PA: mandante do assassinato de extrativistas será julgado
Absolvido no primeiro julgamento, fazendeiro José Rodrigues Moreira está foragido
Publicado: 06 Dezembro, 2016 - 12h32 | Última modificação: 06 Dezembro, 2016 - 12h40
Escrito por: Fátima Gonçalves e Maristela Lopes

Acusado de ser o principal mandante do assassinato do casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, o fazendeiro José Rodrigues Moreira irá a novo julgamento, dessa vez, em Belém. Os crimes ocorreram em 2011, no assentamento Praia Alta Piranheira, no município de Nova Ipixuna, sudeste paraense, a 390 quilômetros da capital.
Mas José Rodrigues não estará sentado no banco dos réus quando o julgamento iniciar na manhã desta terça-feira (6) porque está foragido desde que a sua prisão preventiva foi decretada logo após a anulação do primeiro júri que o absolveu em 2013, na cidade de Marabá. O irmão dele e um dos executores do assassinato, Lindonjonson Silva Rocha, embora condenado, conseguiu fugir há um ano do presídio de Marabá, também no sudeste do estado. O único que está cumprindo a pena de 42 anos de reclusão, é o pistoleiro Alberto Lopes do Nascimento.
Esta parece uma notícia do século XVIII ou XIX, mas estamos em pleno século XXI, onde ainda, no Norte do Brasil, pessoas são perseguidas e assassinadas por causa de terra, por protegerem a floresta da sanha devastadora daqueles que só visam o lucro e por quererem viver outras formas de vida em perfeita sintonia com o meio ambiente.
José Cláudio e Maria eram assim: apaixonados pela floresta, pelas castanheiras (árvore nobre e em extinção) e pela luta em prol da dignidade dos moradores de assentamentos. Mas perderam a vida por causa da ambição de homens ricos e poderosos.
Por isso que tanto os familiares do casal quanto os representantes de movimentos sociais que lutaram por um novo julgamento consideram que a condenação do mandante será uma vitória. Um acampamento será montado na praça Felipe Patroni, em frente ao Tribunal de Justiça do Pará, até o encerramento do julgamento, que não tem hora nem dia para acabar. Às 7h30 começará uma celebração ecumênica inter-religiosa. “A família deles tem o direito de ver triunfar o império da justiça, não o império da impunidade”, disse padre Paulino, da Comissão Pastoral da Terra.
Claudelice dos Santos, irmã de José Cláudio, considera fundamental a luta para que a justiça seja feita, até para poupar a vida de outros ameaçados. “Se eu me acovardar, se a minha família se acovardar, outras pessoas que estão na luta vão morrer. A impunidade perpetua a violência no Pará e esta é mais uma oportunidade de se fazer uma justiça completa”, disse.
A história
Toda a história de luta do casal começou em 1997, quando foi criado o assentamento Praia Alta Piranheira. Desde o início, eles se propuseram a lutar pela criação de um modelo de moradia diferenciado do que ocorre na região, onde prosperam os desmatamentos descontrolados, violações de direitos, assassinatos e desaparecimentos. Apesar das ameaças, eles estavam conseguindo manter o assentamento longe dessa realidade.
Porém, a dedicação deles pela preservação da floresta e das castanheiras começou a incomodar os donos de carvoarias e madeireiros que atuavam ilegalmente na região. A partir de 2002, quando se se intensificaram os desmatamentos na área, o casal protocolou várias denúncias em todos os órgãos. Em 2008, José Cláudio foi incluído em uma lista de ambientalistas da Amazônia marcados para morrer.
Em 2010, o fazendeiro José Rodrigues adquiriu ilegalmente lotes de terras na reserva extrativista onde três famílias já residiam há quase um ano. Ele expulsou violentamente as famílias e queimou a casa de uma delas. José Claudio e Maria do Espírito Santo denunciaram o caso às autoridades e deram todo o apoio para o retorno das famílias para seus lotes. O duplo homicídio foi minuciosamente premeditado e cruelmente executado.
José Cláudio e Maria do Espírito Santo foram assassinados a tiros em 24 de maio de 2011, quando passavam de motocicleta por uma ponte de madeira na estrada vicinal que dá acesso a vários assentamentos da região de Nova Ipixuna.
Armados, Lindonjonson e Alberto se esconderam no meio da vegetação próximo à ponte e, sem possibilitar defesa às vítimas, atiraram e ainda cortaram a orelha de José Cláudio.
Durante a fase de investigação do crime, quando a polícia chegou ao nome de José Rodrigues como o primeiro acusado pelo crime, foi pedida de imediato a prisão temporária dele, porém juiz de Marabá, Murilo Lemos, negou o pedido de prisão. Depois, a polícia chegou ao nome de Lindonjonson Silva, irmão de José Rodrigues, como um dos executores do duplo homicídio. Por mais duas vezes foi requerida a prisão preventiva do fazendeiro, mas o juiz negou os pedidos.
Foi preciso que os familiares e os movimentos sociais denunciassem a parcialidade do juiz à imprensa, aos organismos de direitos humanos e ao próprio Tribunal de Justiça do Estado. Frente à pressão da sociedade e a exigência do Tribunal é que o juiz decidiu então decretar a prisão dos acusados.
Em junho de 2013, em Marabá, o mesmo juiz, Murilo Lemos, presidiu o julgamento dos três envolvidos. No final, os dois executores foram condenados a 42 anos de prisão e o fazendeiro foi absolvido graças a um comportamento escandalosamente tendencioso do magistrado, que criminalizou as vítimas.
Claudelice dos Santos lembra que julgamento foi um verdadeiro teatro. O fazendeiro José Rodrigues Moreira chegou a se ajoelhar, chorar e usar a Bíblia para jurar inocência e pedir bênção especial ao juiz, aos jurados, aos advogados e às pessoas presentes no tribunal de júri.
Diante de provas tão evidentes de favorecimento ao réu foi feito um recurso de apelação, pedindo a anulação do júri e para que o novo julgamento não ocorresse em Marabá, e sim em Belém. Para a CPT isso é fundamental porque um júri próximo ao local do crime sofre muita influência do poder econômico.
Ainda chorando muito quando lembra do ocorrido, Claudelice conta que desde os crimes que a família tentando superar emocionalmente a dor e continuar a luta de José Cláudio e Maria deles para que outras pessoas não tenham o mesmo fim. “A dor é grande até hoje. Só vamos parar quando o Estado Brasileiro cumprir o seu papel. Queremos um julgamento imparcial. Depois, vamos lutar para encontra-lo”, observa
Ou seja, nesta terça-feira a História dá uma nova chance para que se faça justiça de fato no Pará e no Brasil para o bem de todos e todas que, assim como o casal extrativista, lutam pela dignidade e pelos direitos de pessoas e ambientes indefesos.