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Prisão de Lula: 'País passa por momento pior do que na decretação do AI-5'

"Caíram todas as máscaras", diz Laymert Garcia dos Santos. "As pessoas não percebem que, se um ex-presidente tem um habeas corpus negado da maneira obscena como foi, imagina então um cidadão comum"

Publicado: 10 Abril, 2018 - 12h00 | Última modificação: 10 Abril, 2018 - 19h30

Escrito por: Eduardo Maretti, da RBA

CC FOTOS PUBLICAS
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Polícia acompanha ato público de apoio a Lula em Curitiba

"Agora a gente vai ver se a aposta de botar a canga no pescoço do povo e levar para uma situação neocolonial foi ganha. Vai ser ganha mesmo? Isso vai depender da capacidade de resistência." Assim o sociólogo Laymert Garcia dos Santos fala de suas expectativas sobre o processo político-institucional que culminou com a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista à RBA. 

"Quando a gente diz que a situação está difícil é porque o fascismo está implantado mesmo. Ele estava se implantando dois anos atrás e agora está aí na cara de todo mundo", acrescenta. "Com a prisão do Lula caíram todas as máscaras. E as últimas máscaras importantes que caíram mostraram a suposta neutralidade dos militares e do Judiciário."

Para o sociólogo, as pessoas de um espectro que vai dos democratas a setores da esquerda não estão entendendo a gravidade da situação do país, quando um ex-presidente da República tem seus direitos negados pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF) "de maneira obscena". 

"Uma vez que caíram todas as máscaras, a questão Lula é: qual será a reação e a resistência a isso?" Na opinião de Laymert, antes do desfecho e da prisão do ex-presidente, já era óbvio que o golpe não teria deposto a ex-presidenta Dilma Rousseff "para depois entregar ao Lula". "É óbvio, mas parece que a gente ainda tem que insistir no óbvio, porque ainda tem gente achando que tem que apostar as fichas na Rosa Weber."

As pessoas, comemorando, ou estão totalmente alienadas ou estão contaminadas pelo ódio mesmo
- Laymert Garcia dos Santos

Leia a entrevista: 

Há dois anos, você afirmou que o fascismo já estava no país. Hoje, quais suas perspectivas? Ainda acredita em uma reviravolta no quadro político?

O momento é difícil. Mas, ao mesmo tempo, penso que agora é que as coisas vão começar efetivamente. Há dois anos eu achava que a elite tinha feito a aposta que colocava a canga no pescoço do povo e levava para uma situação neocolonial.

Eu acho que ela fez essa aposta e agora é a hora de ver se ela ganha ou não ganha essa aposta. Quando a gente fala que a situação está difícil é porque o fascismo está implantado mesmo. Ele estava se implantando dois anos atrás e agora está aí na cara de todo mundo.

Boa parte do meu silêncio durante todo esse período é que eu achava que não adiantava falar, porque tudo o que se enunciava parecia que entrava por um ouvido e saía pelo outro. As pessoas continuavam achando que, se “continuar assim, o fascismo vai vir”. Mas o fascismo já estava aí e as pessoas achavam que podia ser uma eventualidade.

O que representa a prisão de Lula?

Como o fascismo já está aqui, com a prisão do Lula caíram todas as máscaras. E as duas últimas máscaras importantes que caíram mostraram a suposta neutralidade dos militares e também do Judiciário. Existia a ameaça, mas sempre havia a esperança de a gente ser salvo in extremis.

No último minuto ia ter alguma coisa no STF, em alguma instância teria algum jeito de resolver, no Tribunal Superior Eleitoral ia ter alguma coisa que permitiria fazer com que não acontecesse aquilo que estava, com todas as evidências, se colocando desde o golpe contra a Dilma.

E era óbvio que eles não dariam o golpe contra a Dilma para depois entregar ao Lula. É óbvio, mas parece que a gente ainda tem que insistir no óbvio, porque ainda tem gente achando que tem que apostar as fichas na Rosa Weber. Então é preciso dizer que agora caíram todas as máscaras.

Uma vez que caíram todas as máscaras, a questão Lula é: qual será a reação e resistência a isso? Eu estive em São Bernardo e confesso que, apesar da alta qualidade da resistência lá, acho que era pouca gente. Diante da gravidade da situação, era para ter 300 mil, 400 mil pessoas.

Quem foi a São Bernardo era a militância, mas o povo mesmo não foi, é isso?

Exato. Mas acho até que nem os democratas, nem as pessoas de esquerda foram. As pessoas do meu entorno não foram. As pessoas, digamos assim, informadas, também não foram. Elas consideraram que o dia a dia delas era mais importante. Se ali estivessem 300 mil pessoas, provavelmente o Lula não ia nem se entregar, porque não iam deixar. Uma massa de 200 mil, 300 mil pessoas criaria um fato político de tal envergadura que ia ser impossível ele se entregar.

Supondo que o Lula seja solto por uma medida judicial de uma hora para outra, o que isso mudaria?

Se o Lula for solto de uma hora pra outra, isso não mudaria minha opinião, porque o episódio não termina com a prisão do Lula ou com a soltura dele daqui a pouco. Se ele for solto, nada garante que ele vai ficar solto. A gente já viu a natureza desse Judiciário de alto a baixo. Ou melhor, de baixo a alto. E a gente já viu o comprometimento dele com o golpe.

Se isso já está claro, se a máscara já caiu, não adianta a gente achar que vai ter uma medida, um recurso, alguma coisa que tire o Lula da cadeia. O problema já não é nem o Lula, o problema é o grau de mobilização e compreensão das pessoas do que é que está em jogo. O que está em jogo já é maior do que o Lula.

O que está em jogo?

As pessoas achavam, e continuam achando, que a eleição do Lula resolveria o problema da crise brasileira. O que está claro é que a eleição do Lula poderia ajudar em parte a resolver a crise brasileira. Mas ela não vai se resolver só com Lula, dado o grau de divisão e conflito que existe na sociedade.

O projeto neoliberal fascista é muito claro, e as forças desse campo sabem o que querem, apesar de elas se destroçarem entre si. Já do lado da esquerda, não está claro. Sem ser a eleição do Lula, o que mais está claro?

Isso é muito complicado, porque com o golpe eles querem eliminar o Lula de qualquer maneira e, para não eliminá-lo, precisava ter uma mobilização que falta. Falta povo.

Fernando Haddad fez uma análise meses atrás segundo a qual o projeto “deles” seria levar a direita e a extrema direita para o segundo turno, para no final eleger a direita. Como avalia essa tese?

Eu concordo. Acho que muito provavelmente vai ser algo assim. Por isso acho complicado analisar a crise só sob o prisma eleitoral, como se as eleições pudessem resolver essa crise. Seja a vitória da direita, seja da extrema direita, não resolve os problemas do país, não resolve a guerra entre as elites e o povo. Essa guerra vai continuar, de alguma maneira.

E não caiu ainda a ficha sobre a situação real em que nós estamos. Parece que ainda vai-se conseguir resolver a questão pela via eleitoral. Existe uma espécie de bom-mocismo da esquerda, de acreditar em alguma medida salvadora de alguém do Judiciário que possa fazer alguma coisa, quando tudo já foi rifado, a legalidade, a Constituição.

Há duzentos exemplos do que foi sendo rifado no caminho, de como a Constituição foi vilipendiada, como não existe mais lei, como o que existe mesmo é Estado de exceção. Tinha uma controvérsia sobre o Lula se entregar ou não. Eu acho que a posição mais interessante foi a do Guilherme Boulos, que é quem está na frente da mobilização ["Se alguém rasgou a Constituição foi quem condenou sem prova, que quis determinar prisão sem trânsito em julgado (...) Nunca vi um foragido que o Brasil todo sabe onde é que está”, disse Boulos na sexta-feira, 6].

Como candidato, o que Guilherme Boulos representa e o que ele herda nesse processo?

Para mim, ele aparece como o verdadeiro herdeiro do Lula, no sentido de uma relação direta com o povo, e de uma política que privilegia essa relação. O que ele vai conseguir com isso não depende só dele, vai depender muito mais da capacidade de conseguir mobilizar muita gente, o que acho que está difícil, porque olhando dentro da esquerda e entre as pessoas informadas, diante da gravidade da situação, as pessoas não se deram conta do que está acontecendo, do que significa por exemplo suspender o habeas corpus.

O que é contra todos os cidadãos...

É claro. Parece que as pessoas não conseguem perceber que, se um ex-presidente tem um habeas corpus negado da maneira  obscena como foi, imagina então um cidadão comum que se torna suspeito por alguma razão em alguma instância. As pessoas não se deram conta, acham que a vida delas está igual.

E muitas pessoas comemorando a prisão. Como viu esse clima?

As pessoas comemorando estão ou mal informadas, totalmente alienadas, ou então estão contaminadas pelo ódio mesmo.  Mas estava falando sobre o campo da esquerda e do campo democrático, que em princípio agregaria muita gente, porque afinal tem bastante eleitor do PT e dentro da esquerda. A ficha não caiu.

Quando Dilma foi afastada, você disse que sua expectativa era de que o país levaria 20 anos para se recuperar. Continua com essa expectativa?

Continuo com essa expectativa, porque isso que veio, veio para ficar, com uma violência mais forte do que em 1964. Eu considero que o que aconteceu no STF e o modo como a decretação da prisão do Lula se deu, e os sinais de desdobramentos, o modo como o Judiciário se comporta etc., pra mim tudo isso é pior do que o AI-5.

Eu tinha 20 anos de idade e lembro como era exatamente o meu sentimento no dia em que foi decretado o AI-5 – eu era estudante na Escola de Comunicação da Faculdade de Filosofia  da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Eu estava vivendo tudo aquilo, o episódio Edson Luís etc. (estudante secundarista assassinado por policiais militares no restaurante Calabouço, centro do Rio de Janeiro, em 28 de março de 1968). E hoje tenho a sensação de que o que aconteceu na semana que passou foi pior do que a decretação do AI-5.

Por quê?

Porque foi mais grave no sentido de que você percebe que as forças destruidoras estão muito mais articuladas do que eram naquela época e o entendimento do que significa isso, em termos de mobilização de resistência, é menor do que naquele tempo. Caem as máscaras todas. Tudo está explicitado. E agora a gente vai ver se a aposta de botar a canga no pescoço do povo e levar para uma situação neocolonial foi ganha. Vai ser ganha mesmo? Isso vai depender da capacidade de resistência.