Escrito por: Rosely Rocha

Privatiza que piora: Enel provoca o caos em São Paulo com prolongados apagões

Empresa de energia que atende São Paulo deixou milhares de moradores e comerciantes às escuras durante uma semana. Governo federal quer rescindir contrato com Enel no país por dívida de R$ 300 milhões 

Rovena Rosa / Agência Brasil
Trabalhadores da Enel

A Enel, concessionária de energia que passou a atender as cidades de São Paulo e da região do ABC, entre outras, após a privatização feita pelo governo paulista em 1999, tem causado revolta na população pelas constantes falhas e apagões que duram dias, por falta de manutenção e pessoal capacitado para fazer os reparos necessários.

O último apagão ocorreu há cerca de 10 dias, deixando milhares de residências e estabelecimentos comerciais, no centro da capital paulista, sem energia elétrica por uma semana. Este não foi o único apagão ‘prolongado’. No final do ano passado, mais de dois milhões de endereços ficaram sem energia após fortes chuvas.

Os motivos dos apagões e do mau atendimento já foram diversas vezes denunciados por sindicalistas ouvidos portal CUT nacional e as últimas falhas só reforçam os argumentos de que a privatização faz mal à população.

O operador de usina, Carlos Alberto Alves, do Coletivo de Energia do Sinergia CUT, sindicato que representa 30 mil trabalhadores do setor elétrico do estado de São Paulo, exceto a capital e partes da região metropolitana e baixada santista, acompanhou de perto a precarização a que foi submetido o sistema energético no estado. Segundo ele, em 40 anos de trabalho, nunca se viu uma situação tão caótica como agora.

“Demitiram mais de 30% do quadro dos trabalhadores mais experientes, o que provocou uma perda significativa na qualidade do serviço prestado. Os novos contratados têm os salários reduzidos em mais de um terço na comparação com os que foram demitidos”, diz Carlos Alberto.

Além disso, ele prossegue, o atendimento é feito por empresas terceirizadas que não qualificam efetivamente os trabalhadores. “Há um alto grau de precarização nas condições de trabalho, saúde e segurança. Todas essas mazelas são de responsabilidade da Enel que está cometendo todos os erros possíveis na gestão da concessão. E não podemos esquecer que a concessão é pública, portanto, é da sociedade”, diz o sindicalista.

A empresa, no entanto, ganha muito com a precarização. No fim de março, foi anunciado um lucro líquido de 3,44 bilhões de Euros em 2023, ante 1,68 bilhão de Euros no ano anterior.

Enel pode perder concessão

Além do desrespeito pelo consumidor, a Enel, que tem a concessão até 2028, sequer tem pago as multas impostas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pelos prejuízos causados. Nesta segunda-feira (1°), o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que a empresa não pagou nenhuma das multas aplicadas, que somam cerca de R$ 300 milhões, e por conta disso e dos apagões, determinou a abertura de um processo disciplinar contra a empresa.

Ainda de acordo com Silveira, o processo pode levar ao fim da concessão. "Estamos tomando uma medida extremamente rigorosa e singular. É a primeira vez que o ministério, como formulador de políticas públicas do sistema elétrico brasileiro, toma uma medida com esse nível de rigor", afirmou em entrevista à GloboNews.

Apesar da Enel ter ganho a concessão feita pelo governo de São Paulo, o governo federal pode aplicar sanções por ser a Aneel um órgão fiscalizador dos serviços públicos e privados que atuam como fornecedores de energia, vinculado ao Ministério de Minas e Energia.

Mundo reestatiza, Brasil privatiza

A Enel é responsável pela distribuição de energia em 29 países. Na América Latina, segundo maior mercado da companhia, o Brasil e o Chile são os maiores consumidores dos serviços da distribuidora na região. O primeiro lugar é a Itália, país de origem da Enel, que lá é uma estatal. Anteriormente, uma estatal francesa e uma chinesa também foram concessionárias de energia no Brasil.

Segundo Carlos Alberto Alves, a privatização de companhias de distribuição de energia elétrica por governos estaduais brasileiros, com a concessão a estatais estrangeiras, chama a atenção. “Em outros países, o controle estatal é priorizado por ser uma questão de segurança nacional”, pontua o dirigente.

A maior empresa de energia do país, a Eletrobras, também foi privatizada e a um preço abaixo do mercado pelo ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), em 2022, após uma imensa batalha jurídica em que os sindicatos de eletricitários contestaram a venda da estatal.

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“A privatização da Eletrobras foi no caminho contrário de outros países como a Alemanha, a França, entre outros, que estão reestatizando suas companhias de energia, de saneamento e outras. São países que veem a energia como uma coisa de segurança nacional”, conta o sindicalista do Sinergia.

A privatização da Eletrobras foi vergonhosa. É uma empresa que era responsável pelo desenvolvimento e geração de empregos no país e a partir dela você tinha programas sociais importantes, como a expansão de energia elétrica- Carlos Alberto Alves

O dirigente critica ainda o fato do governo federal possuir 43,10% das ações, após a venda (antes detinha 60%), mas só tem poder de 10% dos votos dos acionistas e não pode votar de acordo com a quantidade de ações que possui.

Entenda

Durante o processo de privatização foram colocadas as chamadas “poison pill” (pílula de veneno), que praticamente impedem a reestatização da empresa.

Em outubro de 2022, o Conselho do Programa de Parceria de Investimento (CCPI) regulamentou a "poison pill". Isto significa que qualquer acionista ou grupo de acionistas que ultrapasse, direta ou indiretamente, 50% do capital votante teria 120 dias para pagar pelas ações pelo menos 200% a mais do preço de cotação. Ou seja, o valor para a reestatização seria pelo menos 230% (a preços de outubro/2022) a mais do que pagaram pelas ações os compradores da Eletrobras.

Segundo cálculos do Coletivo Nacional dos Eletricitários, por conta desta cláusula, a União teria de pagar R$ 161 bilhões para reaver o controle da Eletrobras. Caso a poison pill e a limitação sobre poder de voto sejam derrubadas, o custo para reestatizar a Eletrobras seria de cerca de R$ 5 bilhões.