Escrito por: Andre Barrocal, da Carta Capital
Petroleira é acusada de tentar fraudar decisão do STF, enquanto estatal de cartas tem guerra de números e greve anunciada
As centrais sindicais promovem em 7 de agosto protestos contra o governo Jair Bolsonaro. Um dos motivos são as mortes por coronavírus, à beira de 100 mil. O outro, a cobrança por mais empregos e por menos privatizações. No capítulo “privatizações”, há hoje rolos na Petrobras, a desaguar na Justiça, e nos Correios, palco de disputa entre direção e funcionários a levar à convocação de greve.
A Petrobras está na berlinda no Supremo Tribunal Federal (STF). Em julho, o Congresso acionou o STF a acusar a estatal de tentar “fraudar” uma decisão anterior da corte e, assim, levar adiante a venda de vários nacos da companhia, como refinarias de petróleo e usinas de biodiesel.
Em julho de 2019, o STF julgou que estatais podem ser privatizadas apenas com aval do Congresso. Só empresas subsidiárias de uma estatal ou controladas por ela escapam do aval. A decisão foi motivada por uma ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contraf) e da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae).
Para driblar a necessidade de submeter aos parlamentares planos privatizadores na Petrobras, diz a reclamação levada ao Supremo pelo Congresso em julho, a companhia resolveu se “fatiar” e chamar de “subsidiárias” suas refinarias. Subsidiárias “criadas artificialmente”, alega a reclamação, para que a decisão do STF seja “fraudada”.
Um exemplo de operação artificial, diz a Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), são usinas de biodiesel (usam óleo de soja, de algodão e de palma). A Petrobras tem três usinas dessas (em Minas, na Bahia e no Ceará). Até novembro 2019, elas eram da empresa-mãe, a holding Petrobras. Depois, afirma a FNP, foram repassadas à Petrobras Biocombustíveis (PBio), subsidiária criada em 2008.
Os negócios com biocombustíveis tem sido positivos para a Petrobras. A PBio lucrou 243 milhões de reais em 2019 e 179 milhões em 2018. É a sexta maior produtora de biodiesel do País, com 5,5% do mercado. De 2016 a 2019, sua capacidade de produção subiu 21%. Tende a aumentar as vendas a partir de 2023, ao vigorar nova adição mínima de biodiesel no diesel, 15% no lugar dos atuais 12%.
A Petrobras fez outra manobra estranha na tentativa de privatizar sua área de biocombustíveis, na visão da FNP. Ao anunciar o plano de venda, deixou de fora uma outra “fatia” de seus negócios de biodiesel, na qual há um crédito tributário de 2,3 bilhões de reais. Isso significa que a estatal barateou seus próprios ativos.
A reclamação do Congresso contra a Petrobras foi distribuída no STF a Ricardo Lewandowski. O juiz é o relator da ação da Contraf e da Fenae sobre privatização exigir aval parlamentar. Ele deu uma liminar nesse caso em 2018 e ela foi referendada pelo plenário da corte em 2019. Referendada em parte, pois Lewandowski estendia a exigência de aval a subsidiárias e controladas.
No caso da reclamação do Congresso, o juiz decidiu, em 3 de agosto, que a corte precisa sortear um novo relator, em vez de o caso ficar com ele próprio.
No mesmo dia, a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas dos Correios e Similares (Fentect) convocou para 18 de agosto uma greve geral, por tempo indeterminado. É uma reação da categoria à decisão da diretoria dos Correios de cortar benefícios negociados em 2019 em um acordo coletivo chancelado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e válido até julho de 2021.
“Aos trabalhadores, cujas representações sindicais nunca foram recebidas pelo presidente dos Correios nesse um ano de gestão, restaria fazer o quê? Aceitar passivamente uma brutal redução de remuneração em plena pandemia?”, diz Marcos César Alves Silva, vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap).
O anúncio do corte dos benefícios foi feito publicamente pelo presidente do Correios, o general Floriano Peixoto, em uma entrevista à Veja no fim de julho. Para funcionários dos Correios, a entrevista foi uma tentativa de jogar a opinião pública contra os funcionários e a própria estatal, a fim de facilitar a privatização dela, sonho de Bolsonaro.
Na lista do que será cortado, estão o abono de férias de dois terços do salário (a CLT proporciona um terço), vale cultura mensal, licença maternidade de 180 dias (será de apenas 120, conforme a lei) e uma gratificação natalina de 1 mil reais.
Na reportagem da Veja, os Correios informaram que o corte é necessário diante da queda do faturamento decorrente da pandemia de coronavírus. A perda de receita com a entrega de cartas teria sido de 820 milhões de reais no primeiro semestre do ano, na comparação com 2019.
Segundo funcionários, a estatal contou só metade da história. Houve perda de receita com cartas, mas o volume de encomendas aumentou, no embalo do comércio eletrônico. Tudo somado, a queda do faturamento total teria sido de somente 2%.
Além disso, seguem os funcionários, o gasto com pessoal teria caído 10% no semestre, graças a mudanças no plano de saúde. Em junho de 2019, 357 mil empregados eram atendidos pelo convênio. Em maio de 2020, 284 mil, 63 mil a menos.
Enquanto isso, a remuneração dos dirigentes e conselheiros dos Correios subiu 6% no mesmo período. É uma remuneração gorda. Floriano Peixoto ganha auxílio-moradia de 1,8 mil por mês, mesmo valor pago a toda a diretoria. É mais do que o salário de um carteiro, 1,7 mil reais em média.
O general assumiu os Correios em junho de 2019, após Bolsonaro demitir outro general, Juarez Cunha, por este ser contra privatizar a empresa. Peixoto ganhou um aliado na privatização, com a nomeação, em junho, do deputado Fabio Faria no Ministério das Comunicações. Faria é do PSD, partido que mandou nos Correios no governo Temer e desde lá queria privatizar a companhia.
Peixoto tem usado o rombo acumulado de 2,4 bilhões da estatal como argumento pró-privatização. Esse prejuízo foi até 2016. É uma consequência, segundo Alves Silva, de dividendos retirados pelo governo e de uma alteração contábil que antecipou o registro de despesas futuras. Os últimos três anos, porém, foram de lucro: 667 milhões em 2017, 161 milhões em 2018 e 102 milhões em 2019.
Nos cinco primeiros meses de 2020, o lucro estava em 383 milhões. Funcionários dizem que, nessa toada, chegará a 800 milhões no fim do ano. Com o corte de 600 milhões em benefícios trabalhistas, a estatal teria um ganho no ano de 1,4 bilhão de reais. Com esse dinheiro, seria possível bancar um PDV para enxugar a empresa e facilitar sua privatização.
Para a Adcap, há oportunidades de aumentar os lucros que os Correios desperdiçam devido aos planos privatizadores do governo. É o caso do Banco Postal, parceria com o Banco do Brasil encerrada em dezembro de 2019. O banco tinha pago 2,3 bilhões para usar agências dos Correios como correspondentes bancários.