidente Jair Bolsonaro (PL) de privatizar refinarias da Petrobras tem impactado ainda mais a vida das famílias  que vivem na Bahia, no norte de Minas Gerais e alguns estados do Nordeste, abastecidos por uma empresa que comprou a Refinaria Landulpho Alves (Rlam) no final do ano passado.

A Refinaria de Mataripe, antiga Rlam, administrada pela Acelen, uma empresa que pertence a um fundo dos Emirados Árabes que comprou a unidade da Petrobras a preço de banana, tem reajustado os preços dos combustíveis com índices superiores aos praticados pela Petrobras, que já são exorbitantes.

Entre fevereiro e março, a Acelen aumentou os preços do botijão de gás em 13% e, com o mega-reajuste anunciado pela Petrobras na quinta-feira (10), os valores devem subir mais ainda, praticamente inviabilizando a compra do botijão de gás por milhares de pessoas.

A saída das famílias é cozinhar tudo num dia só ou trocar o gás de cozinha por lenha e álcool. Ambas opções são perigosas, em menor ou maior grau. Alguns produtos não duram uma semana mesmo conservados na geladeira. Já lenha e álcool podem provocar acidentes graves, queimaduras e até a morte.

A dona Raimunda Souza, do bairro Liberdade, em Salvador, viúva, que mora em um pequeno apartamento de um condomínio popular com a filha e o neto, não pode usar álcool nem lenha - se morasse numa casa usaria, diz ela – foi obrigada a cozinhar tudo que pode num dia só para tentar economizar o gás.

A renda mensal de dona Raimunda é um salário mínimo que recebe de aposentadoria e não daria para pagar todas as despesas da casa e os remédios que toma para manter a saúde e ainda comprar um botijão de gás.

“Eu tenho a sorte de ter a minha filha, que ganha também um salário e ajuda a manter a casa com meu neto, de 13 anos. Mas tudo é pesado. O gás vai para mais de R$ 130 reais [cerca de 10,7% do salário mínimo] agora e já faz um tempo que tenho que me virar pra conseguir economizar”, ela conta.

Para economizar, ela diz que procura cozinhar tudo de uma vez, em um dia só. “Já cozinho um quilo de feijão pro mês e o arroz pra quatro ou cinco dias, senão não dá!”.

Especialistas em alimentação afirmam que alimentos como o arroz, duram esse tempo, no máximo, até começaram a estragar, mesmo conservados em geladeira. Carnes duram somente dois dias.

“Vou me virando desse jeito. Não posso pensar em cozinhar de outro jeito. Com álcool é muito perigoso e não daria por causa do lugar que moro, mas se desse pra fazer com carvão, eu faria”, diz Raimunda.

Morador de outro bairro popular de Salvador, Jairo Batista, coordenador do Sindipetro-Bahia, contou à reportagem do PortalCUT que que vivencia diariamente o sofrimento da população sufocada pelos preços altos.

“Moro em um bairro popular, então faço parte e tenho contato direito com a parcela da população que tem sofrido muito não só com o aumento dos combustíveis, mas com a fome, a miséria e o desemprego”, diz o dirigente.

“E para ilustrar esse drama de a pessoa não cozinhar com dignidade, basta olhar para o setor de atendimento a vítimas de queimaduras não só na Bahia como em outros estados. São pessoas que se machucaram, se queimaram, por cozinhar com inflamáveis que não são recomendados”, complementa.

As pessoas não têm conseguido comprar gás de cozinha e para cozinhar colocam sua integridade em risco
- Jairo Batista


E isso deve se repetir Brasil afora, diz o dirigente, se a privatização se estender às outras refinarias e a Política de Paridade de Importação (PPI) da Petrobras não cair. Essa política, implementada pelo governo do golpista Michel Temer e mantida por Bolsonaro, faz com que o preço dos derivados do petróleo extraído no Brasil, como a gasolina, o diesel e o gás de cozinha vendidos aqui acompanhem a variação tanto do barril (o Brent) nas bolsas de valores, que seguem a cotação do dólar.

“Toda vez que o dólar e o barril sobem, os preços dos combustíveis sobem aqui”, diz Jairo. E , no caso da Bahia, que depende da distribuição feita pela Refinaria de Mataripe, a situação ficou ainda pior.

“Com permissividade do governo em manter a PPI e dar liberdade para a Acelen colocar o preço que desejar, o que estamos vendo é um abuso, um ato criminoso”, critica o coordenador do Sindipetro-BA.

A situação que já era grave por causa dos aumentos da Petrobras, ficou agudizada, amplificada aqui [na Bahia] por conta da privatização da Rlam, já que Acelen usa o mesmo parâmetro da PPI, mas de forma mais incisiva a ponto de aumentar os preços dos combustíveis mais do que a Petrobras
- Jairo Batista

Para Jairo, não há outra saída - não só para a população da Bahia como para o Brasil - sobreviver se não for revogada a PPI. “Não faz sentindo pagarmos em dólar o que produzimos aqui. Algumas inciativas até podem atenuar o problema, como o projeto aprovado no Senado que cria um fundo de estabilização. Mas temos de ter em mente que o fundo é criado a partir do lucro da Petrobras que é revertido para a própria sociedade. Por mais que seja louvável a inciativa, ainda não mexe com os acionistas, que mais lucram com essa política”.

Nos governos Lula e Dilma, a variação dos preços dos combustíveis seguia um cálculo baseado em vários fatores e possibilitava um controle maior dos preços, explicou Jairo.

Preço Justo 

A Federação Única dos Petroleiros, há dois anos, vem promovendo, em todo o país, ações solidárias que ou distribuem gratuitamente ou vendem a preço justo os combustíveis. Essas ações visam denunciar a Política de Paridade Internacional da Petrobras, mostrando que é possível baratear os preços.

A última delas, realizada pelo coletivo de Mulheres Petroleiras do Sindipetro Paraná e Santa Catarina, doou cem cargas de gás de cozinha para cooperadas da CATAMARE (Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Curitiba e Região Metropolitana).

No caso do gás de cozinha, a FUP mostra que um preço de máximo de R$ 50 por botijão de 13 quilos é mais que suficiente para pagar os custos. “De 2013 a 2014, o gás de cozinha ficou congelado, a Petrobras continuou tendo lucro, sendo uma empresa pujante e até chegou a ser a 6ª maior petrolífera do mundo”, diz Jairo que pontua afirmando que no ano passado, houve na estatal um lucro de mais de R$ 100 bilhões.

Quem paga a conta para que esse lucro seja alto e colocado no bolso de um número reduzido de pessoas é a Dona Maria, Seo João que trabalham para ganhar um salário mínimo e para comprar um botijão de gás. É um lucro em cima de sangue, suor e lágrimas dos brasileiros
- Jairo Batista


Jairo Batista reforça que é urgente o fim da PPI e que a Petrobras atenda à sua finalidade social cobrando preços justos pelos combustíveis, assim, fazendo com que a economia do Brasil volte aos trilhos do desenvolvimento. “Acabar com a PPI é uma necessidade para um país que sonhe e pense em soberano e democrático”, ele conclui.

Projetos aprovados no Senado

Embora com alterações que deixaram de fora propostas consideradas importantes pela bancada da oposição ao governo, o Senado Federal aprovou por 61 a 8 votos o Projeto de Lei 1472/2021 de autoria do Senador Rogério Carvalho (PT-SE) e relatado pelo Senador Jean Paul Prates (PT-RN), que cria a Conta de Estabilização de Preços dos Combustíveis (CEP-Combustíveis).

Além disso, estabelece um auxílio de até R$ 300 mensais para motoristas autônomos de baixa renda. A FUP e o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) participaram, desde o início, dos trabalhos de construção do PL 1472 original. Porém, o texto final acabou sendo modificado por emendas parlamentares.

O PL tem como objetivo criar um colchão de amortecimento para permitir ao governo reduzir o preço dos combustíveis e do gás de cozinha, e aproveita o programa de estabilização de preços inserido na Política Energética Nacional, aprovada em 1997. O mecanismo utiliza limites mínimos e máximos para proteger o consumidor final da constante variação dos preços no mercado. Quando os preços fiquem menores ao limite inferior, os recursos sobrantes serão guardados na CEP, para serem utilizados quando os preços estiverem acima do limite máximo.

Também foi aprovado o Projeto de Lei Complementar PLP número 11, de 2020, que estabelece novas formas de cobrança para o ICMS sobre os combustíveis e, segundo o relator, “vai permitir uma redução nos preços dos combustíveis sem prejuízos para as finanças dos estados”.

Segundo o coordenador geral da FUP, Deyvid Bacelar, a aprovação do PL 1472/2021, “é apenas um primeiro passo para a autonomia do país e dos brasileiros”, e é o resultado “de uma bancada de oposição que não aposta no quanto pior melhor, e que precisou apresentar uma medida paliativa, em um cenário de omissão do governo federal e da gestão da Petrobrás, que terceirizaram parte do problema para os governadores”.

Mas acrescentou: “apesar de ficar felizes com a notícia, não podemos esquecer de que a grande solução para abaixar os preços dos derivados é a revogação imediata do Preço de Paridade de Importação, que é o grande culpado pelos aumentos abusivos dos combustíveis desde que adotado pela gestão golpista da Petrobrás em 2016”.

 

*Com apoio da Federação Única dos Petroleiros (FUP)