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Privatização da Dataprev e do Serpro colocará em risco dados de pessoas e empresas

Com gigantescos bancos de dados em mãos, empresas privadas poderiam fazer uso indevido das informações de pessoas físicas e jurídicas, afetando desde a concorrência à privacidade dos indivíduos

Publicado: 26 Abril, 2021 - 09h13 | Última modificação: 26 Abril, 2021 - 09h19

Escrito por: Tiago Pereira, da RBA

Dataprev/Divulgação
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Dentro de um ano, o ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende concluir os processos de privatização da Dataprev e do Serpro. As duas empresas públicas de tecnologia foram incluídas no programa de desestatização do governo Bolsonaro ainda em 2020. Apesar disso, os funcionários de ambas as empresas decidiram não esperar. Nos últimos meses, eles desencadearam uma série de ações que tem por objetivo alertar a população e a classe política para o risco da venda dessas empresas.

De um lado, o Estado brasileiro ficaria sem ferramentas estratégicas para o desenvolvimento de políticas públicas. Do outro, sem a devida regulação, milhões de aposentados e empresas poderiam ter seus dados expostos e explorados indevidamente.

A Dataprev, por exemplo, além de realizar o processamento do pagamento de benefícios e aposentadorias do INSS, também é responsável pela aprovação do auxílio emergencial, dentre outras funções relevantes.

Já o Serpro oferece sistemas para o processamento do Imposto de Renda. Junto com a Receita Federal, a estatal lançou no ano passado o aplicativo eSocial Doméstico, que simplifica a contratação formal de trabalhadores domésticos.

Os poderosos datacenters de ambas as empresas armazenam os nomes e CPF dos cidadãos, renda, atividade laboral, antecedentes criminais, biometria digital e facial, entre outros dados. No caso das empresas, ficam registrados os CNPJs, a composição societária, suas movimentações financeiras e os dados contábeis, como a quantidade de produtos vendidos, fornecedores etc.

Riscos da privatização

Promovida pelos funcionários da Dataprev e do Serpro, a campanha “Salve Seus Dados” busca explicar à população a importância das funções desempenhadas pelas empresas. Eles também procuram conquistar o apoio de deputados e senadores contra a privatização. Nesta semana, o senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou requerimento à Comissão de Assuntos Sociais do Senado para a realização de audiência pública com especialistas para debater os riscos da venda das bases de dados previdenciários.

Monopólio e custos

Como primeira consequência do processo de privatização, de acordo com o ex-presidente da Dataprev Rodrigo Assumpção, o governo federal teria que estabelecer contratos de prestação de serviço com as empresas vencedoras, para conseguir manter funcionando os serviços prestados. A alternativa seria constituir novamente novos sistemas e bancos de dados equivalentes. O que demandaria bastante tempo e esforço. “Mesmo que privatizem, o governo não conseguirá se livrar da dependência da Dataprev e do Serpro por muitos e muitos anos.”

Ademais, a tendência é que as empresas privadas que viessem a adquirir as estatais acabassem constituindo um “monopólio de fato” sobre esses contratos de prestação de serviços ao governo, já que estariam de posse dos sistemas e bancos de dados.

Em vez de pagar por esses serviços, hoje essas empresas dão lucro. O que derruba o principal argumento a favor da privatização. Em 2019, a receita do Serpro foi de quase R$ 3,4 bilhões, com lucro líquido de R$ 486 milhões. Já Dataprev obteve receita de R$ 1,6 bilhão de reais, com lucro líquido de R$ 148 milhões. Para 2020, os balanços ainda não foram apresentados.

Mercantilização dos dados

Assumpção também chama a atenção para o uso comercial dos dados da Dataprev e do Serpro, que poderia trazer “vantagens econômicas gigantescas” para as empresas. Ele afirma que a Lei Geral de Proteção de Dados tem brechas que permitem a utilização dessas informações. A única salvaguarda é que os dados devem passar por um processo de “anonimização”. Ainda assim, dada a aplicação recente da lei, os limites da fiscalização são restritos.

Com isso, informações sobre auxílio doença, por exemplo, poderiam ser usadas ilegalmente por planos de saúde para cobrar mais daquele cidadão que tenha um histórico com muitas licenças médicas. Por outro lado, empregadores poderiam usar esses mesmos dados para negar uma oportunidade de emprego a alguém que frequentemente precisa se ausentar por motivos médicos.

Dados sobre o faturamento das empresas – folha de pagamento, importação e exportação de bens, e os preços dos produtos adquiridos junto a fornecedores – também poderiam cair em mãos de empresas rivais, lesando assim a livre concorrência.

“Se uma empresa privada passar a controlar esses dados, mesmo se ela não tiver direito legal, o acesso de fato já pode trazer vantagens econômicas gigantescas, num momento de enorme competição. Isso em função do volume gigantesco de dados que essas duas empresas têm. Então, é bastante preocupante. Esse é o ponto mais delicado”, afirmou.

Reestatização: o caso Datamec

Diante da importância estratégia das informações contidas nos servidores da Dataprev e do Serpro para a realização das atividades de governo, dos custos de contratação desses serviços no pós-privatização, e também dos riscos de mau uso dos bancos de dados, não seria improvável que as empresas fossem reestatizadas tempos depois. Foi o que ocorreu com a Datamec.

A empresa de tecnologia ligada ao antigo Ministério do Trabalho e Emprego era responsável pelo processamento de dados para o pagamento do seguro-desemprego. Contudo, a Datamec foi privatizada em 1999, durante o governo Fernando Henrique Cardoso – que também cogitou vender a Dataprev e o Serpro. Monopolizando os dados dos trabalhadores, a norte-americana Unisys começou a cobrar cada vez mais caro para processar os dados do seguro-desemprego. Chegando a ameaçar, inclusive, com a interrupção dos serviços.

Para resolver esse imbróglio, foi necessária a intervenção do Ministério Público Federal, que conduziu negociações para que a Dataprev assumisse o controle desses sistemas, por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o governo federal e a multinacional. A migração do sistema iniciou em 2007. E só foi concluída em 2011.