Escrito por: Érica Aragão
As denúncias da categoria aumentaram com a pandemia e, muitas vezes, foi preciso a intermediação da Justiça do Trabalho para que os sindicatos conseguissem garantir medidas de proteção para os trabalhadores
No começo da pandemia do novo coronavírus no Brasil, quando foi decretado estado de calamidade por vários governos, empresas de vários setores estavam sendo massivamente denunciadas. Muitas delas, visando o lucro acima da vida, de forma irresponsável, mantinham seus trabalhadores e trabalhadoras, muitas vezes arriscando suas vidas, em ambientes com fatores maiores de risco de contaminação sem proteção.
Não foi diferente com os operadores de teleatendimento em todo país, que já vivem em um ambiente do trabalho muito difícil. Os jovens, que são maioria do setor, já enfrentam trabalhos com alta rotatividade, salários baixos, muita cobrança, assédio moral e até sexual, fora os adoecimentos pela função.
Além disso, são locais de trabalho onde têm muitas pessoas juntas e sem janelas.
Tudo isso se tornou um problema maior para a categoria, após pandemia. As exigências de cuidados e proteção à saúde dos trabalhadores se intensificaram e aumentou a necessidade de controlar o risco de contaminação com a Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, no local de trabalho. Cresceram também os números de denúncias da categoria, já que o setor foi considerado essencial por um decreto de Jair Bolsonaro (ex-PSL).
E para proteger a saúde e vida dos trabalhadores e das trabalhadoras do teleatendimento, os sindicatos da categoria de todo país potencializaram a vigilância em relação as condições de trabalho, pressionaram os patrões e buscaram, muitas vezes, a justiça para conseguir proteger a vida, saúde, empregos e direitos da categoria.
“As condições de trabalho da categoria sempre exigiram de nós muita vigilância e com a pandemia a gente começou a receber muito mais denúncias de que as empresas não ofereciam álcool em gel, não estavam mantendo o distanciamento entre os trabalhadores, que também não estavam fornecendo máscaras o que exigiu da gente potencializar a vigilância”, explica o presidente da Federação interestadual dos trabalhadores e pesquisadores em serviços de Telecomunicações (Fitratelp), João de Moura Neto, conhecido como Moura.
Segundo o presidente da Livre, outra federação da categoria ligada a CUT, e presidente do Sindicato dos trabalhadores em Telecom-Rio (Sinttel-Rio), Luis Antonio Silva, logo que foi decretada a calamidade pública no estado o sindicato enviou uma carta para todas as empresas do setor exigindo que seguissem as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e que fornecessem os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), afastando os trabalhadores do grupo de risco e que garantissem os espaçamento entre as baias de trabalho.
E mesmo assim, conta ele, foi muito difícil conseguir que estas medidas básicas de proteção fossem cumpridas e em muitos locais foram preciso a intermediação da Justiça do Trabalho.
“Nossos diretores ficavam presencialmente nas empresas cobrando e até paralisações foram necessárias para que a empresa entendesse de fato que era preciso seguir os procedimentos da OMS para garantir a vida e saúde dos trabalhadores, mas em alguns locais só com ação na justiça”, afirma Luis.
A luta dos sindicatos começou bem antes
Mesmo antes das medidas provisórias que o governo editou de emergência para este período, explica Moura, os representantes dos sindicatos da categoria já estavam dialogando com as empresas, com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e com a vigilância sanitária para poder cobrar das empresas medidas de segurança e saúde para a categoria.
“Os sindicatos da CUT tiveram papel importante na garantia do distanciamento, do rodizio dos trabalhadores, da adoção do home office para boa parte da categoria com garantia de direitos e benefícios. Lutamos também para exigir a medição da temperatura por técnicos de enfermagens contratados em todas as empresas”, contou Moura.
Ele conta também que devido à restrição do transporte público em diversas cidades, os sindicatos também estão exigindo que as empresas não punam seus trabalhadores e trabalhadoras por atrasos ou qualquer dificuldade causada no percurso até o local de trabalho.
“Mesmo tendo ainda problemas na categoria, hoje as medidas preventivas estão mais presentes, todas as empresas estão com efetivo reduzido, respeitando o espaçamento, com distribuição de álcool em gel, mais rigidez na higienização e isto só está acontecendo porque o sindicato mantem a vigilância constante”, afirma Moura.
Em Belo Horizonte não foi muito diferente. No início da pandemia 100% da categoria estava exposta ao vírus trabalhando em locais com muitas pessoas, em locais fechados e ainda sem qualquer medida de proteção.
Segundo a secretária da Mulher da Fitratelp, secretária-geral do Sindicato dos trabalhadores em Empresas de Telecomunicações do Estado de Minas Gerais (Sinttel-MG) e secretária de Juventude da CUT no estado, Lourdes de Fátima Pires, foi preciso uma ação sindical e uma liminar da justiça para que uma escala mínima, home office e as questões de segurança e cuidados fossem garantidos para os trabalhadores e trabalhadoras.
Vigilância permanente e garantias
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações de Pernambuco (Sinttel-PE) ligado a Livre, Marcelo Beltrão, disse que, dia sim e dia não, ele e mais o diretor jurídico estão em contato direto com as empresas, seja por reuniões virtuais pessoalmente, monitorando as condições de trabalho e o comprimento das medidas de segurança exigidas pelos sindicatos.
Segundo ele, com a pressão e vigilância permanente, o Sinttel de Pernambuco, com apoio do MPT, conseguiu garantir que 50% das 30 mil pessoas da categoria no estado ficasse em home office. E para os que permaneceram no local de trabalho, o sindicato conseguiu manter o espaçamento de dois metros de distância, com trabalho em dias alternativos e garantiu as férias para quem tinha o benefício vencido e até para os que tinham férias a vencer.
“A nossa preocupação é tirar o máximo de pessoas do local de trabalho, evitar pegar transporte público e garantir a vida e a saúde de milhares de profissionais e isso tem funcionado, porque entre a categoria em Pernambuco, oficialmente, tiveram 2 óbitos e 60 casos confirmados na categoria. Diante do tamanho da categoria poderia ter sido muito mais se os sindicatos não tivessem de olho”, afirmou Marcelo.
Lourdes conta que as fiscalizações em Belo Horizonte são quase que diárias, o que permitiu que as ações foram tomadas rapidamente.
“O call center é um dos locais com maiores risco de se contaminação, porque uma empresa muitas vezes emprega até mais de 10 mil pessoas e a proliferação do vírus ia ser em larga escala e a gente ficou muito preocupado com isso”, explicou.
Atual momento
Luis conta que no Rio de janeiro a discussão agora é sobre a Medida Provisória (MP) nº 936, que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que permite a suspensão do contrato de trabalho, por 60 dias, e a redução da jornada e salários por 90 dias, em 25%, 50% e 70%, com direito a estabilidade temporária do trabalhador e o recebimento de benefício emergencial pago pelo governo.
Além disso, conta ele, começaram agora também as negociações de protocolo nas empresas para manter a vida, saúde, empregos e benefícios quando as atividades econômicas voltarem.
“Vai ser preciso continuar seguindo a risco as normas da OMS para preservar vidas, já que não sabemos quando essa pandemia irá passar. Além disso, queremos garantir mais do oferece a MP e conseguir que todos e todas, inclusive os que tiverem contratos suspensos, redução de jornada e de salários, continuem recebendo seus salários, que já é pouco, e também seus benefícios, mesmo em home office”, afirma Luis.
“Além de vigilantes, a gente tem se reunido com comissão do governo estadual com representantes de vários sindicatos, inclusive patronais e com a CUT estadual para também pensar procedimentos para quando iniciar o retorno das atividades”, diz Moura.
Preocupações com flexibilização e pós pandemia
Lourdes contou que em Belo Horizonte já há flexibilização das atividades econômicas e que a maioria das empresas têm seguido as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para proteger os trabalhadores. Mas Lourdes fala que agora os problemas que a categoria veem enfrentando são as reduções salariais e de jornadas, suspensão de contratos de trabalhos e até demissões.
“Antes da pandemia várias empresas já estavam ameaçando demissões e outras já estavam demitindo e aproveitaram este momento para fazer o que achavam que tinham que fazer. Só do último dia 25 para cá mais de 350 pessoas foram demitidas e a gente sabe que janeiro será o mês que teremos um balanço melhor sobre os reflexos do que acontece agora”, ressaltou Lourdes.
Para ela, tanto o sindicato, a federação quanto a CUT no estado estão discutindo e já pensando no pós pandemia para conseguir garantir acordos coletivos, empregabilidade, direitos e vidas.
“A nossa preocupação também está no pós pandemia porque o setor tem muitos jovens e a juventude será a mais penalizada, porque não tem muita experiência de trabalho, vai precisar de formação e a gente ainda tem um presidente que é contra a educação. Vamos precisar fortalecer ainda mais a luta para além de garantir empregos, defender a vida, saúde e oportunidades justas”, ressaltou.
Acordos coletivos bom e empregabilidade
Marcelo contou também que mesmo com todos os problemas, o sindicato em Pernambuco tem conseguido conquistado Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) com reajustes acima da inflação, sem nenhum retrocesso e ainda conseguindo garantir auxílio creche, vale alimentação e transporte mesmo para os que estão em home office.
Além disso, na semana passada, os diretores do sindicato precisaram ir até a porta de uma empresa que estavam contratando 400 pessoas para cobrar medidas protetivas para quem estavam na fila em busca de emprego.